O projeto de lei enviado pelo governo argentino ao Senado para a expropriação de 51% das ações da empresa pertrolífera YPF, cuja maior participação pertence ao grupo espanhol Repsol, obteve nesta quarta-feira (18/04) a aprovação de três comissões legislativas.
Apesar do apoio à iniciativa, partidos opositores como a UCR (União Cívica Radical) e a FAP (Frente Ampla Progressista) questionaram a eficiência da política energética levada a cabo na última década, levando a Argentina a uma crise energética que desestabilizou a balança comercial e tornou escassa a oferta de gasolina comum nos postos de combustível do país.
Durante as reuniões plenárias realizadas nos últimos dois dias para discutir o projeto de lei, um dos principais pontos levantados foi a divisão de cerca de 90% das utilidades da empresa entre acionistas privados e pagamento de empréstimos, a falta de investimentos realizados pela subsidiária da Repsol no país e a baixa produtividade da empresa, que gerou uma demanda progressiva de energia importada.
Os questionamentos derivam das justificativas da presidente argentina, Cristina Kirchner, e do vice-ministro da Economia, Axel Kicillof, de que a expropriação garantirá o auto-abastecimento de combustível no país, já que em 2011, a Argentina, que possui a terceira maior reserva não convencional de gás e petróleo do mundo, obteve um déficit energético de 3,02 bilhões de dólares.
Kicillof queixou-se, durante discurso em reunião plenária, de que o grupo espanhol encontrava “atalhos” na regulação argentina de hidrocarbonetos para reduzir investimentos na empresa e de ocultar das autoridades estatais informações a respeito de novas jazidas, níveis de reservas esperados e contabilidade.
As alegações, no entanto, foram postas em cheque pelo senador radicalista Luis Carlos Petcoff Naidenoff: “O atual governo, com nove anos de gestão, teve nas mãos todas as normativas para controlar a YPF”, disse, com base em artigos da lei de hidrocarbonetos, que prevê a responsabilidade do poder Executivo de controlar produtoras e refinadoras de petróleo.
Mencionando o terceiro artigo da legislação, que determina que o governo fixe uma política nacional com o objetivo de satisfazer as necessidades nacionais de hidrocarbonetos “mantendo reservas que assegurem esta finalidade”, acusou: “Não é que [os diretores da YPF] escaparam [de suas responsabilidades], o governo nacional atual deixou que escapassem”.
Segundo Naidenoff, o prévio conhecimento da política de dividendos da empresa direcionada à evasão de dólares e os aumentos da energia importada anualmente – de 2,6 bilhões de dólares em 2009, 4,4 bilhões em 2010 e 9,3 bilhões em 2011 – demonstram que a crise energética “que se arrebenta na cara dos argentinos” não é recente.
Para o economista da Fundação Standard Bank e ex-subsecretário de Comércio Exterior, Raúl Ochoa, a atual política do setor “facilitou que o grupo espanhol fosse consumindo mais e mais reservas, até que a YPF tivesse muito menos importância estratégica do que originalmente”. Segundo ele, “o capitalismo não muda da noite para o dia, mas os países têm a responsabilidade de adequar o controle da gestão de negócios”.
Segundo Ochoa, a atual conjuntura da YPF não se deve especificamente à sua privatização durante o governo de Carlos Menem, em 1999. “Já passaram muitos anos desde o início da administração dos Kirchner, e nestes nove anos não houve mudança. A empresa espanhola extraiu reservas e não repôs, mas a autoridade de aplicação para que isso não aconteça é estatal”, explicou ao Opera Mundi.
Escassez de combustível
A falta de eficiência da política energética do Estado argentino, segundo os opositores, derivou em consequências opostas às previstas a legislação de regulação do setor, como restrições na oferta de combustível. Uma queixa frequente entre motoristas portenhos é a falta de gasolina comum nos postos, por exemplo, em benefício da venda exclusiva de gasolina “Premium”, cujo litro é vendido a preços mais altos.
Para o ministro de Planejamento da Argentina, Julio De Vido, trata-se de uma política deliberada da empresa, baseada na estratégia de segmentação do mercado. Segundo afirmou na sessão plenária, desde que a espanhola Repsol adquiriu o pacote majoritário das ações da YPF, em 1999, o número de poços de petróleo explorados no país caiu significativamente.
De uma média de 110 registrada no período estatal da empresa e de quase 300 no de participação acionária mista, o número de poços em exploração caiu para 30, em 2010. Segundo o vice-ministro de Economia, a redução da participação da YPF no mercado argentino é resultado desta política de desinvestimento.
“É um grupo transnacional que não pensa no trabalhador e no motorista argentino. Não sei onde está, nas prioridades da Repsol, quanto nossas indústrias e nossas geradoras elétricas vão pagar pelo combustível, se a produção nacional será ou não suficiente”, argumentou Kicillof, que esteve em reuniões diretivas da YPF na categoria de “observador”.
Falta de incentivos
Uma das justificativas para o baixo investimento do grupo espanhol no país, segundo especialistas argentinos consultados pelo Opera Mundi é a falta de incentivos à produção da atual política energética. Enquanto o barril de petróleo está cotizado em cerca de 105 dólares no mercado internacional, o governo fixa em cerca de 65 dólares a venda interna.
A mesma pressão comercial é exercida sobre o preço do gás, subsidiado pelo Estado. A YPF, concessionária de cerca de 30% das reservas do país, perdeu, desde 2009, a liderança na produção do recurso para a francesa Total Austral, que atua em 8% das reservas.
Ricardo Delgado, economista e diretor da consultora argentina Analytica, acredita que a volta da participação do Estado na atividade petrolífera é uma iniciativa boa, mas que não deve resolver o déficit energético do país em curto prazo. Segundo ele, as responsabilidades pela atual conjuntura do setor são tanto do governo, como do grupo espanhol.
“O governo tem sua parte de responsabilidade pela falta de incentivos às empresas estrangeiras, mas a Repsol também tem grande responsabilidade, já que basicamente tentava compensar esta brecha com uma política de dividendos muito mais agressiva do que a necessária. E receberam muitos sinais do governo, que pedia mais investimentos e menos envio de dividendos para a Espanha, que vive uma situação particular”, explica.
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