A decisão de reduzir a pena de Antonio Guerrero de prisão perpétua para 22 anos, tomada por um tribunal de Miami no dia 13 de outubro, é o capítulo mais recente de uma batalha legal para libertar um grupo de homens conhecidos como “Os Cinco Cubanos”. Praticamente anônimos nos Estados Unidos, mas celebridades em sua Cuba natal, sua condenação simboliza a abalada relação entre os dois países.
A comutação da pena é resultado de uma decisão adotada no ano passado pela Corte Federal de Apelações do 11º Circuito, determinando que o tribunal de Miami que realizou o julgamento original pode ter errado ao impor as sentenças de três dos cinco presos. A audiência ocorreu num momento em que muitos cubanos e americanos cultivam grandes esperanças de melhora das relações diplomáticas entre suas nações.
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O caso dos Cinco Cubanos é indissociável do atual impasse entre Havana e Washington. No início dos anos 1990, o governo cubano enviou aos EUA um grupo de homens conhecido como Rede Vespa para se infiltrar em organizações anticastristas que operavam em Miami com aparente impunidade desde a década de 1960. Depois que essas organizações anticastristas orquestraram os ataques a bomba contra hotéis cubanos e o abate de um avião de passageiros cubano perto de Barbados em 1976, Havana decidiu lançar ações secretas, acreditando que os EUA não estavam interessados em ajudar a evitar novos atentados.
Um dos alvos da Rede Vespa eram os Irmãos para o Resgate (que usam as siglas BTTR, em inglês, e HAR, em espanhol). Este grupo foi formado por exilados cubanos e tinha como objetivo inicial resgatar balseiros que saíam de seu país, mas mudou de foco depois que uma nova política de imigração dos EUA determinou a devolução dos resgatados a Cuba. O grupo começou então a fretar aviões para lançar panfletos anticastristas sobre Cuba, realizando repetidas incursões ilegais no espaço aéreo cubano. As autoridades cubanas fizeram inúmeras reclamações às autoridades de aviação dos EUA, mas isso não impediu os voos.
Em 24 de fevereiro de 1996, dois aviões do BTTR foram derrubados pela Força Aérea cubana, com a morte dos quatro pilotos a bordo. As mortes provocaram indignação nos EUA e motivaram diretamente o reforço do embargo americano a Cuba por meio da controvertida Lei Helms-Burton.
A campanha de repressão subsequente também resultou na prisão, em 1998, de Antonio Guerrero, Gerardo Hernández, Ramón Labañino, Fernando González e René González. Em junho de 2001, depois de um julgamento de sete meses em Miami, os cinco foram declarados culpados de uma série de crimes envolvendo espionagem. Gerardo Hernández também foi culpado de conspiração para cometer assassinato por ter supostamente passado ao governo cubano dados de voo que permitiram o ataque aos dois aviões do BTTR. O grupo recebeu sentenças variadas – desde 15 anos de prisão para René González até duas penas consecutivas de prisão perpétua para Gerardo Hernández.
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O caso original não foi livre de controvérsias. Para começar, os advogados de defesa contestaram com veemência a decisão de realizar o julgamento em Miami. Eles argumentaram que seria impossível ter um processo objetivo com um júri imparcial na cidade americana com a mais alta concentração de exilados cubanos. O julgamento não só ocorreu contra o pano de fundo das mortes do BTTR, que haviam inflamado a comunidade de exilados cubanos, como também começou apenas oito meses depois de o FBI ter tomado Elián González dos braços de seus parentes em Miami, no desfecho de uma inflamada batalha internacional pela guarda do garoto.
Apesar desse contexto, o pedido de mudança de jurisdição foi negado pela juíza Joan Lenard e o julgamento ocorreu mesmo em Miami. Mais tarde, o Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU concluiu que “o julgamento não ocorreu no clima de imparcialidade necessário”. De fato, em agosto de 2005, uma corte federal de apelações de Atlanta anulou as condenações e ordenou um novo julgamento, argumentando que a publicidade anterior ao julgamento e a hostilidade generalizada ao governo cubano na área de Miami haviam impossibilitado um processo justo para os cinco homens. No entanto, o governo dos EUA apelou da decisão com sucesso e as condenações foram restauradas.
A natureza das acusações e a duração das penas também são motivo de preocupação. Embora tenha se concentrado na espionagem, a promotoria também explorou muitos outros crimes menores, como “posse de documentos de identidade fraudulentos” e “fazer uma falsa declaração em um pedido de passaporte”, permitindo que eles fossem condenados a penas mais longas.
Desproporção
Para pôr o caso em perspectiva, um julgamento anterior por espionagem realizado em Miami envolveu Mariano Faget, um dos funcionários de mais alto escalão do Serviço de Imigração e Naturalização dos EUA, condenado por revelar informações oficiais confidenciais ao governo cubano. O americano de origem cubana foi condenado a cinco anos de prisão. No caso dos Cinco Cubanos, a pena mais breve foi de 15 anos.
Gerardo Hernández, especificamente, não foi acusado apenas de espionagem, mas também de conspiração para matar. Esta condenação é igualmente controversa, pois ainda se discute se a derrubada dos aviões do BTTR ocorreu em espaço aéreo cubano ou internacional. Por mais lamentáveis que as mortes possam ser, a lei internacional diz que as nações têm o direito de derrubar aeronaves que violam seu espaço aéreo soberano sem autorização. O governo dos EUA alegou que o ataque ocorreu em espaço aéreo internacional e portanto foi ilegal, fato contestado pelos cubanos.
Uma investigação independente da ICAO (sigla em inglês para Organização Internacional de Aviação Civil) concluiu que, embora os dois aviões tenham sido derrubados marginalmente dentro de espaço aéreo internacional, eles “voavam dentro das zonas de perigo MUD-8 e MUD-9 na região de informação de voo de Havana”.
Wayne Smith, ex-chefe do escritório de representação dos EUA em Havana e diretor do projeto para Cuba no Centro de Política Internacional, resume a imprecisão legal da condenação quando comenta que, “a fim de provar que Hernández conspirou para cometer assassinato, ou seja, provocar uma 'morte ilegal', o governo tinha de provar além da dúvida razoável que os conspiradores planejaram que a derrubada ocorresse em espaço aéreo internacional e não sobre Cuba”.
Dúvidas
É, portanto, impensável que a promotoria pudesse provar, além de qualquer dúvida razoável, que Gerardo Hernández era culpado de conspiração para matar. A natureza dúbia da acusação de assassinato é sublinhada pelo fato de que, durante o julgamento, a promotoria tentou derrubá-la, mas o pedido foi negado pela juíza. Jason Frazzano, que trabalhou no caso ao lado do advogado de defesa Leonard Weinglass, afirma que “a juíza original [Lenard] (…) recusou tentativas da promotoria de derrubar as acusações de assassinato. Isto é uma atitude extremamente incomum para um juiz: recusar uma tentativa da promotoria de derrubar uma acusação”.
A natureza questionável das condenações dos Cinco Cubanos é ainda mais reforçada por um exame da alegação original da promotoria de que os homens representavam um perigo para a segurança nacional dos EUA. A ideia de que eles ofereciam grande risco aos Estados Unidos permeou a argumentação da promotoria e, sem dúvida, teve um papel na imposição de sentenças severas.
No entanto, provas trazidas à tona neste ano mostraram que os homens nunca foram uma ameaça à segurança. Neste mês, a procuradora federal assistente Caroline Heck Miller admitiu que não existia nenhuma avaliação de danos à segurança nacional em relação aos cinco homens. O fato de não haver avaliações de danos significa que os Cinco Cubanos nunca representaram uma ameaça à segurança nacional e que, portanto, o governo não pode justificar suas longas penas de prisão.
Direitos humanos
O caso também continua a atrair atenção por causa das questões de direitos humanos envolvidas. De acordo com a ONU, os homens não tiveram acesso a um advogado nos primeiros dois dias de detenção e foram mantidos em confinamento solitário por 17 meses até que seu julgamento começasse. Além disso, a Anistia Internacional acusou o governo dos EUA de agir “contra os padrões de tratamento humano” devido à constante negação de vistos temporários às esposas de dois dos Cinco Cubanos para que elas pudessem visitá-los.
O governo anterior, do presidente George W. Bush, viu-se no meio da controvérsia quando se soube de seu papel no pagamento de jornalistas do Miami Herald para que escrevessem matérias desfavoráveis sobre o governo cubano. O Fundo de Parceria para a Justiça Civil, um grupo de advocacia sem fins lucrativos, está processando o governo dos EUA para obter informações sobre os contratos mantidos com jornalistas baseados em Miami. Acredita-se que muitos jornalistas que cobriram o julgamento dos Cinco Cubanos estavam na folha de pagamento da Casa Branca. Isto aparentemente endossaria alegações anteriores de que a predisposição da mídia influenciou o desfecho do caso.
Infelizmente, o governo Barack Obama parece continuar a linha de atuação de Bush e companhia. Em meados do ano, enquanto a Suprema Corte dos EUA analisava a apelação do caso dos Cinco Cubanos, a procuradora-geral de Obama, Elena Kagan, pediu que a corte se recusasse a ouvir o caso. Ela escreveu que, em relação à derrubada dos aviões do BTTR, “nenhum dos dois havia entrado no espaço aéreo cubano”. Esta afirmação foi feita apesar das claras provas em contrário apontadas pela investigação independente da ICAO. A Suprema Corte acabou cedendo às exigências do governo. Neste mês, o governo dos EUA também foi acusado de resistir à ordem de um juiz sobre a revelação de material confidencial crucial para o caso.
Ironia
Para um governo que prometeu uma mudança de atitude em relação a Cuba, a decisão da administração Obama de bloquear a apelação na Suprema Corte é profundamente desanimadora. Talvez o novo governo não tenha percebido a importância deste caso para os cidadãos cubanos e para as relações EUA-Cuba como um todo. Se Obama quer distanciar suas políticas para Cuba daquelas do governo Bush, uma revisão do caso dos Cinco Cubanos seria um bom começo. Estes homens podem não ser inocentes das acusações iniciais de espionagem, já que admitiram no julgamento que se infiltraram em várias organizações anticastristas a fim de proteger seu país de mais ataques.
No entanto, as acusações adicionais são em grande parte ilegítimas e as sentenças são desproporcionais. Não fosse a politização do caso, os acusados já seriam homens livres há muito tempo. A comutação da pena simplesmente não basta, dado que os homens tiveram negado seu direito a um julgamento justo, para começar, e com base no fato de que a mesma juíza do caso original, Joan Lenard, preside as audiências de comutação na própria jurisdição de Miami. Também é sólido o argumento de que os Cinco Cubanos nunca teriam precisado se infiltrar em organizações anticastristas se Washington houvesse adotado ações adequadas contra os grupos terroristas que operam em Miami.
A ironia da “Guerra ao Terror” da Casa Branca não passa despercebida para o governo de Cuba, que continua a enxergar a parcialidade do tratamento dedicado pelo governo americano aos terroristas: os EUA têm ignorado repetidamente os pedidos de Havana para a extradição de Luis Posada Carriles e Orlando Bosch, suspeitos de promover ataque terroristas mortais contra cidadãos cubanos.
Se o governo Obama realmente busca o progresso em sua política para Cuba, precisa promover um novo julgamento dos Cinco Cubanos, conforme as recomendações da corte de apelações de Atlanta em 2005. Um gesto dessa natureza seria um grande passo para melhorar as relações com Cuba e ajudaria ambos os países no momento em que embarcam na árdua tarefa de reconstruir laços diplomáticos rompidos há 50 anos.
Michael Collins é pesquisador assistente do Programa das Américas do Centro de Política Internacional. Este artigo foi publicado originalmente no website do NACLA.
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