Se depender das propostas que os países apresentaram até agora para reduzir as emissões dos gases estufa responsáveis pelo aquecimento global, o objetivo de estabilizar o aumento da temperatura em 2°C até o final do século vai ficar cada vez mais difícil de atingir. “Digamos que temos 50% de chances de conseguir esta meta ambiciosa”, avalia Hervé Le Treut, diretor do Instituto Pierre Simon Laplace em Paris em entrevista a Opera Mundi no Rio de Janeiro, onde o especialista francês ministrou uma conferência na última segunda-feira (31/08).
O evento faz parte de uma “Caravana do clima no Brasil”, organizada pela Embaixada da França no país, como forma de preparação para COP-21 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas). A conferência, que ocorrerá em Paris entre os dias 30 de novembro e 11 de dezembro, tem o objetivo de concluir um acordo histórico contra o aquecimento global.
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Lamia Oualalou/Opera Mundi
Hervé Le Treut, diretor do Instituto Simon Laplace, atua como porta-voz da França, em questões climáticas
Os 195 países convidados têm até 1° de outubro para entregar seus compromissos com a redução das INDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida, na sigla em inglês) à Convenção do Clima. Até sexta-feira (28/08), apenas 56 países, responsáveis por quase 70% das emissões do planeta, haviam apresentado suas propostas. Vários, entre os quais o Brasil, ainda não anunciaram seus INDCs. “Por isso, ainda não podemos concluir nada sobre as metas globais”, ameniza Hervé Le Treut.
A tarefa do especialista do clima não é simples. Como cientista, ele deve alertar a sociedade civil mundo afora sobre as ameaças para a humanidade e a biodiversidade. No entanto, como porta-voz do país que vai sediar a conferência em dezembro, ele deve falar com cautela. “Não dá para xingar todo mundo antes mesmo do encontro acontecer”, ironiza.
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Conhecido por seus trabalhos sobre o efeito estufa adicional ligado às atividades humanas, Le Treut aponta que o objetivo da ONU de não deixar a temperatura superar 2°C em comparação com a era pré-industrial “é uma meta simbólica que não significa a segurança total em relação às mudanças climáticas”. Um aumento acima de 2°C, porém, é garantia de consequências catastróficas para o planeta, assegura. Segundo as Naçõse Unidas, desde o ano 2000 as perdas associadas a desastres naturais foram de US$ 2,5 trilhões. Esses eventos são cada vez mais atribuídos ao aquecimento do planeta.
EUA, China e Brasil
Para Le Treut, a conferência de Paris deve, além dos números, demonstrar uma inflexão positiva, uma virada em relação à luta contra o aquecimento global. Em agosto, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, apresentou o Plano de Energia Limpa, o mais ambicioso da história do país. O programa exige, entre outras coisas, que as usinas termelétricas reduzam em 32% suas emissões até 2030, em relação aos níveis medidos em 2005. Elas têm também como obrigação acelerar a transição para energias renováveis.
“Claro que não é suficiente, mas é a primeira vez que os EUA aceitam a ideia de um compromisso”, ressalta o cientista francês. Ele lembra que, com o tamanho da malha rodoviária do país, e suas particularidades políticas — com o Partido Republicano contrário a qualquer tipo de esforço —, a aposta de Obama já é um passo importante.
Fabíola Ortiz/Opera Mundi
COP-21 será realizada em Paris entre os dias 30 de novembro e 11 de dezembro
Mesma avaliação para a China. O gigante continua produzindo sozinho a quantidade total de carbono que o planeta deveria emitir para conseguir estabilizar a temperatura. O maior poluidor mundial acabou de indicar que vai alcançar seu pico de emissões em 2025, sem trazer nenhum indicativo numérico de quanto vai ser isso. “Também é longe de ser satisfatório, mas antes disso, eles nem queriam ouvir falar de um pico de emissões”.
A situação do Brasil e dos países emergentes em geral ainda é diferente. “Eles entendem que os paises ricos têm uma dívida, já que poluíram muito mais no passado. Precisamos, porém, encontrar uma maneira de integrar essa frustração com objetivos positivos”, aponta o pesquisador. Até agora, Brasília sinalizou que até 2030 pretende zerar o desmatamento ilegal, recuperar 12 milhões de hectares de florestas desmatadas e elevar a participação das energias renováveis no total gerado no país — exceção feita à fonte hidrelétrica — de 28% para 33%.
Evitar fracasso de Copenhague
Focar o esforço apenas sobre a redução do desmatamento não é suficiente, ressalta Hervé Le Treut. “São medidas positivas, mas isso não poupa todos os países da necessidade de reduzir rapidamente as emissões de carbono, o que implica em mudanças drásticas no modo de viver, em relação à moradia, ao transporte, à produção de energia”, diz o especialista.
As semanas que antecedem a reunião mundial em Paris são cruciais para evitar repetir o fracasso da conferência de Copenhague, em dezembro de 2009, quando os representantes das delegações de mais de 190 paises deixaram a capital dinamarquesa com uma carta de intenção sem nenhum objetivo. “Acho que a reunião não foi preparada direito, se achava que o fato de colocar todos os líderes juntos era suficiente para eles percebessem a gravidade da situação e a necessidade de assumir compromissos”, avalia Le Treut. Ele assegura que as autoridades francesas tentaram evitar este clima de “vai dar tudo certo”.
“Em Paris, temos que ter um papel, com números claros, assinados por todos, mas temos, sobretudo, que sair da conferência com a ideia que ele é sô o primeiro passo, e que vamos ter que melhorar sempre nossos objetivos nos próximos anos”, torce o cientista.
A curto prazo, a convenção tem outro problema: a ONU advertiu nesta segunda-feira (31/08) que não há dinheiro suficiente para organizar a próxima sessão de negociações, em outubro, sobre as mudanças climáticas, nem para a grande conferência de Paris no fim do ano. “Lamento informá-los que temos um déficit de 1,2 milhão de euros apenas para cobrir as sessões previstas no calendário”, disse Christiana Figueres, secretária da ONU para o Clima, na abertura da penúltima sessão de negociações em Bonn (Alemanha). Ela pediu: “Todos os países que possam contribuir, que o façam”.