Em 24 de março de 1860, por disposição do Tratado de Turim, a região de Nice e da Savoia retornam à soberania da França. Napoleão III obtêm esses dois territórios como recompensa de sua intervenção militar contra a Áustria, ao lado das tropas do reino do Piemonte, e em troca da anexação da Itália Central pelo Piemonte.
Pela primeira vez na história, a execução de um tratado aconteceu após aprovação popular, em virtude do “direito dos povos de dispor deles mesmos”. Esse direito já havia sido aplicado uma primeira vez pelo governo francês no Condado Venaissin e em Avignon, propriedade da Santa Sé, em 14 de setembro de 1791. Mas o foi de maneira unilateral e não nos quadros de um tratado internacional.
Desta vez, foi em Paris e em Turim que se organizou de comum acordo um referendo no condado de Nice e em Savoia.
De cultura italiana ou mais precisamente piemontesa, o porto mediterrâneo de Nice e toda a província havia sido parte do condado de Provence antes de ser anexado à Casa de Savoia em 1388. O nome condado (comté ou comtat no original francês) nada tinha a ver com qualquer conde e sim derivava de uma raiz latina que significava “campagne” ou “pays” e designava uma circunscrição administrativa, como o county inglês ou norte-americano ou o comtat Venaissin.
De cultura francófona, era o lar histórico da Casa de Savoia. Fundada no século XII por Humberto I, esta dinastia adquiriu depois, pela via do casamento, o marquesado de Turim, do outro lado dos Alpes. Passou desde então a voltar seus olhos e a ambicionar o Vale do Pó. Foi ela que, nos tempos de Napoleão III, pôs em destaque o projeto de unificação da Itália.
Em 22 de abril de 1860, os habitantes aprovam por esmagadora maioria suas anexações à França. Em Nice, o placar foi de 25.743 sim, 160 não e 5.000 abstenções. Na Savoia, 235 não e um punhado de abstenções sobre cerca de 130 mil votantes.
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Napoleão III recupera Savóia e Nice pelo Tratado de Turim
Esses resultados mostravam que os habitantes estavam antecipadamente resignados a sua sorte. Um senatus-consultus de 12 de junho de 1860 confirma a incorporação dessas duas províncias ao Império francês: ao norte dos Alpes, a Savoia estava dividida em dois departamentos, Savoia e Alta Savoia ; ao sul, o condado de Nice foi incorporado a uma área do Var com o próprio rio Var, para formar o departamento dos Alpes Marítimos.
Percebe-se que a parte norte do condado de Nice continuou pertencendo ao Piemonte malgrado o voto favorável à anexação de seus habitantes. É que o imperador Napoleão III não queria privar seu amigo, o rei Vittorio Emmanuelle de seus territórios de caça no maciço de Mercantour.
As relações comerciais entre Nice e Turim permaneceram intensas e importantes. Não menos de 15 mulas transportaram de Nice à capital do Piemonte cinco mil toneladas de sal por ano. Esse tráfico fez a fortuna das pequenas cidades de Tende e Sospel.
As tratativas entre Napoleão III, Vittorio Emmanuelle, rei de Piemonte-Sardenha e o primeiro ministro piemontês, Camilo Cavour, suscitaram a indignação dos nacionalistas italianos.
No Parlamento de Turim, Cavour é violentamente atacado pelo abandono dessas duas províncias. O herói republicano Giuseppe Garibaldi, nativo de Nice, foi um de seus opositores mais determinados.
Napoleão III não teria mais qualquer outra oportunidade para se rejubilar. Sua política externa torna-se confusa, enredada por dois sentimentos contraditórios como o “direito dos povos a dispor deles mesmos” e a “política das nacionalidades”
Essa contradição arrastaria a França e a Europa ocidental a uma exacerbação das paixões nacionalistas o que levaria à unificação da Alemanha em torno da Prússia e ao desmembramento da Áustria.
(*) A série Hoje na História foi concebida e escrita pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.