Em 30 de janeiro de 1735, na Córsega, uma assembleia, conhecida como Consulta d'Orezza, rejeita a dominação de Gênova e confere à ilha uma Constituição escrita, assim como um hino nacional.
Era o começo de uma “Guerra de Quarenta Anos”. Os insurgentes lutavam em favor da França, que almejava pôr os pés na ilha e de expulsar a República de Gênova, no controle da Córsega desde 1284, após vencer a Batalha de La Meloria.
No limiar do “Século das Luzes”, a República de Gênova não era mais do que a sombra de si mesma e os corsos não suportavam mais a condição de vassalagem.
Uma primeira revolta eclode em 27 de dezembro de 1729, quando um magistrado pretendeu subtrair um bem de um pastor da aldeia de Borziu a pretexto de pagamento de imposto. Um ano mais tarde, a revolta camponesa é apoiada e substituída pelos notáveis locais. Uma assembleia, a consulta, designa três dentre eles para comandar a insurreição. Tratava-se de Luigi Giafferi, Andrea Ceccaldi e o abade Marc-Aurèle Raffaelli.
Gênova pede ajuda ao imperador alemão Carlos VI de Habsburgo, que envia 8 mil homens sob o comando do Barão de Wachtendonck. Graças e esse reforço, a República derrota os notáveis corsos e os envolve com belas promessas.
Todavia, o fôlego é de curta duração. A partir de 1734, por iniciativa do general Giacinto Paoli, pai de Pasquale, o futuro “Pai da Pátria”, a guerra é retomada. Foi então que se reuniram em Orezza os delegados de toda a ilha. Rejeitam oficialmente a soberania genovesa e se outorgam uma Constituição.
Esta Constituição do Reino da Córsega introduz a soberania do povo e a separação dos poderes. Prevê um executivo de três Primados e uma Assembleia Popular – a Consulta – formada pelos eleitos de 90 cantões.
Redigida pelo advogado de Ajaccio, Sebastianu Costa, jamais entraria de fato em vigência, porém inspiraria algumas décadas depois os Insurgentes da América e os revolucionários de Paris.
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Conhecida como Consulta d’Orezza, rejeita a dominação de Gênova e confere à ilha uma Constituição escrita
Na mesma ocasião, os insurgentes corsos se atribuem um hino nacional. É o “Dio vi Salvi Regina” (Que Deus vos proteja, ó Rainha). A assembleia sai em busca de um monarca e oferece a coroa da Córsega ao rei da Espanha, mas este a recusa.
Em 20 de março de 1736, um curioso personagem desembarca em Aléria de um navio inglês. O barão Theodore von Neuhoff traz consigo uma boa quantidade de armas e de munição. Põe sua fortuna a serviço dos insurgentes e recebe deles, em recompensa, a coroa desdenhada pelo rei da Espanha.
Alguns meses depois, desencorajado pelas disputas intestinas e pela contraofensiva diplomática de Gênova, o rei Theodore sobe novamente ao navio em direção ao continente, em busca de apoios diplomáticos.
Somente os ingleses se mostravam interessados em ajudar os revoltosos. Queriam tirar partido da insurreição para poder pôr os pés na Córsega. O primeiro ministro francês, cardeal Fleury, responde aportando sua ajuda aos genoveses em 1737.
As tropas francesas entram na batalha no ano seguinte, sob o comando do conde de Boissieux e posteriormente do marechal Maillebois. Batidos, os insurgentes retomam as armas pouco tempo depois, em 1743. O marquês de Cursay pacifica a ilha e os franceses se retiram, por fim, dois anos mais tarde.
No entanto, na Córsega, debaixo das cinzas, o fogo estava vivo. Pasquale Paoli, 30 anos, assume o bastão de seu pai e subleva o povo. Cria um “Reinado da Córsega” independente e sem rei. Ele mesmo é proclamado general-em-chefe da Consulta em 1755. Corte, no centro da ilha, foi designada como capital do novo reino, longe das litorâneas Ajaccio e Bastiá.
Uma nova constituição é votada no mesmo ano. Inspirada Na obra O Espírito das Leis, de Montesquieu, estabeleceu a separação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Outorgou também o direito de voto aos cidadãos e cidadãs de mais de 25 anos. Pode ser considerada como a primeira Constituição escrita da História que recebeu um início de aplicação. A precedente, aquela de 1735, não tivera esta chance.
Pasquale Paoli empurra os genoveses para a costa, manda dessecar os pântanos, funda uma cidade nova sobre a costa, a Ilha Rousse, abre uma universidade, moderniza as instituições e chega mesmo a pedir ao filósofo Jean-Jacques Rousseau, que tinha acabado de publicar o Contrato Social, um novo projeto de constituição para a Córsega em 1765.
Cansada de guerras, Gênova cede “provisoriamente” seus direitos sobre a Córsega à França pelo Tratado de Versalhes de 1768. Um ano depois, Napoleão Bonaparte nascia em Ajaccio.
(*) A série Hoje na História foi concebida e escrita pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.