Armados com alicates, jovens palestinos vêm tentando cortar a cerca eletrônica construída por Israel ao redor da Faixa de Gaza. Segundo o Exército israelense, desde o fim da guerra em agosto, 66 jovens tentaram entrar no país e foram imediatamente detidos pelas tropas que patrulham a fronteira. Os soldados israelenses costumam chamá-los de “desesperados”, pois não portam armas e não são considerados “terroristas”.
Muhammad Sabah, B’Tselem/Opera Mundi
Imagem do bairro de Beit Hanun, na Faixa de Gaza, destruído após os mais de 50 dias da ofensiva israelense Margem Protetora
A vida deprimente no enclave palestino, em meio à destruição gerada pelos bombardeios israelenses e à falta de perspectiva de futuro, leva os jovens a preferirem as prisões de Israel à dura realidade da Faixa de Gaza.
Na prisão pelo menos eles não terão que enfrentar as chuvas e o frio deste inverno em meio aos destroços de bairros inteiros, sem água e eletricidade e com o esgoto jorrando pelas ruas, depois que grande parte da infraestrutura da região foi destruída durante a ofensiva militar israelense. Meses antes, em julho, Israel havia deflagrado a chamada Operação Margem Protetora, que deixou mais de 2,2 mil mortos — a maioria entre eles civis palestinos em Gaza.
“É muito perigoso o que esses jovens fazem, eles podem até ser mortos ao tentar cortar a cerca, mas o desespero fala mais alto”, disse o psiquiatra Sami Owaida a Opera Mundi. O profissional de saúde, que trabalha na Clinica de Saúde Mental da cidade de Gaza e trata principalmente de crianças e adolescentes, é testemunha do grau de desesperança desses jovens.
Via de escape
“Tenho pacientes que foram vitimas de traumas durante a ofensiva israelense contra Gaza em 2009, muitos deles já estavam melhorando, mas agora, com o novo ataque que sofremos em julho e agosto, houve um retrocesso no estado emocional deles”, disse.
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“Vivemos em uma grande prisão, não temos saída, nem em direção a Israel nem em direção ao Egito, então esses jovens fazem um ato de desespero e tentam cortar a cerca com alicates, procurando uma via de escape”, continua Owaida.
Na Faixa de Gaza, o índice de desemprego entre jovens de 15 a 29 anos chega a 63%. Além disso, mais de 100 mil pessoas perderam suas casas durante a última guerra e fábricas e plantações que antes forneciam empregos para os trabalhadores locais foram destruídas.
Agência Efe
Oficial israelense en guarda em frente a máquina escavadeira que realiza demolição de casa palestina em Hebrón
Reconstrução lenta
Apesar das promessas de Israel de que iria “facilitar” a reconstrução do enclave palestino, o ritmo de abastecimento de materiais de construção é lento. Segundo cálculos de ONGs de direitos humanos, no ritmo atual a reconstrução duraria mais de 20 anos.
“De 5 milhões de toneladas de materiais de construção necessários para reconstruir Gaza, apenas 180 mil entraram desde o fim da guerra”, disse Shai Grunberg, porta-voz da ONG israelense Gisha. E concluiu: “O governo israelense afirmou que considera importante que os palestinos possam reconstruir a Faixa de Gaza, mas infelizmente há uma diferença enorme entre a retórica e a realidade”.
Muitas das famílias que perderam suas casas nos bombardeios estão morando entre os escombros, utilizando plásticos para cobrir os buracos deixados pelas explosões nos tetos e nas paredes.
Muhammad Sabah, B’Tselem/Opera Mundi
Morador de Beit Hanun, na Faixa de Gaza, diante de edifício destruído após ofensiva militar israelense
“Desde o fim da guerra nenhuma casa foi reconstruída. Das promessas dos países doadores de transferir US$ 5 bilhões para a reconstrução de Gaza, apenas US$ 100 milhões foram de fato enviados”, disse Grunberg.
Para o psiquiatra Sami Owaida o desespêro dos jovens que tentam cortar a cerca israelense deve servir como um “sinal de alerta” para o mundo. “Estamos vivendo uma verdadeira catástrofe aqui em Gaza e o mundo fica só olhando, esses jovens não veem mais sentido na vida e temem uma nova guerra”, afirmou.
(*) Guila Flint cobre o Oriente Médio para a imprensa brasileira há 20 anos e é autora do livro 'Miragem de Paz', da editora Civilização Brasileira.