O Tribunal de Família da cidade de Talcahuano, no sul do Chile (cerca de 500 km de Santiago), concedeu uma liminar que proibiu a vendedora Cinthia Ortiz de amamentar sua primeira filha, nascida no dia 19 de novembro. A decisão veio de um pedido do hospital Las Higueras, onde ela deu a luz, que usou como argumento o fato de a mãe ter declarado o consumo de maconha.
A liminar também impede que Cinthia leve sua bebê para casa, permitindo apenas que ela visite o bebê no hospital duas vezes por dia.
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Mulher amamenta bebê: no Chile, Justiça proibiu Cinthia de amamamentar sua filha por ela ter fumado maconha
O caso começou a repercutir a nível nacional nesta quinta-feira (26/11), quando Cinthia e o marido, o bancário Cristian Montorfano, foram a um programa de televisão para falar sobre o acontecido.
“Durante o trabalho de parto, começaram a me fazer perguntas, eu sentia muitas dores e fui respondendo sem pensar”, contou Cinthia. “Então, me perguntaram se eu consumia maconha ou outras drogas, e eu disse que havia fumado maconha no fim de semana anterior. No dia seguinte, a direção do hospital disse que iria me afastar da minha filha para resguardar a saúde dela. Eu me senti um lixo”.
O marido de Cinthia foi mais enfático ao reclamar do questionário a que ela foi submetida. Para ele, o pessoal do hospital a forçou a dar essa declaração: “não entendo qual a necessidade daquele questionário. Cinthia não é usuária de drogas nem consumidora frequente de maconha. O que fizeram foi um tipo de violência, aproveitando aquele momento de fragilidade dela”. Ele afirma que ela também foi forçada a se sujeitar a exames para comprovar o consumo de maconha – cujos resultados foram apresentados ao Tribunal de Família.
O casal garante que nenhum dos dois consome maconha e nenhum outro tipo de droga regularmente – os exames teriam comprovado somente o uso de maconha – e que Cinthia apenas começou a fumar uma espécie de cannabis, recomendada por uma terapeuta, para aliviar as dores que sentia nos ossos. “Nos últimos meses, sentia dores nas costas, nos quadris e nos ombros, eram insuportáveis. Uma amiga recomendou [a droga] e garantiu que não causaria problemas à bebê”, diz Cinthia.
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O hospital apresentou no pedido à Justiça a alegação de que o consumo de maconha faz com que a amamentação da bebê por parte da mãe se constitua num risco para a saúde da recém-nascida, devido à presença de substâncias no leite materno que poderiam ser prejudiciais.
A administração do hospital Las Higueras declarou em comunicado que “o procedimento realizado pela instituição está respaldado pela lei chilena, que considera a maconha uma droga de alto risco, e a decisão de impedir a paciente de amamentar foi da Justiça. Cabe a nós respeitar essa decisão e esperar as próximas determinações judiciais e a participação do Sename (Serviço Nacional do Menor), que passa a ser parte interessada no caso”.
O argumento legal do hospital é efetivo pois a Lei Anti Drogas do Chile estabelece uma lista de drogas consideradas perigosas, da qual a maconha faz parte. No entanto, o Congresso chileno aprovou recentemente uma lei que descriminaliza o autocultivo da maconha para fins recreativos ou medicinais, apesar dela seguir constando na lista de drogas consideradas perigosas –por isso sua comercialização ainda é considerada um delito, a não ser quando se trata de sementes.
A diretora do Sename, Marcela Labraña, afirmou que “nosso trabalho sempre visa defender o direito da mãe de estar com seu filho, mas é preciso analisar que elementos o caso tem, dar a possibilidade dela (a mãe) expressar seus argumentos e ver o que se pode fazer, sempre dentro do que determine a Justiça”.