Quando e onde começou o incêndio atual em Portugal?
O fogo começou na tarde do último sábado (17/06) em Pedrógão Grande, uma vila de cerca de 2.000 habitantes no distrito de Leiria, na região central de Portugal. Dali, se espalhou para os arredores, como as regiões vizinhas de Coimbra e Castelo Branco. Estima-se que tenha afetado 30 mil hectares até o momento. De acordo com o comandante de Proteção Civil de Portugal, Vítor Vaz Pinto, o incêndio foi controlado nesta quarta-feira (21/06), embora ainda haja focos ativos em Góis e Pampilhosa da Serra.
Quantas pessoas morreram ou ficaram feridas até agora?
Até esta quarta-feira (21/06), foram registradas 64 mortes e 179 pessoas feridas em decorrência do incêndio. Somente na rodovia nacional 236, 47 pessoas morreram dentro de seus carros ao ficarem presas pelas chamas quando tentavam fugir do fogo que cercava as vilas em que moravam. Nodeirinho, vila nos arredores de Pedrógão Grande que tinha 50 moradores, perdeu 11 deles para o fogo.
Quantos bombeiros estão envolvidos no combate ao incêndio?
Segundo o site da Proteção Civil de Portugal, atualmente trabalham na região 1.200 bombeiros, apoiados por mais de 400 veículos terrestres e três meios aéreos. Aviões de Espanha, França e Itália, assim como bombeiros dos três países, também estão ajudando os portugueses.
O que é a trovoada seca, apontada como causa do incêndio?
No domingo (18/06), a polícia estabeleceu que o incêndio foi causado por trovoadas secas, fenômeno meteorológico que acontece em regiões muito secas e muito quentes – a temperatura na região no fim de semana chegava a 40°C. O especialista Celso Oliveira, da Somar Meteorologia, explicou à agência ANSA que a trovada seca é “a precipitação que não consegue alcançar o chão; ela sai da nuvem, mas evapora na queda porque o ar é muito seco”. De acordo com Oliveira, as “nuvens carregadas que se formaram sobre a região central de Portugal vieram acompanhadas de cargas elétricas e foram essas descargas que justamente atingiram a mata seca e iniciaram o incêndio”.
Existe a possibilidade de que se trate de um incêndio criminoso?
O presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), Jaime Marta Soares, acredita que sim. “Mantenho as minhas suspeições sobre as origens criminosas do incêndio”, disse Soares à agência Lusa. Ele sustenta que o incêndio já havia começado quando ocorreram as trovoadas secas, consideradas pela polícia como a causa do fogo. “Tenho para mim, convictamente, que a trovoada foi bastante mais tarde que o início do incêndio. Já o incêndio tinha grandes proporções quando ela começou”, afirmou, alegando que entre “26 a 32% dos incêndios [em Portugal] são causados por pessoas”. Soares foi convidado pela polícia a comparecer “em sede própria [da corporação] e com a maior brevidade possível” para explicar suas suspeitas.
Como as plantações de eucalipto influem na disseminação de incêndios florestais no país?
O eucalipto, a espécie de árvore mais presente em território português, é altamente inflamável. Com 26% de toda sua área florestal e 8,8% do território total do país cobertos por eucaliptais, Portugal fica apenas atrás de Índia, Brasil, China e Austrália em termos de área total de eucaliptos plantados – e estes quatro países têm entre 32 e 104 vezes a área total do território português.
Os eucaliptais servem principalmente à indústria de papel, um dos principais setores industriais do país, e a região onde o incêndio começou e por onde se espalhou tinha plantações da árvore que foram consumidas rapidamente pelo fogo.
Em artigo publicado em 2013 no jornal português Público, o biólogo angolano Jorge Paiva afirma que eucaliptos e pinheiros – árvores ricas em resinas e óleos essenciais e, portanto, altamente inflamáveis – foram substituindo a floresta natural portuguesa, contribuindo para o agravamento dos incêndios florestais no país, comuns durante o verão, que lá acontece entre junho e agosto.
“O eucalipto está perfeitamente adaptado a Portugal, o problema é que Portugal não está perfeitamente adaptado ao eucalipto”, escreveu João Camargo, engenheiro ambiental e deputado do BE (Bloco de Esquerda), no jornal português Visão em 2013.
A expansão do eucalipto contribuiu também para a desocupação das áreas rurais de Portugal, escreve Paiva. “Como os eucaliptos servem quase exclusivamente para a indústria de celulose e como só dá cortes de dez em dez anos, a população não fica no monte durante dez anos a olhar para uma árvore à espera que ela cresça: vem-se embora e vai lá só de dez em dez anos para o corte”, afirma o biólogo, acrescentando que isso também contribui para o rápido alastramento de incêndios florestais, que não são contidos logo que aparecem, já que não há quem os contenha.
Efe
Moradora de Pampilhosa da Serra, no centro de Portugal, em meio a estrago causado por incêndio que deixou 64 mortos até agora
Qual é a situação da guarda florestal e dos bombeiros em Portugal?
Jorge Paiva também aponta, em seu artigo, o desmonte dos Serviços Florestais em Portugal por sucessivos governos desde 1975: “Diminuíram drasticamente o número de guardas-florestais e de técnicos florestais, degradando, simultaneamente, não só o patrimônio construído (abandono das casas florestais da montanha, com milhões de euros de prejuízo), como também o patrimônio tecnológico desses serviços, que deixou de ser funcional”.
Segundo ele, as colinas portuguesas deixaram de ter guardas florestais de prontidão, “que com a sua tecnologia e experiência ajudavam a apagar, de imediato, os incêndios no seu início, pois conheciam muitíssimo bem a floresta e a montanha”.
Já o caso dos bombeiros em Portugal é bem peculiar: segundo o site Observador, há cerca de 30 mil bombeiros na ativa no país, dos quais 92% são voluntários que exercem a profissão em seu tempo livre.
A estrutura associativa dos corpos de bombeiros do país começou a ser estabelecida há 650 anos, segundo Jaime Marta Soares, da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP). Assim, o Estado e a população, por meio de apoio também voluntário, dividem os custos do treinamento e dos equipamentos usados pelos bombeiros voluntários, além do salário simbólico pago a somente um quinto deles, que fica em torno de 500 euros (cerca de R$ 1.800 reais). “São voluntários por opção, mas profissionais”, diz Soares.
Como voluntários, eles reclamam mais financiamento e incentivo do poder público. “Um corpo de bombeiros tem muitas despesas. As viaturas têm desgaste, os quartéis precisam de manutenção”, segue o presidente da LBP. “Os bombeiros andam alegremente a dar o seu melhor, muitas vezes a vida, para que a associação seja dignificada. A vida de bombeiro é de alto risco. Não é como um voluntário numa misericórdia.”
Os bombeiros voluntários são os principais agentes da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) e do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), correspondendo a 96% dos recursos humanos da primeira e 98% do segundo. Em outubro do ano passado, a LBP ameaçou não mais responder às solicitações das duas entidades estatais caso o governo não atendesse a suas reivindicações “em tempo útil”. Entre elas estavam o pagamento às associações de bombeiros das despesas do Dispositivo de Combate a Incêndios Florestais (DECIF) de 2016 e a reposição das viaturas de bombeiros perdidas em combates a incêndios em 2015 e 2016.
Qual foi a reação do governo ao incêndio atual?
O primeiro-ministro português, António Costa, do PS (Partido Socialista), classificou o incêndio que deixou 64 mortos até agora como “a maior tragédia nos últimos anos em Portugal”.
Na segunda-feira (19/06), a chefe de Gabinete de Costa enviou um despacho à Guarda Nacional Republicana (GNR), à Proteção Civil e ao Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) questionando por que a rodovia 236 não foi interditada, se a dificuldade de comunicação pela queda de antenas de transmissão teve algum impacto no comando e execução das operações de socorro – como apontado pela imprensa portuguesa – e se houve “circunstâncias meteorológicas e dinâmicas geofísicas invulgares” que justifiquem a tragédia.
No mesmo dia, o IPMA confirmou que na tarde de sábado foram registradas descargas elétricas na região onde começou o incêndio, reforçando a ideia de que as trovoadas secas tenham originado o fogo, como afirmou a polícia.
Na terça-feira (20/06), Costa disse não ter evidências de tenha havido falhas no comando do combate ao incêndio, mas que as responsabilidades serão apuradas nas próximas semanas.
A GNR respondeu nesta quarta-feira (21/06) que a estrada 236, onde 47 pessoas morreram enquanto tentavam fugir do fogo, foi atingida pelas chamas de “forma totalmente inesperada, inusitada e assustadoramente repentina”, e que não havia “qualquer indicador ou informação que apontasse para a existência de risco potencial ou efetivo em seguir por esta estrada em qualquer dos sentidos”.
Qual foi a reação da oposição ao incêndio?
Nomes da oposição portuguesa criticaram uma suposta “descoordenação” na resposta ao incêndio iniciado no sábado, assim como a falta de investimento em prevenção a incêndios florestais e o foco no combate ao fogo. Além disso, têm ressaltado a falta de freios à expansão do eucalipto no país.
Nuno Serra, deputado do PSD (Partido Social Democrata) disse ter visto “muitas falhas de comunicação e alguma desorientação” na zona do posto de comando. Ele fez parte de um grupo de deputados do partido que visitou o norte do distrito de Leiria nesta quarta-feira (21/06) e destacou “o forte empenho de todas as forças da autoridade, forças policiais e bombeiros no terreno”. “Mas também vimos algo que nos preocupou: alguma descoordenação ou desorientação neste processo”, afirmou à agência Lusa.
Já André Silva, representante do partido PAN (Pessoas, Animais e Natureza), fez uma análise mais profunda ao Observador sobre o agravamento dos incêndios florestais em Portugal. “Tem sido uma aposta política errada dos sucessivos governos apostar sucessivamente em meios de combate ao invés de apostar na prevenção. A disponibilidade financeira gasta em prevenção é significativamente mais reduzida do que aquilo que é apostado nos meios de combate. Deve-se alterar esta forma de pensar e de agir”, declarou.
“O que os estudos e os relatórios têm indicado é que tem havido uma ausência de aposta no ordenamento da floresta. Opta-se por um modelo mais produtivista de monocultura intensiva de plantas que são, no fundo, incendiárias. A isso veio ajudar a lei recentemente publicada que permite aprovações mais facilitadas e arbitrárias de plantações como pinheiros e eucaliptos, que assentam em pressupostos econômicos e de mercado”, acrescentou Silva.
O BE (Bloco de Esquerda) é parte da base do governo de António Costa, mas também destacou a necessidade de estabelecer normas mais rígidas para as plantações de eucaliptos. O deputado Pedro Soares afirmou nesta quarta-feira (21/06) que o BE considera o projeto de Reforma Florestal do governo “insuficiente”. “O projeto do governo não tem forma de controle sobre plantação do eucalipto e do pinheiro ou sobre as manchas florestais contínuas”, disse o parlamentar. O BE quer a criação de “corredores verdes” constituídos por pinheiros e eucaliptos, mas onde haja a presença obrigatória de espécies como carvalhos e sobreiros, árvores de combustão lenta.