Quando começou a desenvolver a ideia para o seu primeiro longa-metragem, La Playa D.C., o cineasta colombiano Juan Andrés Arango se deu conta dos preconceitos e do conservadorismo de sua cidade natal. Segundo ele, Bogotá parecia fechar os olhos aos imigrantes negros deslocados do litoral do Pacífico para a capital em busca de novas oportunidades, por causa da violência causada pelo trio guerrilha, paramilitares e Exército em sua região de origem.
Mesmo sem precedentes que facilitassem o financiamento de seu projeto, Juan Andrés encarou o desafio e, muitos “carimbos” (como o fato de ter sido selecionado para a seção Um Certo Olhar do Festival de Cannes) e prêmios depois, o diretor considera que o filme gerou muitas discussões na Colômbia – uma país que começa a se dar conta das cicatrizes mais profundas de seu conflito interno. E o novo cinema colombiano, para ele, tem culpa nisso.
Opera Mundi: O que o levou a filmar La Playa D.C.?
Juan Andrés Arango: A ideia surgiu de um médio-metragem que fiz como tese de graduação, intitulado Lohiceenlasnieves. É uma ficção sobre três jovens descolados de sua região de origem – a costa do Pacífico na Colômbia – por causa da violência. Para fazer esse trabalho, convivi com eles, seus amigos e famílias em dois anos de pesquisa “informal”. Essa experiência me levou a contar uma história sobre um adolescente em um lugar onde é visto como estrangeiro e sofre preconceitos. Ao mesmo tempo, queria falar da transformação de Bogotá, o lugar onde nasci. Ela costumava ser uma cidade muito fechada, conservadora, mas teve que se abrir à população afro colombiana do Pacífico, por exemplo – coisa que antes não se via. A partir de todas essas histórias que acompanhei e visões próprias que tinha sobre esse processo, comecei a escrever o roteiro desse que foi meu primeiro longa-metragem.
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OM Como é realizar um filme atualmente na Colômbia? Como foi sua experiência com esse longa?
JAA: É um processo longo. Em 2005, ganhei um apoio do Fundo de Desenvolvimento Cinematográfico do Ministério de Cultura da Colômbia para o roteiro. Nesse momento, comecei por minha conta a fazer uns workshops com os atores naturais – aqueles jovens que eu já conhecia e com quem já tinha trabalhado – para improvisar com eles a partir de situações cotidianas, que eu descrevia no roteiro. Foram dois anos para escrever a história, que foi sendo melhorada aos poucos. Com o roteiro pronto, o filme recebeu novamente novos do fundo colombiano para produção e foi selecionado pelo Ibermedia, em coprodução com o Brasil. Logo, veio o apoio de fundos europeus como o de Rotterdam, que por algum tempo foram reticentes em apoiar um primeiro filme de um diretor que rodaria muitas cenas na rua, como era meu caso. Foi desgastante buscar financiamento para o projeto, mas eu insisti, porque tinha certeza do que queria. E aconteceu. Aprendi, com isso tudo, que um diretor é alguém que acredita em suas ideias e está disposto a fortalecê-las, apesar da descrença dos outros.
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Cena de La Playa D.C., filme de Juan Andrés Arango. Produção fala da diáspora de colombianos do litoral do Pacífico para a capital
OM: Qual foi a reação quando o filme foi selecionado para a seção Um Certo Olhar do Festival de Cannes?
JAA: Ainda estou surpreso. Não fiz o filme pensando nos festivais, e sim por paixão, e acho que isso se sente. Mas, claro, depois de Cannes, surgiram convites aos montes para que o filme fosse exibido em lugares tão distantes e com públicos tão diferentes como Brasil e Coreia do Sul. Ganhamos muitos prêmios, como o de melhor primeiro filme em Lima e o de melhor diretor em Santiago. Sem falar no interesse de algumas distribuidoras, que já o compraram para exibição na França, nos Estados Unidos e no Canadá. Outros lugares, como o Brasil, já estão em negociação também. Enfim, foi uma ótima notícia.
OM: Você trabalhou com jovens cuja realidade é a mesma dos personagens que fazem parte da sua história. Como o filme mudou essas vidas?
JAA: Posso falar especialmente do Luis Carlos, o protagonista, com quem eu convivi por bastante tempo, antes do filme começar, e que era um menino como o Tomás, do filme: inseguro diante das hostilidades da cidade grande, mas disposto a dominá-la. Sinto que ele mudou fortemente ao longo desse processo e, sobretudo, que se deu conta que tinha um talento. Isso é muito gratificante. Agora cabe a ele decidir o que fazer com isso e com a atenção que recebeu, por exemplo, da imprensa colombiana. São muitas novidades.
OM: Qual foi o impacto da estreia comercial do filme na Colômbia?
JAA: La Playa D.C.foi muito bem recebido e gerou muito interesse dos meios de comunicação. O tema do filme, até então pouco tratado no cinema colombiano, causou curiosidade nas pessoas, e acho que essa discussão é muito importante. Em termos de público, os números foram inferiores ao que esperávamos – 20 mil espectadores –, ainda que essa seja a média para filmes nacionais na Colômbia. O fato é que a negociação com as salas de exibição é complexa. Elas não estão interessadas se o filme é colombiano ou não: chega uma superprodução de Hollywood e ocupa todos os espaços. Mas, qualitativamente, não temos do que nos queixar. Sinto que os filmes da safra mais recente do cinema feito na Colômbia estão mais ligados às histórias humanas que evidenciam os rastros do conflito do que à violência explícita.