A cúpula de chanceleres e ministros da Defesa da Unasul (União de
Nações Sul-Americanas), reunidos em Quito na última sexta-feira (27),
foi menos conflituosa do que muitos previam. Temia-se que a recente
escalada da tensão entre Colômbia e Venezuela, os atritos resultantes
do escândalo de espionagem entre Peru e Chile e a questão das eleições
em Honduras transformassem a reunião em um fórum de profundas divisões,
com consequências fatais para o frágil processo de paz. A duras penas,
evitou-se o pior.
Um dos fatores que ajudaram a desviar de algumas das previsões mais
apocalípticas foi o low-profile das delegações. O fato de somente
estarem presentes os chanceleres de Equador, Brasil, Venezuela e Peru
impediu os confrontos temidos. A ausência da Colômbia, representada
apenas por uma comissão técnica, também teve suas vantagens. Evitou que
a reunião fosse monopolizada pelo vaivém de acusações entre Caracas e
Bogotá.
Não obstante, essa ausência confirmou a tendência que se delineava
desde a Cúpula de Bariloche e, mais ainda, desde a última Cúpula de
Quito. A gradual radicalização brasileira resultante das decepções do
Itamaraty com a política do governo Obama para a América Latina (o
embargo a Cuba, o retorno da Quarta Frota, o golpe em Honduras e as
bases militares na Amazônia colombiana) significa, por sua vez, um
gradual distanciamento entre Brasil e Colômbia – uma realidade que
Venezuela, Bolívia e Equador souberam aproveitar. Na prática, não foi
necessário, que os países da Alba (Alternativa Bolivariana para os
Povos da Nossa América) demonstrassem nem radicalismo exacerbado, nem
intransigência diante das políticas de Bogotá – além da retórica
inflamada do presidente Chávez.
O Equador, desde que assumiu a presidência temporária da Unasul, tem
sido especialmente cuidadoso. Busca, em primeiro lugar, demonstrar
flexibilidade mediante o reatamento das relações diplomáticas com a
Colômbia. Por outro lado, Quito se alinhou sem maiores esforços com a
posição brasileira, um pouco a contragosto, aceitando garantias no
lugar de uma condenação do acordo militar entre colombianos e
norte-americanos. As relações entre Equador e Brasil, depois de um
confronto aberto resultante da expulsão equatoriana da Odebrecht, em
2008, melhoraram notavelmente. Quito tem o cuidado de articular uma
diplomacia dupla: por um lado, sua participação na Alba; por outro, uma
presidência temporária da Unasul bastante pró-brasileira.
A Venezuela tem sido mais radical na denúncia às bases dos EUA na
Colômbia. Porém, em última instância, tanto em Bariloche quanto nas
reuniões em Quito, Caracas soube aderir às propostas dos demais países.
Na sexta-feira, o chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, finalmente
aceitou a posição dos brasileiros. Por isso, murmurava-se nos
corredores que a Colômbia havia conseguido se isolar sem muita ajuda de
seus piores inimigos. Apenas a solidariedade peruana – embora nem
sempre muito entusiasmada – conseguiu diminuir o isolamento da Colômbia.
Em certa medida, os problemas enfrentados pela Unasul também resultam
de seu modelo de tomada de decisões e resoluções, que, como na maioria
dos incipientes eixos de integração, depende de consenso. A vantagem do
sistema é não dividir o bloco no início do processo de integração. Os
12 países se sentem representados por todas as resoluções adotadas pelo
bloco.
A desvantagem, entretanto, é que o sistema confere grande lentidão aos
processos de tomada de decisão. A negociação costuma ser arrastada e as
resoluções acabam cheias de linguagem neutra, até mesmo vazia, na
tentativa de incluir certas posições irreconciliáveis. Além disso, a
unanimidade obrigatória permite que uma minoria de atores se oponha
sistematicamente aos desígnios da maioria. Em alguns casos, isto pode
levar à sabotagem política da integração – o que, dada a histórica
penetração dos Estados Unidos na região, mostra-se problemático.
Por isso foi impossível condenar, por meio da Unasul, o acordo militar
das sete bases dos EUA na Colômbia. Do mesmo modo, a necessária
unanimidade dos votos impossibilita um pronunciamento em bloco sobre o
processo eleitoral hondurenho. Em Quito, a Colômbia e o Peru foram os
únicos a reconhecer a legitimidade das eleições hondurenhas – o que
motivou fortes declarações de repúdio do ministro Celso Amorim.
A Cúpula de Quito permitiu que a Unasul se salve, por enquanto, das
previsões mais pessimistas sobre seu futuro como eixo de integração.
Contudo, a reunião evidenciou com força renovada como a América do Sul
ainda está longe de falar e agir em relativa harmonia. Pode-se falar,
portanto, de administração de danos, mas não de avanço da integração.
*O analista político Guillaume Long escreveu este artigo para o Opera Mundi.
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