*Texto originalmente publicado pela agência Envolverde/IPS
Não creio que a Grécia chegue a ser expulsa da União Europeia (UE), apesar de alguns líderes do Velho Continente, sem compreender a essência do que é ser europeu, pensarem que ao menos pode ser separada facilmente da zona do euro e que assim tudo – em matéria de crise – ficará resolvido. Porque não só tal expulsão não seria fácil como o problema se agravaria.
O euro é uma moeda forte – mais que o dólar e a libra esterlina – e, se a Grécia fosse expulsa, o euro sofreria fortes convulsões, o que colocaria em grande perigo o próprio projeto da Comunidade Europeia. Portugal, Itália, Espanha, Bélgica e inclusive França, que está às vésperas de eleições presidenciais nas quais há grandes probabilidades de Nicolas Sarkozy ser derrotado, entrariam em grave crise.
A União Europeia sem o euro tenderia a se desagregar e, curiosamente, o maior perdedor seria a Alemanha, primeira responsável pelo colapso. A chanceler Angela Merkel, também com eleições à porta – em meados de 2013 – seria derrotada eleitoralmente.
Por isso, apesar de a situação europeia e dos Estados integrantes da UE ser de completa desorientação, supomos que os atuais líderes europeus, por mais medíocres e sem visão que sejam, não se atreverão a dar o primeiro passo para o abismo ao deixarem a Grécia cair.
Sei que os economistas – tão frequentemente alheios à cultura – só levam em conta o dinheiro e não as pessoas. Talvez, alguns deles não saibam, ou simplesmente não tenham em conta, o que representa a Grécia para a cultura ocidental. Porque a Grécia não é um país qualquer. Foi o berço da nossa civilização. Os melhores pensadores europeus – incluindo os alemães – quando se referem à Grécia falam da sabedoria grega com reverência e citam respeitosamente Homero, Hesíodo, Sócrates, Platão, Péricles, Aristóteles ou Sófocles, para citar apenas alguns de seus principais pensadores e intelectuais.
A verdade é que o espírito racional e humanista da cultura grega conquistou o mundo. A ela devemos a filosofia, a matemática, a ciência, os mitos e as tragédias, a literatura, a democracia, a história e a influência que teve sobre Roma. Sem a Grécia, o Império Romano não teria sido o mesmo. Foi depois, em El Andalus, que, graças a Averroes e outros pensadores islâmicos inspirados pelos gregos, a sabedoria grega chegou até o outro extremo da Europa, a Península Ibérica. Isso influiu para que, a partir do Século 15, com os descobrimentos, portugueses e espanhóis fizessem com que o mundo fosse um só. Por outro lado, o nome Europa vem dos gregos e de sua mitologia.
Um povo com este histórico – do qual logicamente está orgulhoso – não pode ser tratado como o fazem os mercados especulativos, as troikas e as agências de ratting a serviço do grande capital. A Grécia entrou para a Comunidade Econômica Europeia, muito festejada, antes de Portugal e Espanha, pelas mãos de Valèry Giscard d’Estaing, então presidente da França.
Não é aceitável que um ministro alemão, economicista o quanto basta, injurie agora os gregos e, com os olhos postos somente no “vil metal”, os trate de folgados e incapazes e insinue que deveriam ser expulsos da Europa. Com que autoridade diz isso? O presidente da Grécia, Lucas Papademos, com o orgulho ferido, respondeu como cabia. Felizmente. Mas, não bastou. A Grécia viveu mais de sete meses à espera de que a Europa lhe fizesse um empréstimo de 130 bilhões de euros sujeito a terríveis medidas de austeridade, com sua população desesperada. E agora o que mais deverá suportar?
Quando os conflitos chegam a este nível, tão baixo e insensato, no qual a solidariedade desaparece, não é de estranhar que os Estados não europeus desconfiem da estabilidade europeia e aproveitem para tirar partido da situação. E isto pesa na consciência de todos os europeus. Não apenas na dos gregos.
Pobre Europa! Quem a viu e quem a vê!
* Mário Soares é ex-presidente e ex-primeiro-ministro de Portugal.
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