Um verdadeiro diálogo, uma negociação política sincera pressupõe concessões de ambos os lados. No caso venezuelano, a primeira sessão do diálogo estabeleceu que quatro mesas temáticas, mediadas pelo Vaticano e pelos ex-presidentes Zapatero (Espanha), Fernández (República Dominicana) e Torrijos (Panamá), tratariam de temas como direitos humanos, direitos políticos, situação econômica e social, enfim todos os principais assuntos que hoje preocupam a sociedade do país.
Segundo a pesquisa da Hinterlaces, 85% dos venezuelanos desejam que vias sinceras de diálogo se desenvolvam entre governo e oposição. O governo, num gesto a favorecer o clima de boa vontade, libertou cinco oposicionistas que haviam sido presos por vários motivos e ainda não submetidos à justiça. Por seu lado, a oposição com assento na Assembleia Nacional, a pedido do papa Francisco, resolveu, a contragosto dos partidos Voluntad Popular de Leopoldo López e Vente Venezuela de Maria Corina Machado, suspendou o julgamento sobre a responsabilidade do presidente Maduro na crise do país e cancelou a marcha convocada para 3 de novembro em direção ao palácio presidencial de Miraflores.
Diante da perspectiva de que o diálogo possa resultar em algo alentador para a Venezuela, o colunista Clóvis Rossi da Folha de S.Paulo in “Na Venezuela, só o governo tem o que ceder em diálogo” (Mundo, A16, ed. 2 de nov.) chega à conclusão que “a lógica indica que o diálogo não prosperará”. Rossi não é ingênuo. Veterano e qualificado repórter, conhece bem a história e a conjuntura dos países de nossa sofrida América Latina. A opinião manifestada traduz o desejo de que o diálogo fracasse, que a polarização se aprofunde e que a solução seja encontrada numa eventual intervenção externa. Como entender de outra forma o último parágrafo de seu artigo “ É razoável supor que Shannon [Thomas Shannon, habilíssimo diplomata norte-americano que desembarcou em Caracas, com o objetivo explícito de apoiar o diálogo, segundo Rossi] tem informações que indicam que o regime chegou ao limite e só pode recuar ou levar a Venezuela ao mais profundo dos infernos”.
Agência Efe
Durante primeira etapa de diálogos, governo libertou cinco opositores em gesto de boa vontade
Será mesmo que só o governo Maduro tem o que ceder?
Vamos falar de ações que essa mesma oposição e esses mesmos personagens – Ramos Allup, Henrique Capriles, Maria Corina Machado, Leopoldo López, Antonio Ledezma, Julio Borges, só para citar alguns mais notórios – protagonizaram, não faz muito tempo, de 14 anos atrás aos dias de hoje. Uma ampla e contínua folha corrida de golpes contra a democracia. Golpe de Estado em abril de 2002 que derrocou por 72 horas o presidente legítimo e constitucional e que a massa nas ruas permitiu que tropas fiassem o trouxessem de volta.
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Os golpistas rasgaram violentamente a Constituição redigida por uma Constituinte convocada por plebiscito popular tendo sido a Carta Magna referendada também pela vontade popular. Derrotada, a oposição golpista organiza um locaute geral, centrado na paralisação da Petróleos da Venezuela, responsável por mais de 90% dos ingressos em moeda forte, que durou de dezembro de 2002 a fevereiro de 2003. Essa ação de sabotagem, além de causar sofrimento e transtornos, especialmente à população mais pobre, causou prejuízos à nação de mais de 20 bilhões de dólares.
Em 2004, a oposição consegue reunir assinaturas para o referendo revogatório do mandato de Chávez. Fragorosamente vencida numa proporção de 59,36% a 40,64%, não reconheceu a derrota alegando fraude inexistente. Foi preciso a intervenção de organizações de observação eleitoral, como o Centro Carter, para tentar convencer a oposição da limpeza e transparência do pleito.
Em 2005, a oposição negou-se a participar das eleições legislativas alegando — de novo a mesma lenga-lenga antidemocrática — que elas seriam fraudadas.
Em 2006, Chávez venceu sua terceira eleição. A quarta ocorreu em 2012. Nesse período, a Venezuela assistiu a um extraordinário avanço social de inclusão e redução da pobreza, de universalização da educação e da saúde, de construção de centenas de milhares de habitações, etc., basicamente com os recursos da exportação do petróleo.
A vitória de Nicolás Maduro por estreita margem em abril de 2013, após a morte de Chávez, aumentou o furor da oposição. Inconformado com a derrota, Capriles, além de alegar de novo fraude, insuflou sua tropa para sair às ruas. Resultado de mais esta ação desestabilizadora: 13 mortos. Em janeiro de 2014, a oposição de direita mais extremista de Leopoldo López, Maria Corina Machado e Antonio Ledezma tentam derrocar Maduro com a convocação, denominada La Salida, de ações violentas fascistas de rua de que resultaram 43 mortos e mais de 800 feridos além de sérios danos a bens públicos e privados.
Agência Efe
Henry Ramos Allup, presidente da Assembleia Nacional, disse diversas vezes após assumir cargo que Maduro seria derrocado em seis meses
Agora, a oposição usa a vitória nas eleições legislativas com o único objetivo de derrubar Maduro da presidência. Henry Ramos Allup, presidente do Parlamento, afirmou e reafirmou que “dentro de seis meses, Maduro será derrocado”. Ajudar o país a sair da crise em nada interessava. Valeram-se de vários expedientes para aquele objetivo, todos derrubados pelo Tribunal Supremo de Justiça por inconstitucionais. Só se lembraram do referendo revogatório — previsto na Constituição — em maio e agora querem que o Conselho Nacional Eleitoral atropele os prazos legais e as regras eleitorais.
Rossi fala em presos políticos e cita Leopoldo López, sem cuja libertação o “diálogo não irá longe”. López foi condenado pela Justiça a 13 anos de prisão. Seu eventual indulto esbarra no pleito dos familiares das vítimas das ações comandadas por esse líder da oposição, que não admitem impunidade.
Agência Efe
Desde que Leopoldo López foi condenado a 13 anos de prisão e preso, sua esposa, Lilian Tintori, pede que o governo o solte
O colunista da Folha refuta a existência da guerra econômica. Mas ela é real e está presente. A par do contrabando além-fronteira de produtos essenciais e dos “bachaqueros” – gente que compra produtos a preços subsidiados pelo governo e os revende por preços bem maiores, há o açambarcamento e a sabotagem de bens pelos grandes empresários. O oligopólio ou monopólio dos importadores – e a Venezuela importa boa parte dos produtos consumidos – manipula o câmbio e esse é um dos grandes fatores da inflação. É fato também que a queda vertiginosa do preço do petróleo diminuiu dramaticamente o ingresso de divisas e com isso a capacidade do governo importar a quantidade necessária de bens, provocando o desabastecimento. E sem negar a realidade, houve erros do próprio governo na condução da economia. Hoje, com o preço do petróleo beirando os 50 dólares, a situação está visivelmente melhor que há dois ou três meses.
Rossi não consegue sopitar sua idiossincrasia contra o PT comparando seu desastre eleitoral nas eleições municipais com a possível derrota eleitoral do chavismo em qualquer pleito futuro, só que, “na Venezuela, em crise incomparavelmente mais séria, o resultado seria uma derrota ainda mais espetacular do governo.” Acontece que o ‘voto castigo’ das eleições legislativas de dezembro de 2015 coincidiu com o auge da crise econômica – e salta à vista sempre que se aproximam eleições há um esforço da oligarquia em criar a sensação de caos e tentar desestabilizar politicamente o governo. E o ‘voto castigo’ pode não se repetir se a situação econômico-social melhorar, como está melhorando.
Agora, senhor Clóvis Rossi, há uma grande diferença que separa o PT e suas circunstâncias do chavismo. Chávez ao longo do tempo tratou de educar politicamente as grandes massas e hoje há uma grande parcela organizada do povo disposta a defender a todo custo a Revolução Bolivariana e suas conquistas. O chavismo conta ainda com uma boa rede de meios de comunicação com a qual trava a batalha de ideias.
Além de uma Constituição altamente progressista e democrática, as instituições como o Tribunal Supremo de Justiça, o Ministério Público, o Conselho Nacional Eleitoral vem resistindo aos arreganhos golpistas, mais recentemente à tentativa do golpe parlamentar. E as Forças Armadas, um ator sempre presente na história da Venezuela, têm se mostrado firme defensor do processo bolivariano, em defesa da autodeterminação do povo venezuelano e da soberania e independência da nação.