Em 6 de fevereiro de 1637, na região onde hoje está a Holanda, acontecia o que alguns acreditam ter sido o primeiro esboço de uma bolha especulativa na história econômica.
Nesse dia, nas tavernas de Amsterdã e Haarlem, cidades opulentas das então Províncias Unidas, mercadores se encontraram, como de costume, para comprar e vender tulipas. Na verdade, são apenas de promessas de venda, pois os bulbos só seriam disponibilizados meses depois, na primavera.
No entanto, rompendo com os acordos firmados nas semanas anteriores, os compradores se mostraram reticentes. As compras, que tinham atingido picos assombrosos nos meses precedentes, experimentaram um mergulho simplesmente vertiginoso.
Charles Mackay, um jornalista britânico do século XIX veria nesse fenômeno a primeira bolha especulativa da história, prelúdio à “Bancarrota de Law” ou a nossa “crise dos sub-prime de 2008”. Sua interpretação, contudo, pareceu a outros historiadores bastante exagerada.
Esta planta selvagem da Ásia Central havia tornado-se flor ornamental em Constantinopla, décadas antes. Ogier Ghislain de Brusbecq (1520-1591), embaixador na corte de Soliman, o Magnífico, a batizou de tulipa, referência a uma palavra turca que designa um turbante.
Enviou bulbos ao botânico Charles de Lescluse (1523-1609) quem logo os plantou no jardim botânico de Leyde. Demorou para que se estabelecesse uma verdadeira “tulipamania” na burguesia holandesa, impaciente em desfrutar de seus êxitos diante do opressor espanhol assim como dos concorrentes ingleses e outros.
Os horticultores rivalizavam entre si e empregavam todo o seu talento para aprimorar as variedades de tulipas. Os anos 1630 viram os preços da flor disparar.
Definitivamente, a “tulipamania” iria se inserir no contexto político e econômico daquele tempo: as Províncias Unidas estavam então em conflito com a Espanha com o objetivo de conquistar a independência, que só seria reconhecida em 1648 ao cabo da “Guerra de Oitenta Anos”. O conflito propiciou aos comerciantes holandeses considerável enriquecimento.
Com efeito, os exércitos espanhóis castigavam duramente sobretudo o sul da região de Schelde, que viria a se constituir bem mais tarde na Bélgica. Em reação, as Províncias Unidas bloquearam o estuário do rio que ligava Antuérpia ao mar. Assim, o porto ficou a cargo dos mercadores locais, contribuindo com o extraordinário desenvolvimento de Amsterdã e de outros portos holandeses.
O comércio internacional, em direção ao Báltico, ao Mediterrâneo, mas também em direção à Ásia permitiu ao país conhecer a sua Idade de Ouro com a fundação em 1602 da extremamente lucrativa Companhia das Índias Orientais. Amsterdã tornou-se a principal praça financeira da Europa graças a um desenvolvimento das técnicas bancárias encorajada pelo Estado.
A paixão pelos objetos exóticos se desenvolve rapidamente nesta região aberta para o mundo: sonha-se com os quadros de Rembrandt ou ainda de Vermeer, abundam roupas, objetos e personalidades magníficos.
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A partir do final do século XVI, o norte da Europa vê desenvolver um gosto extraordinário pelas flores em geral, e t´ulípas em particular
A partir do final do século XVI, o norte da Europa vê desenvolver um gosto extraordinário pelas flores em geral — e as tulipas, em particular.
Os bulbos, os mais procurados, eram trocados por alguns milhares de florins, à época em que um operário especializado ganhava não mais que 150 florins por ano.
Um bulbo especial poderia valer 12 ares de terreno sobre o qual se podia erguer uma construção, um outro em troca de uma carruagem completa com animais e tudo. É verdade que esses bulbos pertenciam a uma variedade rara de tulipa, com cores excepcionais devidas a um vírus mutante e cuja reprodução era quase impossível, o que fazia a flor se assemelhar a uma obra de arte.
Os comerciantes passaram a adquirir o produto cada vez mais facilmente; e a termo, ou seja, comprometiam-se no inverno a adquiri-los no verão, no momento em que poderiam tal ou qual bulbo ser transplantados, na esperança de revendê-los com um bom lucro.
Um projeto de lei discutido no outono de 1636 e submetido ao Parlamento no ano seguinte previa que os contratos não incluiriam mais uma obrigação de compra e sim apenas uma opção de compra.
Foi um achado para os especuladores, que afluíram ávidos sobre o mercado — até este dia de fevereiro de 1637, quando as compras derreteram bruscamente. Os compradores se viram diante da incapacidade de honrar seus contratos, fazendo com que o mercado entrasse em prolongada crise.
Análises recentes ressaltam que a especulação sobre a tulipa atingiu apenas um círculo restrito de comerciantes e artesãos holandeses e que nenhum deles se arruinou com a paralisia das compras.
Os contratos a termo se concretizaram sem troca monetária: sua rescisão levou a uma diminuição dos ganhos para o vendedor mas não perdas. O comércio, por outro lado, foi retomado passados poucos meses. Parecia justificado simplesmente ver na crise uma correção brutal dos excessos especulativos desconectados da demanda.
Muito rapidamente, os artistas e filósofos moralistas abraçariam esse tema para denunciar a vaidade com os bens deste mundo e a levar ao ridículo aqueles que se dedicavam a este comércio, assemelhado a um jogo de azar. À austeridade calvinista repugnava tais excessos. No entanto os pintores representavam com frequência as tulipas em suas telas de natureza morte, gênero então muito apreciado na Holanda.
Felizmente, os “bloemisten” (floristas) não desapareceram da Holanda e os campos de tulipas alegram ainda as primaveras batavas.
(*) A série Hoje na História foi concebida e escrita pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.