* Atualizada às 13h43
Atual alto Representante-Geral do Mercosul, cargo criado por iniciativa do Brasil em 2010, com o objetivo de representar o bloco junto a terceiros países e organismos internacionais, Ivan Ramalho avalia que as negociações entre o bloco sul-americano e a União Europeia precisam prever com exatidão os prazos de implementação das medidas a serem formalizadas.
Para o brasileiro, as condições impostas por ambos os lados podem ser atendidas dependendo do tempo em que se pretender colocar o acordo em prática.
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Ramalho foi um dos principais artífices para a incorporação da Bolívia como sócio pleno e de Guiana e Suriname como países associados. Antes de ocupar o cargo, Ramalho já esteve durante oito anos do governo Lula como secretário-executivo do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Secretário de Comércio Exterior, participando ativamente das negociações União Europeia-Mercosul. Também passou pelo setor privado, como Presidente da ABCE (Associação Brasileira de Empresas de Comércio Exterior) e membro do Conselho da Associação de Comércio Exterior do Brasil.
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Em seu gabinete no Edifício Mercosul, em frente à Rambla de Montevidéu, é que Ivan Ramalho conversou com Opera Mundi para contar a sua visão da atual negociação comercial entre Europa e Mercosul, além dos atuais acordos já existentes no bloco com terceiros países da região. Leia abaixo:
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Opera Mundi: O acordo entre a UE e o Mercosul vem sendo negociado há quase 15 anos. Com a sua experiência anterior e como Alto Representante Geral do Mercosul, na sua opinião, qual é a importância de concluir esse acordo comercial?
Ivan Ramalho: Em geral, o que os acordos buscam e quase sempre resultam é em crescimento do comércio, dos investimentos. Então é natural que sejam muitos os setores dos vários países que participam de uma negociação como essa, que têm interesse na conclusão do acordo, que o mesmo possa vir de fato a ser assinado por todas as partes. Mas é natural que tanto do lado do Mercosul como da União Europeia, também, assim como nas outras negociações com outras regiões do mundo, existam preocupações. Preocupações defensivas não existem só no Mercosul, no Brasil ou em um grupo de países que se possa dizer que alguns sejam mais preocupados com essa questão e outros menos. É perfeitamente natural que aconteça e essas coisas têm que ser discutidas. Eu acompanhei e participei um pouco mais de perto dessas negociações na época que eu era Secretário de Comércio Exterior, ainda no governo brasileiro, quando esse acordo já vinha sendo negociado. Minha impressão é de que existe hoje uma vontade política dos dois lados para que o acordo possa de fato prosperar e ser concluído. Eu acredito, inclusive, que isso possa vir a acontecer ainda em um prazo relativamente curto. Nós temos, como você disse, neste mês, reuniões de equipes técnicas. Este acordo, assim como outros acordos que o Mercosul já tem com outros países, sempre poderá trazer benefícios.
OM: Quais são os outros acordos comerciais que o Mercosul possui com terceiros países?
IR: No caso específico do Mercosul, eu gosto de lembrar sempre, o bloco já tem aqui na América do Sul vários acordos, inclusive com os países que estão hoje conformando a Aliança do Pacífico. Ou seja, fizemos um trabalho recente de maior aproximação com outros países da América do Sul. Nós já temos um grupo trabalhando intensamente na questão do ingresso da Bolívia como membro pleno do Mercosul. Nós temos também um grupo que vem tratando dessa questão junto ao Equador. Nós fizemos no último semestre, um trabalho junto a Guiana e Suriname, os dois se associaram ao Mercosul e penso que no futuro poderão também integrar o Mercosul como membros plenos. Ou seja, com isto, com esse acordos de livre comércio que o Mercosul já mantém, sem exceção, com todos os países da América do Sul, nós podemos dizer que para o Mercosul, a América do Sul já é na prática uma área de livre comércio. Porque temos aqui no Mercosul uma união aduaneira entre os membros e acordos com todos os países associados, a exceção obviamente é a Guiana Francesa.
José Cruz/ABr (arquivo: 2005)
Diplomata Ivan Ramalho, alto Representante-Geral do Mercosul, foi um dos principais incentivadores da participação boliviana
OM: O que o Mercosul tem a oferecer para a União Europeia?
IR: Hoje, o Mercosul tem uma população total de 270 milhões de habitantes, portanto, o Mercosul tem hoje um dos maiores mercados consumidores do mundo, isso é muito importante. Tem um PIB de mais U$S 3 trilhões de dólares, isso significa 83% do PIB de toda a América do Sul. Isso considerando apenas os cinco países membros, sem contar com a Bolívia e outros países que hoje estão em um processo de aproximação com o Mercosul. O comércio exterior dos membros plenos do bloco, considerando exportações e importações, se aproxima de U$S 1 trilhão de dólares, ou seja, é um dos maiores players do mundo desde o ponto de vista comercial. E também é, ainda que não tenha números atualizados, uma das regiões que mais atrai investimentos estrangeiros no mundo. No ano passado nós tivemos algo cerca de U$S 84 bilhões. Então nós temos hoje uma situação do ponto de vista comercial e de investimentos, estamos em expansão com ingresso de outros países. E a celebração de novos acordos certamente vai ampliar bastante tanto o comércio do Mercosul com outras regiões, como também a troca de investimentos. Eu vejo, com muito otimismo, que as dificuldades venham a ser superadas e o acordo possa ser concluído.
OM: É possível superar as travas comerciais com relação à agricultura que a União Europeia impõe sobre os produtos do Mercosul, tendo em vista os enormes subsídios ao setor que existem na Europa?
IR: Você coloca bem um ponto que a União Europeia põe sobre a sua agricultura, com mais ênfase em alguns países, mas isso mostra bem que ambos os blocos têm as suas preocupações com determinadores setores. Preocupações defensivas com relação a setores da indústria, serviços, mas isso aí, ainda que tenha peso, os instrumentos de acordo apresentam possibilidades de certo gradualismo que permita não ter um impacto imediato. É perfeitamente possível que o processo de abertura, de redução de tarifas, possa ser distribuído ao longo do tempo, evitando um grande impacto que o acordo possa ter sobre algum setor específico, por exemplo, na área agrícola da União Europeia ou no setor industrial do Mercosul. É possível fazer um escalonamento.
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OM: O setor de compras públicas é outro tema que também está na mesa de negociação. A União Europeia sempre buscou a abertura do mercado de compras públicas do Mercosul. Sem embargo, a Comissão Europeia está analisando neste momento uma reforma no seu sistema de compras públicas. Segundo a nova normativa, os Estados membros da UE poderiam excluir, nas contratações por valor superior a € 5 milhões, as ofertas que possuam mais de 50% de conteúdo local de um país cuja política de compras públicas não outorgue um tratamento “substancialmente” recíproco à UE. Não há um duplo discurso da UE, já que muitas vezes a própria Europa parece ser mais protecionista que o Mercosul?
IR: Esse é um tema muito sensível, todos os países têm a sua legislação de compras públicas e é até natural que os países procurem nas compras públicas privilegiar a produção e fornecimentos locais ou ao menos garantir um limite mínimo. Eu não lhe saberia dizer quais são esses percentuais hoje. Acho que é um tema importante que tem que ser negociado, é possível buscar algum tipo de entendimento, também dentro dessa ideia de gradualismo que é a única maneira. Eu não acredito que exista nenhum tema que não possa ser negociado e encontrado uma solução de consenso, tudo depende das propostas que sejam apresentadas.
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Edifício Mercosul, sede do bloco sul-americano, na capital uruguaia, Montevidéu
OM: A política exterior do governo Lula priorizou a Rodada de Doha em detrimento de acordos bilaterais ou birregionais. O senhor, como participante durante muitos anos do governo Lula, não acredita que o Brasil esperou muito tempo para que a Rodada concluísse e deixou de avançar em alternativas?
IR: Eu sempre achei que essa foi uma posição bastante correta. Porque a Rodada de Doha, o acordo multilateral, é muito mais abrangente e de um modo geral ele beneficia a todos, inclusive os países menos desenvolvidos. Então veja, se você tem uma negociação entre grandes blocos integrados por economias mais desenvolvidas e dessa negociação se exclui países menos desenvolvidos (como na atual negociação comercial entre EUA e União Europeia), o que acontece é que sempre existe a possibilidade de produtos de países menos desenvolvidos sejam prejudicados. Um acordo mais abrangente, multilateral, via OMC, é sempre mais justo com os países e regiões menos desenvolvidas, porque todos vão se beneficiar de um processo de redução de impostos, controles e ampliação do comércio mundial.
OM: A crise econômica iniciada em 2008 ajudou ou prejudicou essas negociações da Rodada de Doha?
IR: Não acredito que tenha prejudicado. Acho que a crise em alguma circunstância provocou uma preocupação e aplicação de medidas mais defensivas, porque é natural. A crise faz com que algumas economias fiquem mais vulneráveis e elas então se vejam obrigadas a tomar algumas medidas, preocupadas evidentemente com a questão cambial. Mas eu acredito que isso já está superado.
O comércio mundial já voltou a crescer, ainda que em bases relativamente modestas, o comércio está crescendo 2% a 3% ao ano. Alguns países conseguem crescimentos mais expressivos, mas de um modo geral, eu não acredito que ainda haja reflexos da crise mundial de 2008 sobre o comércio mundial hoje, já passou bastante tempo, acho que isso não acontece mais. Existem evidentemente algumas situações, vamos tomar o caso do Brasil, por exemplo, o país no ano passado ainda registrou alguma queda no seu comércio, nas suas exportações, com a União Europeia, ainda em função da crise da própria UE. Mas dizer que isso é reflexo de 2008, já não acredito que isso seria correto. Para o Mercosul houve crescimento, de um modo geral, mesmo entre os principais parceiros, Brasil e Argentina.
OM: As nossas políticas econômicas de resposta a essa crise foram mais acertadas?
IR: Não, acho que o comércio tem crescido mesmo no âmbito da América do Sul, e particularmente no Mercosul, como resultado do acordo [de integração regional]. O acordo faz isso. O estar livre do pagamento de impostos, taxas aduaneiras, impostos de importação, etc, inegavelmente é um estímulo muito grande tanto para o comércio como para o investimento. Hoje, qualquer investidor que venha para o Mercosul, seja para um país menor ou maior, estará de olho no mercado ampliado do Mercosul para o qual ele poderá exportar e alcançar um mercado consumidor de 270 milhões de habitantes.
Quer dizer que o fato de você produzir hoje no Brasil, você poderá exportar para outros países do Mercosul, livre do imposto de importação. Isso é uma vantagem competitiva muito grande. Por exemplo, se você produz aqui no Uruguai um vestuário, o importador brasileiro que queira trazer esse vestuário não pagará impostos sobre a importação. O mesmo importador brasileiro que queira importar o vestuário chinês pagará uma tarifa externa comum de 35%. Isso sem contar com os impostos internos de cada país, que tem um efeito cascada sobre esses 35%. Então, evidentemente, o acordo dá uma condição de competitividade para o produtor local exportar aos demais países da região bastante grande, em comparação com os produtos que vem de fora do bloco. Hoje, mais de 90% do comércio intra-zona, que em 2012, chegou a U$S 60 bilhões, são livres de tarifas aduaneiras, de impostos de importação, com exceção dos impostos internos de cada país.