Enquanto seguem as homenagens a Hugo Chávez, falecido em 5 de março após uma longa batalha contra um câncer, a Venezuela já reflete sobre o vazio deixado pelo presidente. Mais além do impacto da ausência física do líder, que esteve no comando por 14 anos, os venezuelanos avaliam a herança deixada por ele e como o país irá se comportar daqui para frente.
Para Blanca Eekhout, segunda vice-presidente da Assembleia Nacional e deputada pelo Estado de Portuguesa, o balanço é positivo. Em conversa exclusiva com Opera Mundi, Eekhout, que desde muito jovem é ativista social, destaca o respaldo dado pelo povo ao processo revolucionário de Chávez, principalmente a partir das emocionantes demonstrações de apoio desde seu falecimento.
Marina Terra/Opera Mundi
Blanca Eekhout: Venezuela “vive melhor momento de estabilidade política e econômica, apesar das dificuldades”
Ela também diz que o desaparecimento físico do presidente abalou a todos. “Acredito que o único que sabia era ele, da possibilidade de não estar mais aqui. Porque para todos a ideia sempre foi a de que Chávez era invencível”, diz. No entanto, em sua opinião, Chávez “nos deixou no melhor momento”, e explica: “a partida do presidente fortaleceu nosso país, porque nos obriga a seguir, a não deixar cair o que ele fez.”
Opera Mundi: Já se passou mais de uma semana desde a morte do presidente. Como a Venezuela tem se comportado sem a presença física de Chávez? O país está preparado para viver sem ele?
Blanca Eekhout: Tem sido notório, e algo que marca um mito na história política, não só do nosso país, mas do mundo, o fato de que, após a partida do nosso comandante, o povo foi às ruas – calcula-se que mais de um milhão participaram do cortejo fúnebre (em 6 de março) – e depois de muitos dias, continuou fazendo fila por horas e horas. Além disso, o espírito dessa mobilização não era somente de dor e acompanhamento ao comandante, mas de continuar sua luta, seu legado. Com um nível político, uma consciência que supera quadros da revolução. Depois de sua morte, as pessoas já gritavam consignas com relação ao nosso colega Nicolás Maduro, de que ele assumiria a tarefa de ser o candidato da revolução. Elas diziam “Chávez, te juro, meu voto é por Maduro”, como todas as outras consignas, que sempre vieram do povo. Ficou clara que parte dessa tarefa de construir essa revolução com a liderança do presidente era a confiança do povo.
Na última fase da campanha para o 7 de outubro, o presidente disse que todos eram Chávez. Ficou claro que, a partir daquele momento, que não era mais questão de seguir Chávez, mas de ser como ele. E ser Chávez é assumir a bandeira da defesa da pátria. A bandeira da solidariedade e do amor como motor fundamental para construir um mundo de justiça, igualdade. A força e a coragem para enfrentar os momentos mais difíceis, que foi algo que ele nos ensinou. Tivemos Bolívar e Zamora, mas nunca tínhamos conseguido uma coesão do movimento popular, até que em 27 de fevereiro de 1992 o povo saiu espontaneamente às ruas, que foi quando o conhecemos. E preso, ele conseguiu abrir a porta à unidade do povo e à construção de um projeto unitário. “Por enquanto não atingimos o objetivo”, disse. E foi impressionante, porque isso foi um alento a um país completo. O vimos dessa forma também em abril de 2002, ameaçado de morte pelos golpistas, mas que mesmo encarcerado resistiu.
No início da doença, quando nos comunicou pela primeira, o impacto foi brutal, mas também naquela época soube transmitir esperança. E nessa última jornada, após ganhar as eleições, todo o tempo a direita, o inimigo, o império, com suas operações psicológicas, com sua guerra suja, seu culto à morte, estiveram apostando que tinha que renunciar.
OM: Chávez considerou a renúncia?
BE: Não. O que se tornou público foi o que ele disse em 8 de dezembro. Que se, por algum motivo, não pudesse mais ser o presidente, que Nicolás fosse o candidato. Até o último momento estava pensando em seu povo. Devido às diversas provas pelas quais o presidente passou desde 1992, nunca pensamos que pudesse morrer. Acredito que o único que sabia era ele, da possibilidade de não estar mais aqui. Porque para todos a ideia sempre foi a de que Chávez era invencível.
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OM: E como se comportará o país com essa realidade?
BE: A vitória dos candidatos do chavismo em 16 de dezembro, quando ganhamos os governos de 20 de 23 Estados da nação, foi determinante. O presidente nos deixou no melhor momento. É terrível dizer isso, mas se trata do momento de maior fortaleza, de unidade do povo, de fortaleza do governo, de unidade dos partidos e da esquerda. Além disso, em um momento no qual as conquistas da revolução foram concretizadas. Ao revés, a partida do presidente fortaleceu nosso país, porque nos obriga a seguir, a não deixar cair o que ele fez.
OM: Há algum risco de instabilidade política na Venezuela?
BE: Vivemos nosso melhor momento de estabilidade política e econômica, apesar das dificuldades. No entanto, também temos um inimigo muito perigoso, que não é somente a direita nacional, mas o império norte-americano. Somos o país com a maior reserva comprovada de petróleo do mundo. Ademais, um país que tem sido exemplo para outros modelos de vida, que desafiam o império. Com isso fomos essenciais para a integração latino-americana. Ou seja, há ameaças muito sérias, que nunca deixaram de existir. Eles pensavam que a partida de Chávez significaria o fim da revolução. E apostavam em uma geração de caos imediata. De fato, eles pareciam ter muito clara a morte dele. Em novembro, dezembro, trataram de colocar em ação a estratégia de desestabilização, falando de descontrole com a inflação, desabastecimento e da violência em Miranda (Estado governado por Henrique Capriles). Além disso, lembremos da campanha midiática brutal, especialmente fora do país, criando matrizes de que Chávez já estaria morto, para gerar desconfiança no povo. Se Chávez sou eu, é o camponês, a renúncia de Chávez seria a renúncia ao povo. Era a simbologia que eles queriam transmitir. Mas Chávez resistiu até o último momento e morreu como presidente da República. Isso pesou na batalha ideológica. Nunca conseguiram vê-lo debilitado. Exigiam ver fotos, vídeos, escutá-lo, porque essa era a intenção, além de afastá-lo da recuperação. Queriam deixar a imagem de que Chávez – e partindo do princípio de que todos somos Chávez – era um povo rendido, doente. Por isso, a batalha dele pela vida, foi uma batalha pelo povo.
Efe
Demonstrações de apoio popular ao processo empreendido por Hugo Chávez na Venezuela se multiplicaram após sua morte
OM: O que o governo vem fazendo para interromper a atuação das forças que a senhora menciona? Há risco de golpe de Estado?
BE: Eles quiseram gerar a sensação de caos, de ingovernabilidade, para uma intervenção. Porque não têm força para gerar uma desestabilização interna. Em 2002, eles conseguiram ter a hierarquia militar a seus serviços, mas que nunca conseguiu comandar tropas, porque elas sempre estiveram com Chávez. Nesse momento, a hierarquia militar foi criada na revolução, nossa unidade cívico-militar é inquebrantável. Então, o que eles tentaram fazer nos dias prévios à morte do presidente, de que havia saques, confusão, mostra essa intenção de gerar supostas situações de confrontação política e tentar uma desestabilização. Mas fica difícil quando um povo se mobiliza da forma como vimos.
OM: Existe respaldo do executivo, legislativo e exército ao presidente interino Nicolás Maduro?
BE: Absolutamente. Aqui há uma claridade sobre a defesa do Estado e das instituições. Nicolás tem o respaldo de todos, além do povo. Mas, Nicolás, como filho de Chávez, encarna o que é o princípio também da nossa Constituição, que é a identidade desse projeto bolivariano. Não somente para a Venezuela, mas para toda a América Latina, são momento difíceis, frente à própria crise do capitalismo, e às ameaças que vêm dessa crise. Obviamente surgirão tentativas de quebrar nossa unidade, de busca pelos nossos recursos, de voltar a dominar nossa economia e, somente a consciência dos povos, e a unidade e compromisso dos governantes, nos vai permitir resolver um momento difícil para a humanidade. A única saída para o capitalismo é a guerra. Ideologicamente não tem mais nada a oferecer, não são mais alternativa para nada. Dessa forma, só podem se impor pela violência. Além do que, sua maior indústria é a armamentista.
Para nós, é difícil a perda do comandante, mas entendemos também que essa partida faz com que ele transcenda. As calúnias e os insultos já não o atingem mais. Chávez conseguiu não somente teorizar sobre como seria um novo mundo, mas construiu bases para o alcançarmos. O povo está consciente disso.
OM: O “processo revolucionário” deve ser aprofundado, com o desenvolvimento do Estado comunal, por exemplo?
BE: É imprescindível. Nossa revolução precisa ser aprofundada. Nesse momento, a fortaleza do povo está em avançar e é justamente essa a proposta do presidente com o programa da pátria, defendido desde outubro.
OM: Qual será a principal estratégia nessa eleição de 14 de abril?
BE: O programa da pátria é nosso elemento fundamental, pois é o legado do presidente. Devemos seguir com a construção do socialismo do século XXI. Será a reafirmação da nossa independência, soberania. Assim como Che Guevara falava sobre o novo homem, Chávez nos mostrou o que é ser o homem e a mulher do futuro. E ele deixou muito clara qual será a nossa tarefa. A campanha será muito curta, dez dias.
Efe
Para Blanca Eekhout, opositores como Henrique Capriles “têm tido uma atitude muito provocadora, porque temem a derrota”
OM: Isso é positivo ou negativo?
BE: Positivo, porque precisamos começar a fazer revolução.
OM: Como a senhora avalia o comportamento da oposição nesse novo processo eleitoral?
BE: Estão querendo violência e não fazer campanha. Eles têm tido uma atitude muito provocadora, porque temem a derrota e, frente a isso, querem buscar outro caminho e justificar uma saída fora do âmbito eleitoral. A oposição do candidato (Capriles) é muito vergonhosa e provocadora. É realmente estranho esse ser o comportamento de alguém que quer ganhar uma eleição. Enfim, nunca se sabe o que esperar da direita, porque as orientações sempre vêm dos EUA.
Faria muito bem ao país se houvesse uma direita mais responsável, porque quem sempre a dirigiu é o setor mais fascista. Poderiam existir posturas da direita com setores menos apátridas, com uma agenda onde os interesses nacionais estejam acima dos estrangeiros. Mas, é uma oposição que quer permanentemente virar o jogo, danificar, boicotar. A greve petroleira de 2002 custou ao país mais de 20 bilhões de dólares. Não pode existir uma oposição que queria destruir o Estado, impedi-lo de governar. Nossa oligarquia nunca foi produtiva e sempre esteve ligada aos interesses de fora.
OM: Como a senhora avalia o comportamento dos meios de comunicação privados?
BE: Eles foram os artífices do golpe de Estado. Eles comandaram os generais traidores, a Igreja, os políticos, todos. São os mesmos atores políticos. Às vezes mudam as funções, se radicalizando mais ou menos. O tratamento que deram à doença do presidente foi vergonhoso. E após a morte, também. A falta de conexão com o que é o povo mostra que eles seguem sendo o mesmo exército invasor. Jamais estabelecerão identidade com esse povo ou essa pátria. Cada vez está mais claro quem são eles e quem somos nós. E nós somos Chávez.