Jair Bolsonaro agiu como Jair Bolsonaro. Mal fechadas as urnas, ele disparou um vídeo pela internet: os resultados deste domingo (07/10) são fraudados. Se fossem para valer, já teríamos agora o nome do próximo presidente da República.
O candidato precisa fazer isso e manter a campanha em estado de permanente tensão, para garantir a coesão de sua tropa.
Seu desejo era liquidar a fatura no primeiro turno. Por quase duas horas, ao longo das apurações, a ideia parecia ao alcance da mão. Não deu e teremos uma segunda volta, em três semanas. No quadro geral de obscurantismo e violência, é uma vitória.
Apesar do avanço terrível da extrema-direita pelos estados e pela consolidação de correntes políticas marcadas pela violência e pela intolerância, o resultado não é desesperador. Ao contrário, é um convite à ação.
O prolongamento do embate por vinte dias – em bases totalmente novas – dá forte alento às correntes progressistas e democráticas. Agora dois candidatos se enfrentarão, com igualdade de tempos na TV e com a formação de novas alianças.
Nunca houve virada de um primeiro para um segundo turno, desde que as duas etapas foram estabelecidas das disputas presidenciais (1989). Sempre se pode inaugurar uma tradição.
É preciso, no entanto, ter em mente que enfrentamos eleições de novo tipo. Bolsonaro não teve um marqueteiro tradicional, não distribuiu adesivos e camisetas e sumiu fisicamente das ruas no último mês, devido ao atentado que sofreu.
Sua campanha é a primeira quase totalmente realizada nas redes sociais, processo que engatinhou nas candidaturas de Barack Obama (2008-2012) e que atingiu a maturidade na postulação de Donald Trump. E, para isso, contou com pesos pesados do mundo virtual.
Trata-se de uma jornada subterrânea. Seu campo de batalha são as catacumbas do whatsapp e do twitter. Sem contar com longuíssimos programas de governo – que Bolsonaro não tem -, ou áridos textos teóricos, há uma profusão de memes e frases feitas. A maior parte dessas peças difundem mentiras e calúnias (fake news, na multilíngua da modernidade). Se a primeira não colar, as 245 seguintes acabam por convencer até o mais insensível dos receptores.
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É bastante provável que, nesta fase, o representante do PSL se recuse a participar de debates, nos quais pode sair em desvantagem. É preferível conquistar um monólogo em alguma emissora de bispo amigo.
Não é difícil perceber que o apoiador de Bolsonaro apresenta uma adesão mais emocional do que racional ao candidato. Um parente chegou a retrucar a uma de minhas filhas que tentava demovê-lo de seu voto: “Não quero argumentos, não quero ouvir. Me deixa votar em paz!”.
Difícil saber se a frase pode ser tomada como padrão, A lógica cartesiana não parece funcionar muito nesses casos. O bolsominion não apenas não quer ser convencido, mas vê a tentativa como algo invasivo. São lógicas distintas, nas quais a atividade política é muito mais subjetiva e emocional do que racional. Isso demonstra o grau de hegemonia que a campanha de Bolsonaro atingiu, com a defesa ativa e agressiva do senso comum.
Assim – me parece – ser de pouca serventia a tentativa de virar o jogo eleitoral propagando-se que o deputado do PSL é “fascista”, “machista” ou violento. Tais atributos negativos para uma tribo podem ser vistos como elogios para outra. Ser macho e não levar desaforo para casa são quase pontos programáticos para um postulante que querer “mudar tudo isso que está aí”.
Se a campanha de Haddad não buscar emoção e concretude no que fala, terá dificuldades pela frente. Emoção para literalmente seduzir os indecisos e desarmar uma franja do lado de lá. E concretude para explorar coisas do cotidiano, como fim do 13º salário, a duplicidade de carteiras de trabalho, a porradaria que virá contra os pobres etc.
A falta de programa por parte de Bolsonaro sequer é cobrada. Aliás, em sua lógica, programa é blablablá e coisa de intelectual. O candidato tem de olhar no seu olho, ganhar a sua confiança e estamos conversados.
Não haverá tempo para se divulgar um telefone destinado a receber denúncias sobre fake news. Teremos dias e noites selvagens pela frente. Há duas línguas que não se conectam nessa guerra.
É preciso ser direto, emocional e muito agressivos se quisermos vencer. É preciso abandonar o espírito “saudade não tem idade” dos programas de 1º turno e falar sobre o futuro, sobre planos, sobre projetos.
Há sérios riscos nessas sugestões. O pior deles é dar certo.