Na trilogia que o diretor chileno Pablo Larraín realizou sobre a ditadura chilena, que inclui os filmes Tony Manero, Post Mortem e No, um dos fatores comuns é o tratamento de temas amplos através dos olhares de personagens longe dos holofotes da história oficial: um aspirante a dançarino, um funcionário de um necrotério e um publicitário, respectivamente. Em O Clube, trabalho mais recente de Larraín, que entrou em cartaz na última quinta-feira (1º/10) nos cinemas brasileiros, tal característica também está presente, mas agora o período ditatorial dá lugar a uma democracia ainda longe de conseguir expor todos os podres do passado.
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Em “O Clube”, Larraín toca em temas delicados para a Igreja Católica, como pedofilia e apoio à ditadura
O elemento central dessa dissecação é a Igreja Católica. O diretor precisa de poucos minutos de filme para nos apresentar a um grupo formado por quatro homens e uma mulher. Eles bebem, apostam em corridas de cachorros e dividem uma casa à beira-mar. A rotina tranquila daquelas pessoas, que só depois descobrimos serem ligadas ao sacerdócio, é interrompida quando um novo integrante chega para se hospedar no local. Após um incidente trágico, um homem que representa o alto escalão católico é chamado para investigar o ocorrido.
É aí que fica claro que o tal “clube” é uma casa de penitência que abriga ex-padres e uma ex-freira punidos pela Igreja Católica. Entre as acusações que motivaram os afastamentos, estão o roubo de recém-nascidos, o acobertamento de crimes cometidos durante a ditadura de Augusto Pinochet e a pedofilia, que se tornou, nas últimas décadas, a grande mácula da instituição religiosa.
Uma passagem logo no início do filme é muito representativa sobre como será o tratamento dado pelo diretor a esses personagens. Flagrado a certa distância e de costas para a câmera, um padre reza efusivamente, e o movimento de sobe e desce que realiza com o pescoço faz lembrar a prática do sexo oral. Já no plano seguinte, a câmera se aproxima e mostra o personagem de frente, dando mais ênfase à sua oração.
Este misto entre uma observação objetiva dos fatos e uma aproximação subjetiva das motivações daquelas pessoas é uma tônica no filme. Como mostra nos planos citados, Larraín entende que a devoção religiosa e os desejos mais reprováveis não podem ser tratados separadamente, pois são partes formadoras de uma mesma pessoa. Assim, ele torna os personagens mais humanos e complexos, com noções distintas de moralidade.
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Isso se verifica, por exemplo, na cena em que o padre Vidal (Alfredo Castro, presença constante nos filmes do diretor) defende que a sua capacidade de reprimir os impulsos pedófilos deveria ser valorizada, e não punida. Ou quando o padre Ortega (Alejandro Goic) não se censura ao dizer que os bebês retirados à força de seus pais biológicos teriam uma vida melhor nas novas famílias.
A zona cinzenta que abarca o passado desses personagens é representada pelo diretor através do uso de sombras nas cenas internas e, em particular, pelo desfoque utilizado em alguns dos interrogatórios a que os padres são submetidos.
Isso não significa que outros personagens sejam tratados de uma forma plana. Naquela que talvez seja a melhor cena do filme, um homem que foi abusado por um padre na infância apresenta um misto de raiva e afeto ao relembrar os atos bárbaros de que foi vítima.
De modo parecido, o funcionário da Igreja Católica que chega para investigar os padres está longe de ser um poço de bondade. Típico tecnocrata, ele defende a imagem da instituição e também demonstra a intenção de poupar o dinheiro investido mensalmente naquele e em outros locais do mesmo tipo espalhados pelo Chile.
Em seu filme mais tenso, Larraín é hábil em apresentar essas nuances e conduzir a trama rumo a um final inesperado, no qual a redenção possível é, paradoxalmente, nada redentora para qualquer um dos personagens.
Serviço – “O Clube” – São Paulo:
Reserva Cultural – avenida Paulista, 900
Sessões a partir das 13:45
Espaço Itaú Augusta – rua Augusta, 1470
Sessões a partir das 14h
Espaço Itaú Frei Caneca – rua Frei Caneca, 569
Sessões a partir das 14h
(*) Adriano Garrett é editor do site Cine Festivais