Com a previsão de alcançar uma população de 1,4 bilhão de habitantes até o final de 2015, a China bate não só o recorde de maior população do mundo, mas também o de país que mais emite gases de efeito estufa na atmosfera, contribuindo fortemente para o aquecimento global. Agora, o gigante asiático enfrenta talvez um de seus maiores dilemas. Após a abertura gradual de sua economia, a China precisa escolher se vai continuar a basear seu crescimento em indústrias pesadas de carvão e altamente poluidoras, ou se seguirá rumo a uma transição energética.
Até agora, os sinais indicam que uma mudança está em curso. Pelo menos, é o que pensa o cientista chinês Kejun Jiang, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Energética em Pequim.
O pesquisador conversou com Opera Mundi em Paris durante a conferência científica sobre mudanças intitulada “Our Common Future Under Climate Change” (Nosso futuro comum em meio às mudanças climáticas). No início do mês, entre 7 e 10 de julho, mais de 2 mil pesquisadores de mudanças climáticas se reuniram na sede da Unesco (Organização da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura) em evento prévio à COP-21 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), que ocorrerá no mês de dezembro, em Paris, e cujo grande desafio é fazer com que a ciência seja ouvida no processo de negociação entre os países frente a um acordo global que vise a estabelecer metas a partir de 2020 para evitar o aumento da temperatura de 2°C até o fim do século.
Na opinião de Jiang, a China tem um grande papel a cumprir neste acordo global, sendo que os primeiros passos já foram dados no final de 2014 com o acordo climático — considerado como “histórico” — firmado com os Estados Unidos. No último dia 30 de junho, a China formalizou seus INDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, na sigla em inglês), ou seja, o país dá sinais de disposição em agir para evitar que o aquecimento global atinja os 4°C até o fim do século — um cenário catastrófico para o planeta, segundo cientistas.
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Jiang é membro do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), órgão da ONU que discute questões sobre o clima. Participou não só do grupo de trabalho do terceiro relatório do IPCC, como também foi um dos líderes do quarto relatório. Jiang fez pós-doutorado em engenharia social no Instituto de Tecnologia de Tóquio e suas mais recentes pesquisas buscam elaborar cenários de emissões chinesas e de transição energética para 2030 e de baixa emissão de carbono até 2050, além de analisar o potencial das metas chinesas em clima. O pesquisador também integrou o comitê científico da conferência pré-COP-21 em Paris.
“O pico das emissões da China ocorrerá antes de 2030, posso dizer que será em 2025”, anuncia. Outra perspectiva, sobre a qual Jiang diz estar convencido, é de que a China, em 15 anos, será capaz de alcançar o patamar de uma chamada “economia descarbonizada”.
O caminho será longo para promover a tão desejada transição energética: em 2014 a matriz energética chinesa era 66% baseada no carvão — a meta é reduzir essa porcentagem para 55% até 2020. O desafio deste século será também criar empregos de baixo carbono, mas de alta qualificação. “O futuro será de mais serviços que emitam menos carbono”, diz.
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Leia abaixo a entrevista exclusiva com o pesquisador chinês Kejun Jiang:
Opera Mundi: É possível descarbonizar a China?
Kejun Jiang: Estou convencido de que podemos descarbonizar sim. Desde 2005, o governo começou a investir em mais ações e práticas de menos carbono. Hoje, ainda temos uma qualidade do ar muito ruim, muitas unidades fabris ainda são pesadas em emissão de carbono. Se investirmos em infraestruturas mais eficientes e com menos carbono, em 15 anos acho que conseguiremos alcançar um estágio de uma economia descarbonizada.
OM: O que significa descabarnoizar uma economia, especialmente no caso chinês?
KJ: Uma economia descarbonizada significa que queremos focar em setores que utilizem menos carbono e que contribuam bastante para o crescimento econômico. O futuro será de mais serviços que emitam menos carbono, este é o primeiro fator quando pensamos em uma China descarbonizada. Em segundo lugar, vem a eficiência. A China começou a investir em 2005 em um plano de eficiência, não só energética mas também em mobilidade e em produtos que sejam mais eficientes e menos emissores. Os padrões de eficiência estão bem melhores hoje em dia com políticas públicas para promover energias renováveis. Em 2014, a China respondeu por 25% da fatia mundial em energia renováveis não hídricas. Se incluirmos as hídricas, somam mais de 30% da fatia global
OM: Mas a China ainda tem sua matriz energética baseada no carvão…
KJ: Em 2014, 66% da geração energética na China foi movida a carvão. No passado, o carvão já representou 72%. O petróleo representa 15% da nossa geração energética e o resto é de renováveis. Para 2020, queremos reduzir para 55% a proporção do carvão. A longo prazo, a tendência é cair ainda mais a participação do carvão na nossa matriz energética, mas temos que promover uma transformação, pois à medida que a participação do carvão como recurso energético está diminuindo, a geração de emprego nesta indústria também caiu e o grande desafio é reempregar os funcionários que estão ficando desempregados. Muitos têm feito protestos contra o governo. O problema é que a grande maioria de desempregados da indústria do carvão é de baixa qualificação, enquanto as indústrias de renováveis exigem alta qualificação. Não é tão fácil assim substituir um tipo de emprego pelo outro. Temos que pensar num melhor caminho para planejar esta transição.
Outro ponto que a China está obtendo destaque se refere ao armazenamento ou sequestro de carbono. Até agora estamos confiantes que, até 2030, a China irá conseguir contribuir para o sequestro de carbono, uma grande virada em termos de emissões.
OM: A China também elaborou um plano de política ambiental. Em que consiste?
KJ: Sim é um programa de controle de poluição do ar. O nível de poluição do ar na China é péssimo. Em 2012, tivemos um grande debate público e, no ano seguinte, o governo estabeleceu um plano quinquenal até 2017 com metas para a qualidade do ar. Em Pequim, há uma meta para melhorar em 25% a qualidade do ar até 2017. Para alcançar essa meta, será preciso implementar muitas políticas, uma delas será a de controlar o uso do combustíveis fósseis que também contribuem para emissões de CO2.
OM: No final de junho, o país anunciou os INDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, em inglês). Qual é o papel de China na construção de um acordo climático melhor na COP-21 em Paris no fim do ano?
KJ: Como pesquisador, estou bastante atento aos compromissos que a China anuncia. Penso que os cientistas devem contribuir para apoiar o processo de elaboração de políticas para frear as mudanças climáticas. Espero realmente que a China desempenhe um papel significativo no processo de negociação na COP-21 em Paris em busca de um novo protocolo. Até agora, o que a China anunciou com seus INDCs já é um sinal que me deixa mais confiante. Esta foi a primeira vez que o país assumiu compromissos políticos para apoiar a meta de não aquecimento de até 2°C.
Pelo menos, a nível político, as autoridades concordaram que querem ajudar a manter este patamar de aumento da temperatura até o fim do século, o que já foi um primeiro passo. Como pesquisador e parte da comunidade científica, sempre queremos fazer mais pela nossa população e ajudar o governo a reduzir as emissões de carbono antes de 2025. Posso dizer que pico das emissões será antes de 2030.
Fabíola Ortiz/Opera Mundi
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OM: Existe ainda um descompasso entre a ciência e os tomadores de decisões políticas?
KJ: Algo interessante está acontecendo no país. O presidente Hu Jintao (2002-2012) foi o primeiro líder que anunciou o interesse em conduzir o desenvolvimento da China baseado na ciência. Foram muitas as vezes que pediu aos cientistas considerações sobre como poderia fazer em determinadas políticas. Atualmente, grande parte do processo de decisão política está baseado em pesquisa. Eles [autoridades] têm que nos ouvir. Se o governo quer definir uma meta, um número, precisará de dados quantitativos e, por isso, terá que chamar uma equipe de especialistas para perguntar o que os pesquisadores pensam. Tudo o que realizamos ajuda a fazer com que políticas públicas aconteçam. Trabalhamos junto com as autoridades que as desenvolvem.
OM: A China pretende descarbonizar sua economia, mas, ao mesmo tempo, está investindo massivamente ainda em obras de infraestrutura poluentes em países africanos e latinoamericanos. Este parece ser um conflito, não acha?
KJ: Na nossa perspectiva, os investimentos chineses fora da China devem ser de emissão de baixo carbono e de proteção ambiental. Este, porém, é um processo novo. A China quer participar do mercado global, mas ainda somos novos. Estamos aprendendo a fazer investimentos ambientalmente mais amigáveis. Qualquer investimento que se preocupe apenas com o dinheiro e o lucro, vai acabar perdendo dinheiro. Isso é um grande erro. A China está reduzindo sua indústria pesada e, com isso, também está diminuindo muito a demanda de matéria-prima. Estamos diminuindo a importação de matéria-prima do Brasil, por exemplo, porque a demanda doméstica enfraqueceu.
A China estava muito preocupada em conseguir recursos e matéria-prima e, por isso, investiu muito na África e América Latina. A partir de agora, já não é mais um país que dependerá de recursos naturais, não vai mais querer depender da importação de petróleo do Oriente Médio, não queremos usar o carvão da Indonésia ou talvez não mais o aço do Brasil. A perspectiva está mudando, será direcionada para os setores de manufatura e serviços. Isso está acontecendo rapidamente. As previsões de demanda da China em aço, alumínio e cobre eram altas e agora não são mais tanto.
A questão é como fazer investimentos fora do país. Isso leva tempo para aprender e saber fazer de uma forma ambientalmente correta. Realmente penso que estes investimentos externos poderiam ajudar a fomentar o desenvolvimento econômico na África e América Latina. Acho que a China não vai demorar mais de 10 anos para aprender. Temos primeiro que fazer uma política correta, seguir princípios para estes investimentos como serem de baixo carbono. Não podemos levar a indústria suja para outro lugar. A China pode desempenhar um papel importante, no qual seus investimentos ajudem a melhorar a vida de comunidades locais.