Em 14 de março de 1937, o Papa Pio XI publicou uma Carta Encíclica intitulada “Mit Brennender Sorge” (“Com profunda preocupação”),em que condenava o nacional-socialismo alemão e sua ideologia racista. Esta havia sido a primeira crítica oficial ao nazismo feita por um chefe de Estado e contém um ataque a Adolf Hitler, referindo-se a ele como “profeta louco de arrogância repulsiva”. É um dos dois únicos documentos da Santa Sé escritos em língua diferente do latim ou grego, juntamente com a Encíclica “Non Abbiamo Bisogno” (1931), que criticava o fascismo italiano.
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Como a mensagem era destinada especificamente ao povo germânico, Pio XI optou por redigir a Encíclica em alemão. Pronta, foi enviada clandestinamente para a Alemanha e então reproduzida por membros da Igreja Católica. Cópias foram distribuídas aos bispos, padres e capelães para serem lidas em todas as paróquias alemãs no dia 21 de março, durante a missa de Domingo de Ramos, quando a presença de fiéis costuma ser a maior do ano litúrgico.
A Encíclica atacava o racismo e o “Führer” com uma agressividade raramente vista em documentos papais. Numa época em que Hitler ainda gozava de prestígio junto à opinião pública internacional, a carta surpreendeu pelo tom firme. Foi alvo de críticas da imprensa secular francesa, que ainda defendia uma coexistência pacífica com a Alemanha.
[Pio XI assumiu papado de 1922 até sua morte, em 1937]
“Mit Brennender Sorge”, que condenava os erros do nazismo e sua ideologia racista e pagã, falava de “direitos humanos inalienáveis dados por Deus” e invoca uma “natureza humana” que passa por cima de barreiras nacionais e raciais. No documento, Pio XI advertia: “Todo aquele que tome a raça, o povo ou o Estado (…) e os divinize num culto idolátrico, perverte e falsifica a ordem criada e imposta por Deus”.O Papa criticava o que chamava de “mito de sangue e solo”, afirmando que o catolicismo é incompatível com a exaltação de uma determinada raça sobre as demais.
Apesar de ainda não se saber à época a extensão real da perseguição contra os judeus, o pontífice também condenou o antissemitismo, reafirmando que a doutrina católica pune com a excomunhão quem promove perseguições contra judeus por motivos raciais ou religiosos. O texto ressalta ainda o caráter indissolúvel da aliança entre Deus e o povo israelita, e lembra que foi tomando uma natureza humana semita que a eternidade irrompeu na história.
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Ao se dirigir aos religiosos católicos da Alemanha, a Encíclica dizia: “A todos aqueles que conservaram a fidelidade prometida na ordenação, àqueles que, no cumprimento de seu ofício pastoral, tiveram e têm de suportar dores e perseguições – alguns até serem encarcerados ou mandados a campos de contração -, a todos estes chegue à expressão da gratidão e o encômio do Pai da Cristandade”.
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A leitura da carta nas missas do domingo de Ramos em todos os templos católicos alemães, que eram então mais de 11 mil, constituiu-se numa enorme surpresa para os fiéis, as autoridades e a polícia. Seu impacto entre as elites dirigentes alemãs foi contundente. Em toda a curta história do Terceiro Reich, nunca tinha havido uma contestação tão ampla e com a repercussão que se aproximasse sequer da produzida com a “Mit Brennender Sorge”.
[Cópia da Carta Encíclica de 1937 – única escrita em alemão]
No entanto, o controle rígido que Hitler exercia sobre a imprensa e a falta de liberdade de circulação de informações impediu que o impacto fosse ainda maior entre as massas, sendo seu conteúdo censurado e respondido com uma forte campanha publicitária anticlerical. No dia seguinte à leitura nos pulpitos, todas as paróquias e escritórios das dioceses alemãs foram visitados por oficias da Gestapo, que apreenderam as cópias do documento.
Como era de se esperar, no mesmo dia o órgão oficial nazista, Völkischer Beobachter, publicou uma primeira resposta à Encíclica, mas foi também a última. O ministro alemão da propaganda, Joseph Goebbels, foi suficientemente perspicaz para perceber a força que havia tido a declaração. Com o controle total da imprensa e do rádio, entendeu que o mais conveniente era ignorá-la completamente e censurar tanto seu conteúdo como quaisquer referências a ele.
Após a leitura e publicação da carta, as perseguições anticatólicas tiveram lugar, e as relações diplomáticas entre Berlim e Vaticano ficaram severamente estremecidas. Em maio de 1937, 1100 padres e religiosos foram lançados nas prisões do Reich. No ano seguinte, 304 sacerdotes católicos foram transferidos para o campo de concentração de Dachau. Paralelamente, as organizações católicas foram dissolvidas e as escolas confessionais, interditadas. Até a queda do nazismo, cerca de 11 mil sacerdotes católicos – quase metade do clero alemão dessa época – “foram atingidos por medidas punitivas, política ou religiosamente motivadas”.
Também nesta data:
1883 – Morre pensador alemão Karl Marx
1978: Israel invade sul do Líbano para atacar tropas palestinas