O presidente haitiano Michel Martelly deverá cumprir, ao que tudo indica, sua promessa de campanha de restaurar o exército do país, dissolvido desde 1995. No início deste mês, a Presidência do Haiti confirmou que uma comissão governamental, criada em novembro para estudar a viabilidade da medida, recomendou a restituição das Forças Armadas do país.
“Minha decisão é resultado de uma longa e profunda reflexão, feita muito antes das promessas emocionais de uma campanha”, argumenta Martelly, em resposta às inúmeras críticas da oposição e de países como Estados Unidos e Canadá, à medida. O presidente afirma ainda que “a dignidade do povo haitiano virá com a criação das Forças Armadas”, prevista para este ano, com a contratação de um contingente inicial de 3.500 homens.
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Galeria – Haiti: dois anos depois do terremoto
Alguns setores oposicionistas condenam a ideia por acreditar que a restauração do exército poderia ameaçar a paz, por aumentar as possibilidades de golpes de Estado. O exército, que contava com cerca de oito mil homens, foi dissolvido pelo então presidente Jean Bertrand Aristide, que quatro anos antes havia sido derrocado por um levante liderado pelo general Raoul Cédras.
Galeria – Haiti: dois anos depois do terremoto (fotos por Aldo Jofre Osorio)
O principal argumento contra a medida – sustentado pelo partido Inite, do ex-presidente René Préval -, no entanto, remete aos gastos necessários para a recuperação do exército, que seriam melhor investidos para solucionar os problemas habitacionais do meio milhão de haitianos que continua desabrigado desde o terremoto de janeiro de 2010, e para reconstruir Porto Príncipe, capital do país, onde quase todos os edifícios públicos reduziram-se a escombros.
Segundo Martelly, a restituição das forças armadas exigiria um investimento de 95 milhões de dólares. Defensores da medida afirmam que este seria um passo para a substituição da Minustah (Missão de Paz das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti), atualmente encarregada da segurança do país com a Polícia Nacional Haitiana, cujo gasto anual se aproxima dos 800 milhões de dólares.
“O novo exército intervirá nos casos de desastres naturais e trabalhará para garantir a integridade nacional”, defende o governo, citando as conclusões da comissão de estudo da restituição da força militar. Segundo Martelly, o novo exército combateria o narcotráfico e o crime organizado, além de auxiliar na vigilância da fronteira com a República Dominicana e na proteção do meio-ambiente.
Críticas
O governo dos Estados Unidos criticou o anúncio, alegando que o investimento previsto pelo presidente haitiano seria melhor empregado para o fortalecimento da débil polícia nacional, para a ampliação de sua atuação na segurança da população. As autoridades canadenses, por sua vez, afirmaram que os haitianos têm necessidades mais prioritárias do que a restituição das forças armadas.
O antigo embaixador da República Dominicana no Haiti, Guarionex Rosa, afirmou à agência estatal chinesa Xinhua temer que a decisão de Martelly desate uma “nova e desnecessária corrida armamentista no Caribe”, sobretudo com a vizinha República Dominicana.
No início de dezembro, o ex-presidente da Costa Rica, Oscar Arias, advertiu que a restauração do exército “seria um erro”. Nas duas páginas de uma carta enviada ao mandatário haitiano, Martelly, o prêmio Nobel da paz afirmou que os milhões de dólares destinados à nova força armada seriam melhor investidos em saúde, educação e no fortalecimento de outras instituições haitianas.
“Na América Latina, a maioria dos exércitos são inimigos da paz e inimigos da liberdade”, afirma na carta, segundo a Associated Press. Arias citou como exemplo os casos da Costa Rica e do Panamá, que segundo ele, dividem a fronteira “mais pacífica do mundo”, desde que seus exércitos fossem dissolvidos em 1948 e 1995, respectivamente.
“Não é à toa que estes dois países também tenham as economias mais bem-sucedidas da América Central, porque o pinheiro que antes investiríamos em nossos exércitos, agora é destinado à educação de nossas crianças e à saúde de nossos cidadãos”, escreveu.
Substituição da Minustah
O debate sobre a restauração do exército surge em um momento de maior animosidade à presença estrangeira no país. Alguns protestos contra a Minustah foram realizados nas ruas de Porto Príncipe após a difusão de suspeitas de que a epidemia de cólera, que já matou 7.000 haitianos, teria sido trazida ao país por soldados da ONU.
Além de os primeiros focos da doença terem sido detectados nas cercanias do batalhão do Nepal, estudos apontam que a bactéria propagada no país é compatível com a de áreas endêmicas do sul asiático. A Minustah nunca assumiu responsabilidade pelo surto, iniciado em outubro de 2010. Até então, a cólera estava erradicada há 100 anos na região do Caribe.
Outro motivo da queda de popularidade da presença militar no país se deve ao vazamento de vídeo no qual seis oficiais da marinha uruguaia parecem abusar sexualmente de um haitiano de 19 anos. Na última segunda-feira (09/01), os soldados, que tinham sido processados e presos, receberam liberdade condicional.
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