Atualizada em 27.out, às 10h33
O professor de física e pesquisador franco-argelino deportado do Brasil para a França em julho deste ano, Adlène Hicheur, enviou uma carta para o presidente da França, François Hollande, no último dia 8 de outubro, pedindo para retornar à Argélia, seu país de origem.
Para retornar à Argélia, Hicheur, que é naturalizado francês e que se mudou para o país europeu com sua família quando tinha apenas um ano de idade, teria que perder ou ser privado de sua nacionalidade francesa, além de ser deportado.
Shobhan Saxena
Adlène Hicheur, antes de ser deportado de volta para França, disse estar sendo perseguido por um caso encerrado de seu passado
Em sua carta a Hollande, Hicheur afirma não ter um “futuro possível e concebível” na França, onde em 2009 ele foi preso e condenado a cinco anos sob a acusação de associação com criminosos que planejavam um atentado terrorista. Por não haver provas, ele ganhou liberdade depois de cumprir uma pena de dois anos e meio.
“Declaro solenemente que exijo meu direito de perder a nacionalidade francesa”, escreveu Hicheur, citando três artigos do Código Civil francês que estipulam casos de remoção de nacionalidade.
NULL
NULL
“Como resultado disto, eu exijo ser imediatamente expulso do território francês e a perda imediata de minha nacionalidade”, reiterou o físico.
Caso Hicheur
Em 2009, enquanto trabalhava no CERN, famoso laboratório na Suíça, que abriga um superacelerador de partículas, Hicheur foi acusado de “formação de quadrilha” com o Al Qaeda do Magreb por trocar mensagens e e-mails com um interlocutor que usava um pseudônimo e que seria um integrante argelino do Al Qaeda.
Durante o julgamento, porém, não se conseguiu apresentar nenhuma prova ou indício de que ele estaria de fato ligado ao grupo extremista e que ele teria tomado qualquer ação “terrorista”.
Em sua defesa, o pesquisador alega, desde aquela época, nunca ter planejado nenhum ataque terrorista e que suas conversas online incluíam diversos temas internacionais.
Leia também: Caso Adlène Hicheur: Quando um cientista é usado como um peão no jogo do terror
Em 2013, um ano depois de ser solto — em maio de 2012 —, Hicheur veio para o Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar como professor e pesquisador na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Brasil
No dia 8 de janeiro de 2016, sua condenação se tornou conhecida após a revista Época publicar sua história com o título “Um terrorista no Brasil”, com o rosto de Hicheur estampado na capa da edição. Em entrevista a Opera Mundi em janeiro Hicheur disse que a reportagem distorceu os fatos e ignorou detalhes cruciais que indicariam a sua inocência e contou que, em 2009, antes de ser preso por visitar “websites de conversas subversivas islâmicas”, ele estava seriamente doente, tomando medicação.
“Não há segredo em meu currículo. Eu cheguei ao Brasil com um visto válido, convidado por um centro de pesquisas. Meu caso é muito conhecido, é passado. Eu sou cientista, mas eles me carimbaram como terrorista ao reciclar de forma vergonhosa uma história velha”, disse o professor na época.
O artigo gerou uma grande perseguição ao pesquisador por parte da mídia. Sua foto teve de ser retirada do site do então Ministério da Ciência e Tecnologia e ele chegou a ter sua sala na UFRJ invadida, bem como o corredor externo de seu apartamento na Tijuca, cujo prédio contava com um porteiro.
Hicheur foi sumariamente deportado de volta para a França no dia 15 de julho, para a surpresa da UFRJ, que apoiou o professor durante todo o processo. A vice-reitora da instituição, Denise Nascimento, foi ao aeroporto do Galeão impedir sua deportação, sem sucesso.
Assim que chegou na França, Hicheur foi posto imediatamente sob prisão domiciliar, condição em que ainda se encontra.
Leia abaixo a íntegra da carta enviada por Adlène Hicheur:
Assunto: Perda de nacionalidade, Renúncia à nacionalidade
Sr. Presidente da República Francesa
Em uma decisão incompreensível do Conselho de Estado, datada de 07/10/2016, tratando de minha solicitação à condição de residente, consequência de minha condução ilegal à fronteira, a partir do Brasil, em 15/07/2016, e forçada através da França (uma vez que eu pedia para retornar à Argélia), um dos argumentos principais utilizados para não permitir meu retorno a minha casa em Sétif (Argélia) foi minha nacionalidade francesa.
Eu tinha instalado anteriormente no Brasil, sob o estatuto de cidadão argelino, trabalhando na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e nunca tive a intenção de voltar um dia à França, onde eu não tenho nenhum futuro possível e concebível.
Desejo, dessa forma, pronunciar claramente que não pretendo retomar meus documentos de identidade franceses. Uma vez que a mensagem possa não ter sido feita em toda a sua clareza, declaro solenemente que exijo meu direito de perder a nacionalidade francesa, nas três seguintes maneiras:
– Tendo nascido na Argélia e possuindo nacionalidade argelina, exerço meu direito de renunciar à nacionalidade nos termos do artigo 23-4 do Código Civil.
– Sendo e me comportando de fato como um cidadão argelino, eu invoco o artigo 23-7 do Código Civil.
– Em consonância com os casos de condenações previstas no artigo 25 do Código Civil, solicito a perda da nacionalidade.
– Em consequência do exposto, peço para ser imediatamente expulso do território francês, bem como a decidida perda da nacionalidade.
Tenha certeza, Senhor Presidente da República, da minha mais elevada consideração.
Copias a: MM. Rémy Schwartz, Catherine de Salins, Fabien Raynaud, juges au Conseil d’État.