Em 3 de junho, a 39ª Assembleia Geral da OEA (Organização dos Estados Americanos) em Honduras revogou a resolução de 1962 que expulsou Cuba da entidade, abrindo espaço para a sua reintegração. Paradoxalmente, um mês depois, Honduras é suspensa da OEA, que aplica a carta democrática em resposta ao golpe de Estado contra o presidente eleito, Manuel Zelaya.
Nas duas oportunidades, o governo Obama acompanhou as decisões da organização. No caso de Honduras, reconhece Zelaya como única autoridade, patrocinando a mediação do presidente da Costa Rica, Oscar Arias. Essa postura, por motivos opostos, recebe críticas do governo da Venezuela e de setores do Partido Republicano.
Para Hugo Chávez, a mediação de Arias representa a legitimação dos golpistas como parte reconhecida. O mandatário venezuelano denuncia a atuação de ex-funcionários da administração Bush, especialmente Otto Reich, subsecretário para Assuntos do Hemisfério Ocidental na época do golpe que sofreu, em 2002, de manter um litígio legal com Zelaya, a quem acusou de promover a corrupção na companhia oficial de telecomunicações, Hondutel.
Em depoimento no Comitê de Relações Exteriores do Congresso, Reich nega que tenha havido um golpe e exorta a não condenar os hondurenhos por defenderem os seus direitos, já que existem interesses maiores em jogo, que ele associa a uma disputa de alcance hemisférico com o “expansionismo venezuelano”.
Embora a partir de pontos de vista divergentes, as posições expressas por Chávez, Reich e Obama colocam em evidência a mesma preocupação estratégica: para além da defesa da democracia, o desfecho da disputa política em Honduras será um indicador de tendências na influência regional de Estados Unidos e Venezuela.
Dessa perspectiva, a crítica de Chávez à negociação mediada por Arias reflete a contrariedade com a possível derrota de um aliado, posicionando-se pela saída incondicional dos golpistas.
A exortação de Reich em favor do novo governo expressa a lógica da racionalidade dos fins, independentemente dos meios, colocando em primeiro plano o retorno ao status quo anterior a Zelaya, mesmo que isto signifique ir de encontro à comunidade internacional que repudiou o golpe.
Obama prioriza a construção de consensos em favor da legalidade e da moderação, com o respaldo da OEA, patrocinando uma solução negociada, cujo desfecho tende a beneficiar os interesses nacionais reivindicados por Reich e outros setores republicanos.
Solução convergente
O plano de Arias – que inclui entre os pontos principais a restituição imediata do presidente eleito, sua desistência da mudança da constituição e governo de unidade – sinaliza para uma solução convergente com os objetivos estratégicos estadunidenses.
Além de tornar-se pauta comum da maioria dos membros da OEA, a concretização da proposta costa-riquense tende a favorecer a consolidação da correlação de forças sociais e políticas que controla o Estado hondurenho.
Reassumindo a presidência, impossibilitado de se postular à reeleição e isolado no seu partido de origem, Zelaya teria de articular uma candidatura alternativa, com tempo e meios escassos para enfrentar o bloco coeso da ordem tradicional.
No entanto, a perspectiva do governo de facto tem sido a de rejeitar a hipótese de devolução do cargo ao antigo mandatário, mantendo as eleições previstas para novembro, mesmo enfrentando o posicionamento dos demais países do continente de não reconhecimento do eventual vencedor do pleito.
Frente ao impasse colocado por essa postura, o retorno clandestino de Zelaya e sua acolhida pela Embaixada do Brasil em Tegucigalpa dão à crise novos contornos. A negativa do ministro Celso Amorim da existência de um plano previamente acordado com seu governo não elimina questões maiores colocadas pela iniciativa arriscada do presidente deposto: a escolha da representação brasileira como local de refúgio e de operação política e o rápido aceno de Washington em favor da retomada das negociações revelam coincidências sobre as responsabilidades que esses dois países passam a dividir na resolução do conflito, limitando os espaços de intervenção de outros atores, especialmente a Venezuela.
No caso hondurenho, caberá aguardar pela resposta do governo de facto, que até o momento demonstrou firmeza na defesa dos seus objetivos, respondendo a uma convicção arraigada nas elites tradicionais sobre a legitimidade do seu poder, sem aparentar preocupação com o aprofundamento do impasse.
No âmbito hemisférico, podemos estar assistindo à cristalização de uma interlocução privilegiada entre Estados Unidos e Brasil na abordagem de situações conflituosas que tendam a desbordar a capacidade decisória das organizações regionais.
Luis Fernando Ayerbe é coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI), da Unesp
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