Menos de um mês depois de Barack Obama chegar à Casa Branca, seu plano de aumentar as despesas públicas não conseguiu receber apoio de qualquer um dos 177 republicanos na Câmara dos Deputados. Em novembro, veio a reforma da saúde; apenas um membro da oposição votou com a maioria democrata. Em dezembro, a legislação destinada a proteger consumidores de práticas abusivas por parte de companhias de crédito também foi aprovada pela Câmara dos Deputados sem um único apoiador republicano. Em cada ocasião, no entanto, os projetos colocados em votação foram alterados na esperança que o presidente pudesse apresentá-los como bipartidários.
Na reforma das finanças, ninguém pode dizer que a lei que ele eventualmente assinará acontecerá o mesmo. Se menos de 60 dos 100 senadores requererem um voto, as discussões podem ficar indefinidas. Como há 40 senadores republicanos, cada um deles – e todos os democratas refratários – pode exigir um preço alto pelo seu apoio. Um decromacra como Joseph Lieberman (que endossou John McCain, o candidato republicano na eleição de 2008), já impediu a criação de uma opção pública para americanos sem cobertura médica. Empresas privadas de seguro saúde estão entre os principais financiadores do senador Lieberman.
Leia mais:
Obama: um ano em cima do muro (parte 1)
Em 28 de setembro de 2008, quando um pacote de resgate de 700 bilhões de dólares para os bancos aprovado pelo candidato Obama estava sendo discutido, um representante da esquerda, Dennis Kucinich, perguntou: “Este é o Congresso americano ou um conselho de diretores do Goldman Sachs?”. A questão ainda é pertinente, como Obama recentemente julgou necessário assinalar que “Eu não concorri ao cargo para ajudar um grupo de banqueiros gatos gordos em Wall Street”. No entanto, em 2008, Goldman Sachs, Citigroup, JPMorgan, UBS e Morgan Stanley estavam entre seus 20 maiores financiadores de campanha. O jornalista William Greider resumiu a situação: “Os democratas enfrentam um dilema: eles podem servir ao interesse público sem causar desconforto aos banqueiros que ajudaram a financiar suas campanhas?”.
Então os EUA podem ser reformados? O sistema era para ser caracterizado por controles e balanços. Mas na verdade ele consiste em diferentes centros de poder governados pelo dólar. Em 2008, milhões de jovens se lançaram à luta política, contando que, com Obama como presidente, nada seria como foi antes. Mas agora ele também está envolvido em negociatas, compra de voto, bajulação de figuras que ele despreza.
Ele poderia fazer diferente? A personalidade de um único indivíduo não conta para todos que muito lutaram contra a tirania de todo um sistema, especialmente quando a oposição tem se tornado histérica e os movimentos de base se resumem a sindicatos se desintegrando, ativistas negros cooptados pelo executivo e blogueiros que pensam que ativismo pode ser espalhado pelo teclado. Para as coisas tomarem um rumo progressivo nos EUA, é preciso exigir um alinhamento quase perfeito dos planetas. Em comparação, a fim de reduzir enormemente a carga fiscal sobre os ricos, Ronald reagan nunca precisou de maioria no Congresso.
Alguns mal-entendidos poderiam brotar da biografia de Obama. Primeiro, porque tem concentrado todo o fogo e todas as expectativas nele, como indivíduo. E, segundo, porque já se passou um longo tempo desde que o presidente se assemelhava a um adolescente radical descrito em suas memórias – o Obama que assistiu a palestras socialistas, que ficou chocado com o golpe anti-comunista na Indonésia, em 1965, e que trabalhou em Harlem para uma associação ligada a Ralph Nader.
Também não restam vestígios de um ativista afro-americano que “para evitar ser confundido com um carreirista, escolheu [seus] amigos cuidadosamente. Os estudantes negros mais politicamente ativos. Os estudantes estrangeiros. Os chicanos. Os professores marxistas, feministas estruturadas e poetas punk-rock. Nós fumávamos cigarros e usávamos jaquetas de couro. A noite, nos quartos, nós discutíamos neocolonialismo, Franz Fanon, eurocentrismo e patriarcado”.
Para os republicanos, esta jornada é toda a prova que eles precisam para dizer que o homem é perigoso – alheio à cultura individualista dos EUA, indulgente para com os inimigos da liberdade e disposto “a socializar o sistema de saúde norte-americano”. Ativistas democratas estão esperando seu presidente, que os tem decepcionado até agora, coloque em ação políticas mais progressistas o mais breve possível, e que esta é a sua intenção. Os receios de um grupo provocam esperanças em outro. Parafraseando o jornalista Alexander Cockburn, a esquerda que cutuca as contas apresentadas ao Congresso para procurar a menor evidência de mini-vitórias sabe que seus dias estão contados: as eleições legislativas de novembro, que provavelmente darão lugar a um clima econômico desalentador, diminuirá a base democrata.
Estilo paranóico
Fala-se muito sobre Obama. O homem tem assumido um aspecto de semi-deus capaz de domar um leque de forças sociais, instituições e interesses. Essa personalização imatura de poder é também uma característica da França e da Itália, mas o diabo está do outro lado (se somente Berlusconi e Sarkozy fossem cair, a opinião vai, então a esquerda poderia ser salva). Meio século atrás, o historiador norte-americano Richard Hofstadter popularizou a expressão “estilo paranoico” para captar este espírito político. O que ele tinha em mente era o direito de McCarthyite e seus sucessores imediatos, mas ele alegou que o seu tipo ideal encontraria outras aplicações no decorrer do tempo.
Assim, isso tem se comprovado. Hoje, a ascensão do individualismo, a preguiça intelectual, a direção histérica do debate, o papel nocivo da mídia e o declínimo do marxismo tem feito a ilusão generalizada segundo a qual, explicou Hofstadter em 1963, “diferente do restante de nós, o inimigo não é capturado pelo trabalho duro do vasto mecanismo da história, ele próprio é vítima de seu passado, de seus desejos, de suas limitações. Ele é um agente livre, ativo, demoníaco. Ele quer, e muito, fabricar o mecanismo da história ele mesmo, ou desviar o curso normal da história para um caminho mau. Ele faz as crises, começa a corrida aos bancos, causa depressão, fabrica desastres e então desfruta os lucros vindos da miséria produzida”. Rush Limbaugh, radialista e apresentador, acusa alguns apoiadores de Obama de levá-lo ao Messias. Pode ser, mas então por que ele insiste em denunciar Obama como anti-Cristo?
Finalmente, o milagre da eleição em novembro de 2008 poderia servir para nos lembrar que não existe milagre. E que o destino dos EUA, como o de outros países, não deve ser confundido com a personalidade de um homem ou a vontade de um presidente.
Artigo publicado originalmente no Le Monde Diplomatique.
NULL
NULL
NULL