O irlandês John Boyne faz parte da nova geração de escritores de sucesso do país de Joyce, Wilde e Jonathan Swift. Começou a escrever histórias aos 19 anos. Aos 29, teve o primeiro romance publicado. Hoje, às vésperas dos 39, é conhecido em vários países como autor do best-seller O Menino do Pijama Listrado. O livro, de 2006, fala sobre o Holocausto do ponto de vista de duas crianças – um menino judeu e o filho de um nazista. A obra foi traduzida em 42 línguas e teve mais de 5 milhões de cópias vendidas no mundo, além de ser adaptada para o cinema.
Além de Boyne, a nova safra de escritores irlandeses de destaque conta com nomes como Marian Keyes (Melancia) e Cecelia Ahern (PS I Love You). A cidade em que nasceu, Dublin, acaba de ser nomeada “Cidade da Literatura” pela Unesco – título até hoje só conferido a outras três: Edimburgo, na Escócia, Iowa, nos Estados Unidos, e Melbourne, na Austrália. A capital irlandesa foi reconhecida pelo órgão da ONU por ter contribuído de forma vasta com o universo literário.
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O hábito da leitura, muito popular na Irlanda, será um dos temas de uma série de visitas que John Boyne fará a escolas no Brasil em 2010. O escritor é um dos convidados da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que acontece de 12 a 22 de agosto. A primeira viagem de Boyne ao país foi programada para coincidir com o lançamento de seu sétimo romance: O Palácio de Inverno (Companhia das Letras, 453 páginas, R$ 39,50). O autor recebeu a equipe do Opera Mundi em sua casa, em Dublin, e contou como passou de funcionário de uma livraria a escritor de sucesso.
Como é seu novo livro, O Palácio de Inverno?
É a história de Georgy, um jovem de família pobre que, aos 16 anos, tenta impedir o melhor amigo de cometer um assassinato e acaba se tornando herói por acidente ao salvar a vida de um membro da família imperial da Rússia. Georgy é então levado ao Palácio de Inverno, em São Petersburgo, para ser guarda-costas do filho caçula do czar Nicolau, às vésperas da Revolução Russa. O livro se divide entre o breve tempo que ele passa no palácio e os 60 anos seguintes, que transformaram dramaticamente a vida do homem e do país.
O título do seu novo livro foi mudado
para a versão brasileira. Em vez da tradução literal, “A Casa com
Propósitos Especiais”, foi traduzido como O Palácio de Inverno. Como você se sente em relação a isso?
O autor é geralmente consultado nesses casos. Em alguns idiomas, o
título original não funciona bem. Escolhi este título porque a casa em
que a família imperial russa morou era chamada pelos bolcheviques de
“casa com propósitos especiais”. Mas a mudança não me incomoda. Ela
passa bem a ideia do que o livro representa.
Por que você decidiu escrever sobre a Rússia?
Gosto de fazer pesquisas para escrever romances históricos e sempre tive curiosidade em saber como foram os últimos anos do czarismo. Pesquisei bastante sobre o czar Nicolau e a esposa Alexandra e o que levou ao assassinato deles. A ideia do livro acabou vindo naturalmente. As partes que tratam da família imperial e da revolução são todas baseadas em fatos reais. O restante é ficção.
Você acha que as pessoas podem ficar mais interessadas nos períodos históricos ao ler suas obras?
Nos livros que escrevo, sempre tento explorar um período histórico. Procuro achar um tema para intrigar a imaginação dos leitores e fazer com que eles se interessem também. Como notei que não há muitas obras recentes sobre a família imperial russa, achei que os leitores pudessem se sentir atraídos por algo 'novo'.
O livro é narrado de forma não-linear. Por que você decidiu fazer isso?
Meu último livro, O Garoto no Convés (2009), era muito linear e eu não quis repetir a fórmula. Além disso, minha ideia não era só contar a história da revolução. Quis me desafiar como escritor. Quis inventar. No Palácio de Inverno, um capítulo traz a voz do personagem na velhice e o capítulo seguinte o mostra como adolescente. E assim segue até que essas histórias se encontram no final. Acho que fica menos previsível.
Você acha que o público terá vontade de visitar a Rússia ao terminar a leitura?
Provavelmente sim. O livro foi publicado na Irlanda e no Reino Unido no ano passado e muita gente mencionou a vontade de conhecer São Petersburgo. Eu mesmo passei um tempo na cidade e escrevi grande parte do livro dentro do Palácio de Inverno, que agora é um museu aberto ao público. Tive a chance de ir ao local todas as manhãs com meu laptop e pude escrever dentro dos quartos onde algumas passagens do livro acontecem. Foi uma experiência incrível.
Como foi a reação do público russo?
A obra ainda não foi lançada lá. Estou ansioso por isso.
É possível notar algo em comum nos seus três últimos livros: a presença de um jovem no meio de um conflito. É um estilo predefinido?
Eu não planejei, mas posso ver esse resultado agora. Deve ser influência da minha própria infância. Lembro que eu gostava de ler histórias de crianças órfãs que tiveram que se virar dentro de situaçoes difíceis.
Você teve alguma experiência do tipo?
Na verdade foi o contrário. Tive uma infância muito normal, muito confortável. É curioso, porque eu até queria ter aquele tipo de aventura, de dificuldade que eu via nos livros.
Como foi escrever O Menino do Pijama Listrado (2006)? A trama se passa em Auschwitz, mas você visitou o local antes de escrever o livro?
Eu havia feito muita pesquisa, mas nunca tindo ido a Auschwitz. Viajei para lá depois de terminar o livro, mas aprendi uma lição: se você vai escrever sobre um local, é bem melhor conhecê-lo antes. Logo que comecei o primeiro rascunho do Palácio de inverno, decidi que viajaria para a Rússia. Foi ótimo, pois fiquei longe de casa e me concentrei só no livro. Enquanto estava no palácio, parecia que os fantasmas dos ex-moradores pulavam para as páginas.
Como sua vida mudou desde o best-seller com O Menino do Pijama Listrado?
A principal mudança é que eu preciso viajar muito mais. Sou convidado a participar de festivais e outros eventos para promover o livro. O passaporte começa a ser usado com muito mais frequência do que antes. Em consequência, meus hábitos de escrita também mudaram. Grande parte do livro no qual estou trabalhando agora foi escrito em quartos de hotel. Em resumo, minha vida inteira mudou. Eu tinha um trabalho antes, não vivia de escrever. Trabalhava numa livraria. Sempre fui apaixonado por livros.
Exatamente como Georgy, personagem do Palácio de Inverno?
Isso mesmo. Muitos dos meus personagens tendem a ter interesse por livros. Bruno, de O Menino do Pijama Listrado, carrega com ele A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson. Na primeira cena de O Garoto do Convés, há um menino roubando livros. Leitura é alto realmente importante para mim. Eu trabalhei por sete anos na livraria e só deixei o emprego em 2003.
Como é voltar ao antigo trabalho e ver seus livros nas estantes?
É exatamente o que eu sempre quis. Mas lembre-se: quando meus dois primeiros romances foram lançados, em 2000 e em 2001, eu ainda era funcionário da livraria. Acabei tendo a oportunidade de colocar meus livros em lugar de destaque para tentar vender mais.
O Menino do Pijama Listrado é considerado um romance para jovens?
Foi escrito com esse propósito. Na Irlanda e no Reino Unido, o livro foi vendido inicialmente como infanto-juvenil. Eu não via motivo para algum adulto ler aquilo. Com o tempo, essa visão acabou e hoje eu o enxergo apenas como um livro normal, sem classificação.
É incômodo o fato de ser questionado sobre o best-seller quando você está lançando um novo livro?
Você se acostuma com a situação. Eu não me incomodo muito, afinal eu escrevi um best-seller. Mas espero que os leitores me permitam falar também do novo livro. De qualquer forma, faz parte da profissão de escritor. Um livro como O Menino do Pijama Listrado, que teve um alcance tão grande, não pode ser deixado de lado, principalmente quando visito um país pela primeira vez.
Você gostou de ver sua história adaptada para o cinema?
Sem dúvida. Participei das gravações e estive envolvido em todo o processo. O diretor e os produtores estavam interessados na minha opinião. Foi gratificante.
Muita pessoas ficam interessadas nos seus livros após o filme?
Sim. Não há como negar que filmes são bem mais populares do que livros. Mas o resultado é positivo, porque a repercussão do cinema atrai mais atenção para a obra escrita. Depois, tanto meus trabalhos passados quanto os futuros podem ser beneficiados.
O Palácio de Inverno vai virar filme também?
Eu adoraria isso. Sei que alguns produtores leram e ficaram interessados na história. O problema é que esse seria um filme muito caro, por causa do tema envolvido. A caracterização da Revolução Russa exigiria um orçamento muito grande e isso torna as chances de acontecer muito menores.
Sem contar O Palácio de Inverno, já existe um próximo livro a caminho? Existe alguma pressão para escrever novos livros?
Sim, estou trabalhando num livro infantil. Será o meu primeiro que não tem contexto histórico. É um conto de fadas sobre um garoto que foge para uma espécie de floresta mágica onde tudo pode acontecer. Mas há consequências sérias com o desenrolar da trama. Existe um mistério sobre o porquê de o garoto fugir. Mas não há nenhuma pressão. O que existe é vontade, emoção. Eu me considero sortudo por trabalhar com o que gosto. Sempre que termino um livro, procuro começar outro rapidamente.
Você gosta de narrar conflitos. Já pensou em escrever algo sobre a América do Sul?
Quando estiver lá, vou querer conhecer tudo o que puder e tentar entender um pouco da cultura local. Mas, como escritor, nunca procuro pela ideia. Ela simplesmente acontece.
E a Irlanda? Você nasceu num país que tem uma história cheia de conflitos. Nunca te ocorreu escrever sobre isso?
Sei que parece estranho eu ter publicado sete romances e nenhum deles ser ambientado na Irlanda, já que a maioria dos autores irlandeses escreve sobre o próprio país. Mas não é que eu tenha planejado não escrever sobre o tema. Acontece que minha imaginação me levou para outros lugares em vez de me manter em casa. Eu gostaria de falar sobre meu país, mas só se acontecesse a inspiração. Não quero me sentir obrigado a fazer.
Como será sua agenda enquanto estiver no Brasil?
Há vários compromissos. Entrevistas com o público, sessões de perguntas e repostas, autógrafos, etc.. Na Bienal do Livro, participarei de um evento conjunto com Jostein Gaarder, autor de O Mundo de Sofia, O Dia do Curinga e Vita Brevis. Também vou visitar algumas escolas no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Você conhece autores brasileiros?
Não tanto quanto eu gostaria. Quando eu viajo para algum país, tento ler enquanto estou lá. Principalmente autores jovens, para saber como está a cabeça literária das pessoas no momento. Recentemente, li um livro chamado Heliópolis, do inglês James Scudamore. A história se passa em São Paulo e me interessou muito.
No Brasil, o hábito da leitura não é tão popular quanto aqui na Irlanda. Você mencionou antes que vai a escolas. Qual é o propósito?
Eu procuro visitar escolas sempre que visito um país. Minha intenção é despertar nos alunos o interesse em ler e escrever. Quero mostrar a eles que a leitura pode prender e estimular a imaginação com muito mais proveito do que videogames o fazem.
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