A indústria automobilística – tanto no Brasil quanto no exterior – é um grande painel dos efeitos que o processo de globalização mundial e o conseqüente fortalecimento do fluxo rápido de capital têm trazido. Se olharmos para esse aspecto, pode ser mais fácil compreender o porquê da dificuldade de restabelecimento deste setor neste período de crise.
Só que será preciso uma compreensão anterior, datada dos tempos em que Henry Ford, no início do século passado, propunha um modelo focado nas linhas de produção, com fabricação em larga escala, exigindo enormes investimentos, grandes instalações e vendas em volume expressivo para ser viável economicamente. Assim, quando tratamos da indústria automobilística, falamos de um setor que emergiu com força em um período em que tudo isso era possível. É claro que esses processos se aprimoraram, adaptaram-se às formas globais de produção e suplantaram o modelo de Ford, mas a base de sustentação disso tudo ainda é o consumo, diferentemente do que ocorre em outros setores da economia.
E essa indústria apresenta uma extrema sensibilidade às variações de consumo. Isso porque a compra de um carro, em geral, é uma decisão facilmente adiável por alguns meses ou até alguns anos, o que significa retração quase imediata nas vendas, se não houver o apelo do crédito fácil. A questão é que, se o consumidor não vai às concessionárias, toda a vasta cadeia que depende deste movimento das vendas também se retrai. E esse movimento ganha ainda mais força quando pensamos no atual cenário, em que os pátios das montadoras estavam cheios de carros novos porque a expectativa era de continuidade das vendas em alta.
Sem a garantia do consumo, têm se espalhado pelo mundo os pedidos de ajuda aos governos por parte das empresas. Nos Estados Unidos, as três maiores montadoras (Ford, General Motors e Chrysler) demitiram cerca de 5 mil funcionários e pedem ao governo mais de 30 bilhões de dólares para evitar falência. A crise atinge também a indústria automobilística da Alemanha, um dos pilares da economia do país. Tanto a produção quanto as exportações de carros caíram 22% em dezembro. Com isso, o governo alemão começa também a traçar planos para a retomada da atividade.
No Reino Unido, recentemente, o ministro de Negócios e Empresas, Peter Mandelson, admitiu que o governo contempla a possibilidade de ajudar a indústria automobilística. O governo português já anunciou a liberação de 900 milhões de euros para fortalecer o setor automobilístico local. A verba está atrelada a um plano que visa a dar condições para serem criados mais 10 mil empregos e incentivar a oferta de linhas de crédito.
Cenário semelhante se repete no Japão. Os emplacamentos de veículos novos tiveram queda de 6,5% em 2008 e a montadora Toyota suspendeu temporariamente a produção em 11 de suas 12 fábricas no país para responder à redução da demanda. A China também aprovou um plano de estímulo que prevê a diminuição de impostos de 10% a 15% na compra de veículos novos com motores de cilindrada igual ou inferior a 1.6.
No Brasil, a compra de carros teve boa resposta diante dos incentivos fiscais, mas não se sabe se o bom desempenho das vendas será mantido depois de março, quando termina o benefício da isenção de IPI (Imposto sobre Produção Industrial) para a venda de carros novos. A tendência é de que o consumo tenha redução diante do aumento do desemprego – só em dezembro foram cortadas 650 mil vagas no Brasil – e enquanto as facilidades de crédito não atingirem o mercado de automóveis de segunda mão, que sofreu bastante com a redução de vendas e a alta desvalorização dos carros.
O setor automobilístico brasileiro vinha registrando seguidos recordes de vendas até setembro, mas foi atropelado pela crise internacional de crédito e encerrou o ano com pátios abarrotados de carros. Daí as montadoras começarem a anunciar novas medidas para reduzir a produção, além das férias coletivas dadas no fim do ano. Nesta toada, a indústria automobilística brasileira, que projetava um crescimento de 5% a 10% nas vendas este ano, já se contenta se os negócios apenas empatarem com o resultado de 2008, segundo informação do jornal O Estado de S. Paulo.
Assim, ainda que haja incentivo do governo para a recuperação do setor – como o adotado com a iniciativa de redução do IPI –, somente isso não bastará para que as vendas de carros retomem o bom desempenho verificado nos últimos seis anos. É neste contexto, especialmente focado na necessidade de manter o consumo aquecido, que fazem coro empresários e trabalhadores – e não só do setor automobilístico – para pedir redução de juros para incentivar o aquecimento da atividade econômica. A propósito: há poucas décadas, quem poderia imaginar que as centrais sindicais iriam organizar manifestações para pedir corte na Selic, a taxa básica de juro, como as que estão previstas para esta semana?
* Cláudia Bredarioli é jornalista, mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM, doutoranda pela ECA-USP e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie no curso de Jornalismo
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