Ainda sob o efeito do impasse da Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CoP-15), realizada em Copenhague, Dinamarca, em dezembro de 2009, ao olhar para trás, a sensação é de profunda decepção. Acredito que o fiasco da CoP-15 aumenta bastante a responsabilidade mundial de enfrentar o que, com certeza, é o maior desafio da humanidade nesse século e do qual não temos como fugir.
Em dois anos de negociações, com varias rodadas técnicas e políticas, o Brasil e parte dos paises avançaram muito na questão do clima. Esses avanços, colocados sobre a mesa na Dinamarca, serão mantidos. Na Convenção, não recuamos um milímetro sequer. E isso nos dá um certo alivio ante o fracasso das lideranças mundiais em fechar um acordo justo, com metas ousadas, compromissos assinados e apontando para a redução drástica das emissões necessárias, segundo as previsões do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas).
O conservadorismo do Senado norte-americano e a falta de uma posição firme do seu presidente, Barack Obama, sinalizou forte possibilidade de retroceder diante dos 192 países que participaram das negociações sobre o clima. Acredito, contudo, que isso não pode ser avaliado de forma absoluta como vem sendo feito. Pelo menos por enquanto. Exemplo disso são países do Basic, grupo que reúne o Brasil, África do Sul, Índia e China, fechados em posições bastante avançadas.
Há avanços, embora não tenham sido acertadas metas de redução na medida em que desejávamos e dentro da necessidade prevista pelos cientistas do IPCC. Fizemos a nossa parte e saímos fortalecidos como nação que luta efetivamente pela redução de suas emissões. É pena que a reunião de Copenhague tenha sido polarizada por debates econômicos, políticos e até ideológicos em vez de questões ambientais cruciais para salvar o planeta.
Vou me lembrar do encerramento como um dos dias mais tristes da minha vida. Conseguiu-se, ao apagar da luzes, um acordo plausível sobre os modelos de mecanismo de pagamento por Redd (Reduções de Emissões por Desmatamento e Degradação), um dos mais polêmicos pontos do acordo, pois envolvia pagamento para manter as florestas em pé. Saímos com a promessa de criação de um fundo para o clima, que destinará 30 milhões de dólares até 2012 para aplicar em ações de adaptação e mitigação nos países em desenvolvimento. É pouco, muito pouco, mas melhor que nada.
O que parecia impossível – quando a Dinamarca apresentou sua proposta de retroceder – foi fechado ao final, países reunidos aceitaram a limitação em 2° C para a previsão de aumento do aquecimento global, embora tenham proposto reduzir em apenas 20% suas emissões e não entre 25% e 40%, o limite para o IPCC. Além disso, concordaram. em atualizar para 1,5° C em 2015 e haverá uma lista, até o final de Janeiro, onde colocarão suas metas de redução.
O governo brasileiro, em sua posição firme e dando exemplos de metas concretas e factíveis, negociou intensamente, com muita firmeza, para não permitir que o foco das negociações fosse desviado do seu objetivo: a redução das emissões. Ficamos ali, horas e horas, primeiro sob o comando da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e depois de sua chegada, sob o comando do presidente Lula, tentando tirar leite de pedra, numa negociação conduzida de forma frouxa pela Dinamarca. Houve muita oposição, até mesmo ideológica. Países como a Venezuela, Bolívia ou Cuba chegaram ao ponto de transformar um encontro sobre o clima em um palanque para tentar impor constrangimentos maiores aos Estados Unidos. Os árabes, tentando negociar uma proposta ridícula de indenização por queda no consumo de combustíveis fósseis no caso de se adotarem fontes limpas.
O mundo esperava pela liderança decisiva do Prêmio Nobel da Paz de 2009, Barack Obama, mas assistiu estarrecido e mudo a um discurso lacônico, vazio, pífio, sem qualquer compromisso com o planeta. Ele lavou as mãos em nome do sonho americano, enquanto países que podem sumir do mapa com o derretimento das geleiras, reclamavam em tom bíblico contra as 30 moedas (o único dinheiro posto na mesa), os dólares insuficientes do fundo. Europeus, chineses e americanos pareciam a cada momento transformar a Conferência num fórum de barganhas econômicas, sem preocupação com o futuro do planeta.
Fora o pronunciamento pífio, o líder americano até mostrou pulso firme ao negociar o acordo possível, ao final. O presidente Lula foi mais longe. Colocou muito bem a necessidade de um acordo formal e foi muito aplaudido.
Teve coragem de botar o dedo na ferida, de mostrar que ninguém estava ali para jogar conversa fora. Acertou ao afirmar que muita gente estava olhando apenas para o próprio umbigo. Perdemos a oportunidade de um acordo amplo, solidário e. planetário.
É lamentável que tudo tenha acabado como acabou, mas a verdade é que temos que olhar para a frente, com a determinação e a liderança que o mundo acompanhou e reconheceu no Brasil. Até o final de Janeiro de 2010, quando sai uma revisão das metas de todos os países, esperamos fechar números importantes de redução de emissões com alguns setores da nossa economia, para tocarmos o Plano Nacional de Mudanças Climáticas. O aço verde vem aí, junto com outras medidas que serão implementadas, demonstrando que iremos além de simplesmente reduzir nossas taxas de desmatamento. Aliás, o sucesso em conter o avanço da motosserra sobre a Amazônia foi amplamente comentado e reconhecido pelos países que participaram da CoP-15.
Como país que é, sei que o Brasil não vai deixar essa bola cair. Ao contrario de alguns, temos a consciência de que não podemos empurrar a questão das emissões para debaixo do tapete, como se não fosse problema nosso. Pelo Protocolo de Quioto, não temos obrigatoriedade de reduzir emissões, poderíamos dormir tranquilos após o desastre dinamarquês. Acontece, porém, que temos uma visão forte e uma posição privilegiada, não podemos assistir a temperatura subir de braços cruzados. Não aceitamos receber a conta pelo aquecimento global, nem a violação de nossa soberania, como chegaram a propor um modelo de MRV (monitorar, reportar e verificar) como o do FM1, mas faremos o que temos que fazer, com garra e determinação. O mundo precisa acordar da ressaca de final de ano da CoP-15.
A firme posição brasileira está expressa no discurso que o presidente Lula pronunciou na sessão plenária de debates da CoP-15, que vale a pena reproduzir. Assim se expressou o presidente em Copenhague, no dia 18 de dezembro de 2009: “Confesso a todos vocês que estou um pouco frustrado porque há muito tempo discutimos a questão do clima e, cada vez mais, constatamos que o problema é mais grave do que nos possamos imaginar”.
Posição ousada
Pensando em contribuir para a discussão nesta conferência, o Brasil teve uma posição muito ousada. Apresentamos as nossas metas até 2020, assumi-mos um compromisso e aprovamos no Congresso Nacional, transformando em lei que o Brasil, até 2020, reduzirá as emissões de gases de efeito estufa de 36,1% a 38,9%, baseado em algumas coisas que nós consideramos importantes: mudança no sistema da agricultura brasileira; mudança no sistema siderúrgico brasileiro; mudança e aprimoramento da nossa matriz energética, que já é uma das mais limpas do mundo; e assumimos o compromisso de reduzir o desmatamento da Amazônia em 80% até 2020.
E fizemos isso construindo uma engenharia econômica que obrigará um país em desenvolvimento, com muitas dificuldades econômicas, a gastar, até 2020, 166 bilhões de dólares, o equivalente a 16 bilhões de dólares por ano. Não é uma tarefa fácil, mas foi necessário tomar essas medidas para mostrar ao mundo que, com meias palavras e com barganhas, a gente não encontraria uma solução nesta Conferência de Copenhague.
Tive o prazer de participar ontem á noite, até as duas e meia da manhã, de uma reunião que, sinceramente, eu não esperava participar, porque era uma reunião onde tinha muitos chefes de Estado, figuras das mais proeminentes do mundo político e, sinceramente, submeter chefes de Estado a determinadas discussões como nos fizemos ontem, há muito tempo eu não assistia. Eu, ontem, estava na reunião e me lembrava do meu tempo de dirigente sindical, quando estávamos negociando com os empresários. E por que é que tivemos essas dificuldades? Porque, nós não cuidamos antes de trabalhar com a responsabilidade com que era necessário trabalhar. A questão não é apenas dinheiro. Algumas pessoas pensam que apenas o dinheiro resolve o problema. Não resolveu no passado, não resolverá no presente e, muito menos, vai resolver no futuro. O dinheiro é importante e os países pobres precisam de dinheiro para manter o seu desenvolvimento, para preservar o meio ambiente, para cuidar das suas florestas. É verdade. Mas é importante que nos, os países em desenvolvimento e os países ricos, quando pensarmos no dinheiro, não pensemos que estamos fazendo um favor, não pensemos que estamos dando uma esmola, porque o dinheiro que vai ser colocado na mesa é o pagamento pela emissão de gases de efeito estufa feita durante dois séculos por quem teve o privilegio de se industrializar primeiro.
Metas e responsabilidades
Não é uma barganha de quem tem dinheiro ou quem não tem dinheiro. È um compromisso mais sério: é para saber se é verdadeiro ou não o que os dentistas estão dizendo que o aquecimento global é irreversível. E, portanto, quem tem mais recursos e mais possibilidades precisa garantir a contribuição para proteger os mais necessitados.
Todos concordam que precisamos garantir os 2% de aquecimento global até 2050. Até aí, todos estamos de acordo. Todos estão conscientes de que só é possível construir esse acordo se os países assumirem, com muita responsabilidade, suas metas. Mas a meta, que deveriam ser uma coisa mais simples, tem gente querendo barganhar. Todos poderíamos oferecer um pouco mais se tivéssemos assumido boa vontade nos últimos períodos.
Todos sabemos ser preciso, para manter o compromisso das metas e manter o compromisso do financiamento, em qualquer documento que for aprovado, temos que manter os princípios adotados no Protocolo de Quioto e os princípios adotados na Convenção-Quadro. É verdade que temos responsabilidades comuns, mas é verdade que elas são diferenciadas.
Não me esqueço que quando tomei posse, em 2003, meu compromisso era procurar garantir que cada brasileiro ou brasileira pudesse tomar café, de manhã, almoçar e jantar. Para o mundo desenvolvido, isso era coisa do passado. Para a África, para a América Latina e para muitos países asiáticos, ainda é coisa do futuro. E isso está ligado á discussão que estamos fazendo aqui, porque não é discutir apenas a questão do clima. É discutir desenvolvimento e oportunidades para todos os países.
Sacrifício
Eu tive conversas com líderes importantes e cheguei à conclusão de que era possível construir uma base política que pudesse explicar ao mundo que nos, presidentes, primeiros-ministros e especialistas, somos muito responsáveis e que iríamos encontrar uma solução. Ainda acredito, porque eu sou excessivamente otimista. Mas é preciso que a gente faça um jogo, não pensando em ganhar ou perder.
É verdade que os países que derem dinheiro têm o direito de exigir a transparência, tem direito até de exigir o cumprimento da política que foi financiada. Mas é verdade que nos precisamos tomar muito cuidado com essa intrusão nos países em desenvolvimento e nos países mais pobres. A experiência que nos temos, seja do Fundo Monetário Internacional, ou seja, do Banco Mundial nos nossos países, não é recomendável que continue a acontecer no século XXI. O que nos precisamos… e vou dizer, de público, uma coisa que eu não disse ainda no meu país, não disse à minha bancada e não disse ao meu Congresso: se for necessário fazer um sacrifício a mais, o Brasil está disposto a colocar dinheiro também para ajudar os outros países. Estamos dispostos a participar do financiamento se nós nos colocarmos de acordo numa proposta final, aqui neste encontro.
Agora, o que nos não estamos de acordo é que. as figuras mais importantes do planeta Terra assinem qualquer documento, para dizer que nos assinamos documento. Eu adoraria sair daqui com o documento mais perfeito do mundo assinado. Mas se não tivemos condições de fazer até agora – eu não sei, meu querido companheiro Rasmussen, meu companheiro Ban Ki-moon – se a gente não conseguiu fazer até agora esse documento, não sei se algum anjo ou algum sábio descera neste plenário e irá colocar na nossa cabeça a inteligência que nos faltou até a hora de agora. Não sei.
Milagre
Eu acredito, como acredito em Deus, eu acredito em milagre, ele pode acontecer, e quero fazer parte dele. Mas, para que esse milagre aconteça, nós precisamos levar em conta que teve dois grupos trabalhando os documentos aqui, que nós não podemos esquecer. Portanto, o documento é muito importante, dos grupos aqui.
Segundo, que a gente possa fazer um documento político para servir de base de guarda-chuva, também é possível fazer, se a gente entender certas coisas: primeiro, Quioto, Convenção-Quadro, MRV, não podem adentrar a soberania dos paises – cada país tem que ter a competência de se autofiscalizar — e, ao mesmo tempo, que o dinheiro seja colocado para os paises efetivamente mais pobres.
O Brasil não veio barganhar. As nossas metas não precisam de dinheiro externo. Nós iremos fazer com os nossos recursos, mas estamos dispostos a dar um passo a mais se a gente conseguir resolver o problema que vai atender, primeiro, a manutenção do desenvolvimento dos paises em desenvolvimento. Nós passamos um século sem crescer, enquanto outros cresciam muito. Agora que nos começamos a crescer, não é justo que voltemos a fazer sacrifício.
No Brasil ainda tem muitos pobres. No Brasil tem muitos pobres, na África tem muitos pobres, na Índia e na China têm muitos pobres. E nós também compreendemos o papel dos paises mais ricos. Eles, também, não podem ser aqueles que vão nos salvar. O que nós queremos é apenas, conjuntamente, ricos e pobres, estabelecer um ponto comum que nos permita sair daqui, orgulhosamente, dizendo aos quatro cantos do mundo que nos estamos preocupados em preservar o futuro do planeta Terra sem o sacrifício da sua principal espécie, que são homens, mulheres e crianças que vivem neste mundo”.
NULL
NULL
NULL