Atualizada em 07/02/2018 às 14:26
Em 8 de fevereiro de 1915, enquanto a Europa se engalfinhava na tenebrosa e sangrenta Grande Guerra, os norte-americanos descobrem o filme “Nascimento de uma Nação”.
Este filme de David Wark Griffith conta a história da Guerra de Secessão, que havia terminado 50 anos antes. É fortemente impregnado de preconceitos racistas e faz o elogio da Ku Klux Klan. A película surge como a primeira superprodução da história.
Com este filme, o cinema sai de uma espécie de teatro filmado. De um custo inicial de 100 mil dólares, consumiu infinitamente mais e ainda se mostrou um dos mais rentáveis da história do cinema. Graças a ele, os estúdios de Hollywood se tornaram o grande centro da produção cinematográfica mundial.
Griffith (1875-1948) é um dos grandes pioneiros do cinema e considerado o criador da linguagem cinematográfica como hoje conhecemos, devido à instauração de elementos como a montagem, a profundidade de campo, a combinação de cenários naturais com os interiores do set de filmagem, etc. A montagem simultânea, que se converteria num selo de identidade de seu estilo desde que a utilizara em “The Lonely Villa” (1909), tem sua origem em “The Great Train Robbery” (1903) dirigido por Edwin Porter.
Se há algo em que Griffith é o autêntico criador é a montagem narrativa, cuja finalidade é fazer avançar a narração de maneira estritamente lógica, com atenção para a continuidade da ação.
Desde seu primeiro curta-metragem como diretor em “The Adventures of Dollie” (1908), Griffith construiu estruturas rítmicas e expressivas profundamente pessoais que se iriam modificando ao longo de seus mais de 500 filmes para alcançar o auge em 1915 com “O Nascimento de uma Nação”.
Com mais de 3 horas de duração, a película é uma obra capital e representa um paradigma do épico no cinema. Sua influência foi determinante. A fusão entre a poética e o realismo seria chave no estilo do diretor John Ford, quem estrearia no cinema dois anos depois. À parte, sua ideia de montagem condicionaria os cineastas soviéticos, como Eisenstein e Pudovkin, os quais, a partir dos anos 1920, revolucionariam o conceito da edição cinematográfica com as vistas postas nos achados de Griffith.
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“O Nascimento de uma Nação” se divide em 3 grandes blocos de similar construção. A primeira parte expõe a história de duas famílias, os Cameron (secessionistas) e os Stoneman (unionistas), nos meses prévios à eclosão da Guerra Civil. O segmento central mostra a barbárie do conflito e o terceiro bloco, o mais extenso, incide na humilhação do Sul e o triunfo da Ku Klux Klan.
As características da montagem alternada se repetem nas 3 partes, constituindo a base sobre a qual o filme se sustenta. Até 4 ações simultâneas se desenrolam sem que nenhuma prevaleça sobre a outra, chegando a seu máximo nível no apoteótico final em que Griffith assenta, definitivamente, sua ideia de cinema como espetáculo emotivo.
Foi a constatação definitiva da plena maturidade de um estilo que tem o gosto pelo detalhe, outra de suas características básicas. São constantes os planos curtos com o fim de ressaltar emoções, não somente no que respeita ao rosto dos atores, mas também em partes de seus corpos, valendo-se da utilização do tempo e do espaço. A linha que unifica todo o filme reside na decisiva importância dos níveis emocionais, afastando-se por completo dos fatores racionais.
Não obstante, “O Nascimento de uma Nação” é uma das películas mais controvertidas de toda a história do cinema. O filme tornou-se uma apologia do racismo tão visceral que mesmo no momento da rodagem recebeu sérias críticas de vários setores a favor da igualdade, levando a que muito poucos atores negros se dispusessem a participar da filmagem. Os papeis de peso que requeriam intérpretes negros foram desempenhados por brancos convenientemente maquiados.
O fato de que Griffith era filho de um soldado confederado pode, em parte, explicar o caráter da produção e sua apaixonada defesa dos métodos da Ku Klux Klan, organização criada após o fim da Guerra de Secessão por veteranos sulistas.
No entanto, a exemplo do que sucedeu com os documentários de Leni Riefenstahl, o fator cinematográfico acaba impondo-se aos perigosos aspectos ideológicos. Neste caso, não se deve entender a obra como um panfleto racista e sim como a construção de um modelo de sintaxe cinematográfica que marcou um momento crucial no transcurso da Sétima Arte.