Hermenegildo Griñón, 62 anos, possui formação artística na música e tem na condição de maestro infantil seu primeiro trabalho profissional. Depois de dez anos trabalhando na função, encarna nas ruas da capital Havana um personagem que, segundo ele, representa o que é ser cubano. Circula em pontos turísticos da cidade, mas concentra o que chama de publicidade da “cubania” junto aos turistas que chegam para conhecer, comer ou beber no famoso “Bodeguita del Medio”.
O baterista criou um personagem que usa a boina de Ernesto Che Guevara, “o guerrilheiro”, em suas palavras, cultiva uma barba branca “do barbudo” Fidel Castro, segura nas mãos um charuto cenográfico, “parte do ser cubano”, e usa calça branca com camisa social e blazer escuro, como parte “da elegância do cubano”. A reportagem de Opera Mundi conversou com ele em meio ao luto nacional decretado pela morte de Fidel Castro, ocorrida na sexta-feira passada (25/11). Essencialmente, as questões giraram no que pode mudar na economia e sociedade e no que representa Fidel para ele e para Cuba.
“Fidel fez coisas maravilhosas que, antes dele, na ditadura de [Fulgêncio] Batista, não haviam sido feitas. Fidel alfabetizou o povo cubano, deu escola pública grátis, saúde grátis”, pontua. “Quer dizer, todo o povo cubano pode ir ao médico e não custa um centavo. Há muitos profissionais médicos que prestam serviços a países que necessitam, como Venezuela, Haiti, Angola e ao Brasil também. Quem pode ir contra isso?”, pergunta, na tentativa de mostrar a relevância de Fidel para o país.
Griñón se refere aos índices altamente positivos registrados em Cuba na educação. A Unesco indica 99,9% de taxa de alfabetização no país, enquanto o Banco Mundial aponta o sistema de ensino cubano como o melhor da América Latina. De fato, não é raro conversar com as cubanas e os cubanos e sentir que, independentemente da atividade que exercem, detêm conhecimento maior sobre o Brasil que a média dos brasileiros. “Há um legado que foi deixado por nosso presidente revolucionário, que dá mostras do que é positivo e do que é a Revolução Cubana”, diz. “Ninguém está desamparado em Cuba.”
Para ele, esse legado é constantemente atacado por propaganda negativa, daí a importância do seu trabalho atual. “A propaganda negativa contra Cuba é uma maneira também de enriquecimento para quem explora. Por isso, sempre distorcem as notícias e a realidade. Isso é parte do jogo que jogam. Aqui temos a possibilidade sempre de levar à boca um bocado de comida, não há fome, nem miséria. E a população tem crescido. E o Estado consegue fazer que cada um tenha uma casinha, ter aonde viver”, ressalta, usando a força de sua voz grave ao falar de fome e miséria.
Camilo Toscano/Opera Mundi
Hermenegildo Griñón: “Fidel fez coisas maravilhosas que, antes dele, na ditadura de [Fulgêncio] Batista, não haviam sido feitas”
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Essa propaganda tem impactado uma parte da juventude do país, avalia, levando-os a pensar que a vida seria melhor fora da ilha. “A juventude, por mais conhecimento que tenha, não tem maturidade. Conhecimento é conhecimento. Mas essa juventude tem que adquirir maturidade, porque quando se é jovem também se fantasia muito”, explica-se Griñón. “E o mundo capitalista brinda isso, essa fantasia de que existe um país das maravilhas e de que tem isso e aquilo. Quando você se dá conta, tem que trabalhar como em todos os países. Em qualquer país tem que trabalhar para viver, mas fora de Cuba às vezes se trabalha o dobro ou o triplo para ter o que temos grátis aqui. Ter três empregos para poder subsistir. Isso é exploração.”
O personagem que conversa e tira fotos com os poucos turistas que caminham pelo centro da cidade, buscando restaurantes e lojas que estejam abertas no período de luto nacional, descarta o longo tempo de permanência de Fidel no poder como motivo para a construção dessa imagem de que a vida é melhor fora de Cuba. Griñón diz isso com o argumento de que foi a escolha popular que renovou seguidas vezes o mandato de Fidel. “Há voto livre em Cuba, e o povo sempre elegeu Fidel como líder desse processo revolucionário”, sustenta.
E o que será de Cuba após a morte de Fidel? “Temos dirigentes preparados para isso, Fidel deixou um grupo de dirigentes muito preparados para isso. Não estou dentro dessa estrutura do Estado, mas vemos as medidas que estão sendo tomadas e regulações com respeito a muitas empresas que querem investir em Cuba”, rebate imediatamente. Em seguida, prossegue sua argumentação dizendo que essas medidas colocam o turismo como grande potencial econômico do país, ainda maior que o atual. “Cuba escolheu o turismo para trazer investimento. A partir dele, vamos melhorar a infraestrutura e conseguir manter o que temos de bom”, aposta.
Griñón encerra suas frases quase sempre com um sorriso aberto, como que a exibir a simpatia que seu personagem pede. Mas a fala séria se mantém quando o assunto é o republicano Donald Trump, eleito no início de novembro para suceder Barack Obama na presidência dos EUA. “Se Trump vai fechar as portas completamente, temos possibilidades de fazer negócios com outros países que podem não estar de acordo com nossa filosofia de vida, mas ao menos mantêm um elo com nosso país sem que a gente tenha que renunciar aos nossos princípios. Não estamos sós, temos muitos amigos no mundo”, diz, citando nominalmente França, China, Canadá e Venezuela, para depois acrescentar um “e toda a América Latina”.