Embora os indígenas sejam a grande maioria da população da Bolívia, sua relação com Evo Morales, o primeiro presidente indígena do país, está longe de ser simples, muito menos em época de eleições.
Um exemplo claro foi um ato de campanha na cidade de Achacachi, em 29 de agosto, no qual Morales foi aclamado como candidato presidencial da nação aymara, que representa 22% da população, para as eleições gerais de 6 de dezembro.
No discurso, o presidente boliviano convocou dirigentes indígenas históricos, hoje distanciados do governo, a unir-se à campanha. Morales se referiu particularmente a Román Loayza, com quem fundou o Movimento para o Socialismo há 15 anos e que hoje é candidato da oposição à presidência.
Evo também citou Felipe Quispe, o Mallku, histórico dirigente aymara que foi guerrilheiro e deputado, convidando-o a trabalhar com ele porque “lutamos juntos, caminhamos juntos para mudar a Bolívia”.
Quispe anunciou que pensaria na proposta, mas recusou a oferta dois dias depois, acusando Morales de governar ajudado e aconselhado apenas por brancos. Um comunicado de seu partido, o Movimento Indígena Pachakuti, foi ainda mais longe, atacando as políticas do presidente e qualificando-o de “traidor” da causa indígena.
Abraham Delgado, líder dos Jovens Indianistas-Kataristas na cidade de El Alto, disse ao Opera Mundi que, embora Evo Morales só se aproxime mais dos povos indígenas quando há processos eleitorais, os movimentos indígenas por enquanto não têm uma alternativa ao projeto do presidente. “Neste momento, é crucial ficar ao seu lado. Não temos opção”, afirmou. “É preciso apoiá-lo, pois sua reeleição nos permitirá avançar de alguma maneira”, diz Delgado.
Segundo ele, Evo tem consolidado um discurso cada vez mais voltado aos indígenas, “sobretudo por causa das pressões da direita, que se nega a aceitar o governo de um índio. O presidente parece finalmente ter assumido sua condição depois de tantos ataques vindos de Santa Cruz”.
Posição parecida tem o prefeito de Achacachi, Eugenio Rojas Apaza, que foi eleito em 2004 apoiado pelo partido de Felipe Quispe, mas vem mantendo uma relação mais próxima com o governo.
Rojas Apaza explicou ao Opera Mundi que o apoio a Morales não é simplesmente uma aliança eleitoral. “O povo de Achacahi, de toda a região, percebe como a chamada classe alta de Santa Cruz ataca os índios, particularmente os de Achacachi. Isso ofende as pessoas, que se perguntam: para onde irão sem Evo? Por isso, elas apoiam sua candidatura”.
Apesar de ter organizado o evento de 29 de agosto, o prefeito Rojas explica não há subordinação a Evo Morales, “porque as pessoas vão e vêm. Além disso, não concordamos totalmente com o governo, como no tema das autonomias indígenas. Mas existe, sim, algo de bom na nova Constituição e vamos defendê-la com nossos votos”.
A última pesquisa realizada pelo instituto Gallup, há duas semanas, previu que Evo venceria as eleições sem dificuldade, com 57,7% dos votos, mas seus candidatos não conseguiriam dois terços da Assembleia Legislativa Plurinacional (o Congresso), a fim de promover sem obstáculos a reforma do Estado.
Assim, a recusa pode ter relevância, já que os indígenas terão sete cadeiras especiais (cerca de 5% dos congressistas), além de concorrer com candidatos na maioria das circunscrições nominais, tanto no partido oficial quanto nas várias frentes de oposição, nas quais há, certamente, pelo menos três candidatos presidenciais de origem indígena.
Luis Gómez é jornalista.
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