A quinta reunião ministerial sobre agricultura e vida rural nas Américas leva à Jamaica, de 26 a 30 de outubro, as principais autoridades governamentais em temas agrícolas de 34 países do hemisfério, da Argentina ao Canadá.
Esta reunião ocorre em tempos de turbulência. Há pouco mais de um ano, registravam-se picos inéditos no valor dos produtos agropecuários de exportação, o que gerou um forte impulso econômico em muitos países – mas, ao mesmo tempo, elevou os preços dos alimentos. Nos meses seguintes, a situação mudou radicalmente: a crise econômica afetou estes setores, os preços das commodities agrícolas despencaram e as exportações diminuíram. Hoje não se sabe ao certo se os ciclos que afetam os preços dos agroalimentos se aceleraram ou se o que ocorreu foi uma situação excepcional nos mercados mundiais.
Nestas idas e vindas, os pequenos agricultores, como os camponeses dos países andinos e os produtores familiares do Cone Sul, enfrentaram conjunturas exigentes enquanto recebiam pouca ou nenhuma atenção. Em muitos lugares, o estilo de desenvolvimento agrícola voltado para a exportação e a agroindústria, empresarial e de grande escala, faz com que esses pequenos agricultores sejam deslocados e sua rentabilidade diminua, enquanto em outras áreas são relegados a nichos de mercado locais ou regionais, ou mesmo à subsistência.
Ao longo dos últimos anos, o apoio estatal à produção agropecuária diminuiu em quase todos os países e, nos lugares onde persiste, concentra-se na produção empresarial voltada para a exportação. Surge assim uma situação perversa, na qual os pequenos agricultores, em alguns casos, são vistos como grupos tecnológica e socialmente atrasados, que o Estado deveria “modernizar”, e, em outros, são aceitos com resignação como uma carga social que se deve amparar.
É comum esquecer que este amplo conjunto de atores rurais sob o rótulo de “pequenos agricultores” inclui centenas de milhares de famílias, desempenha papéis fundamentais na segurança alimentar na maioria dos países americanos, mantém e desenvolve tecnologias agropecuárias muito diversas, adaptadas a seus ambientes locais, e guarda um acervo de ricas tradições culturais.
É preciso reconhecer e aproveitar as capacidades destes pequenos agricultores, por exemplo, em suas práticas de produção de baixos insumos, menor uso de maquinaria e derivados de petróleo e adaptações mais adequadas aos ecossistemas locais. Em outras palavras, no caminho para um desenvolvimento futuro, que deve enfrentar as mudanças climáticas e as restrições ambientais, estes pequenos agricultores, em vez de “atrasados”, oferecem práticas de grande valor que, em vários casos, terão de ser aproveitadas.
Portanto, a pequena agricultura não pode ser excluída das discussões ministeriais na Jamaica. Os atuais acordos governamentais, expressados no Plano Agro 2003-2015, assinado em encontros ministeriais na Cidade do Panamá e em Guayaquil (2005), precisam de uma revisão substancial. Expressam outras prioridades, como outorgar um papel forte a uma agricultura apoiada em empresas rurais competitivas, correspondentes a um contexto político que mudou substancialmente em muitos países do hemisfério. Para começar, atendiam ao otimismo econômico pré-crise, típico daqueles anos.
Além disso, os governos chegam à cúpula da Jamaica com o objetivo de revitalizar não só a agricultura, mas também a “vida rural”, um conceito mais amplo do que aquele que pode ser abrangido por uma abordagem meramente agronômica ou comercial. Assim, o papel dos pequenos agricultores deve ter atenção privilegiada nas deliberações dos ministros e no plano de ação que for definido.
Um primeiro aspecto a assinalar é a necessária recuperação do apoio estatal. Isto implica – no caso dos países que, como o Brasil, mantêm programas de subsídio e crédito concentrados essencialmente na agricultura empresarial ou agroindústria – outorgar os mesmos volumes de assistência à agricultura familiar. Nos países onde o apoio estatal despencou, é urgente começar a recuperar os investimentos e subsídios orientados para estes setores. Enquanto, em 1980, 7% do gasto total dos governos da América Latina destinavam-se à agricultura, o índice atual chega a apenas 3%.
Outro aspecto fundamental é apoiar e fortalecer as comunidades locais dedicadas à pequena agricultura. Isto inclui medidas como a garantia de proteção jurídica, o apoio tecnológico e comercial, iniciativas eficazes de acesso à informação e sua participação na definição de políticas públicas.
Estes e outros aspectos indicam que é necessária uma mudança profunda no desenvolvimento rural. Chelston Brathwaite, diretor do IICA (Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura), tem razão ao afirmar que a segurança alimentar exige um “novo modelo de desenvolvimento”. Este novo modelo não é possível sem a participação dos pequenos agricultores.
Os ministros de Agricultura deveriam abordar esta questão, e deveriam fazê-lo em coordenação com as questões da “vida rural”. As atuais discussões sobre o bem-estar em vários países sul-americanos permitem dar uma nova dimensão a esse debate e associá-lo mais diretamente à problemática do desenvolvimento. A agricultura não deve ser vista como uma mera provedora de mercadorias de exportação, e sim como um setor que desempenha papéis muito mais amplos e complexos dentro de cada um dos países.
A atenção à “vida rural” também permite explicitar a importância das mulheres no meio rural. Elas têm papéis decisivos na pequena agricultura e, na maioria das vezes, são elas que suportam o peso da crise, merecendo assim atenção especial.
Por estes e outros caminhos, o encontro ministerial das Américas deve recolocar os pequenos agricultores no centro de um novo estilo de desenvolvimento rural, que não pode ser meramente empresarial ou comercial e deverá nutrir-se de muitas outras dimensões.
*Eduardo Gudynas é pesquisador do CLAES (Centro Latino-Americano de Ecologia Social, Uruguai); Asier Hernando é o responsável por agricultura e recursos naturais da Oxfam na América do Sul; e Oscar Bazoberry Chali é coordenador do IPDRS (Instituto para o Desenvolvimento Rural na América do Sul, Bolívia).
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