Balazs Gardi / basetrack.org
Após cobrir por dez anos o conflito no Afeganistão e enfrentar a dificuldade de vender e publicar seu material como fotógrafo independente, esbarrando em barreiras e restrições editoriais, o fotógrafo húngaro Balazs Gardi, de 37 anos, apostou numa ideia simples mas inovadora ao utilizar um iPhone para registrar o dia a dia dos soldados norte-americanos.
Junto com outros quatro fotógrafos – o nova-iorquino Teru Kuwayama, a canadense Rita Leistner, o inglês Omar Mullick e o húngaro Tivadar Domaniczky – Balazs Gardi fundou, em 2010, o coletivo Basetrack com apoio da Fundação Knight. Por seis meses, o grupo de repórteres e fotógrafos multimídia foi para o palco de operações e acompanhou a rotina de mil fuzileiros, os marines, do 1º Batalhão do 8º Regimento, durante sua temporada no Afeganistão.
Balazs Gardi, que atualmente vive em Dubai mas passa a maior parte do tempo em viagens “on the road” como define, conversou com o Opera Mundi em breve passagem pelo Rio de Janeiro para o lançamento da revista semestral de fotografia contemporânea do Instituto Moreira Salles. As fotos do projeto Basetrack estão na segunda edição da ZUM#2.
Basetrack
Gardi conta que tudo começou quando conheceu seu amigo Teru K, em 2000, num workshop da World Press Photo para novos fotógrafos emergentes, na Holanda. A partir do interesse comum pelo Afeganistão, a dupla empreendeu diversas viagens para o país.
Fabiola Ortiz/Opera Mundi
A primeira vez em que esteve no Afeganistão foi em 2001, logo após o atentado às Torres Gêmeas em Nova York. Na ocasião, Gardi (FOTO AO LADO) ainda trabalhava para um jornal na Hungria e foi enviado para cobrir durante uma semana o conflito. Após sete anos de jornal, Gardi resolveu apostar nos seus projetos pessoais e ir atrás de seus próprios questionamentos. Desde então, esteve muitas vezes no país.
“Tinha meus interesses e queria me manter independente e livre do controle editorial”, afirma Gardi ao lembrar que o maior problema como freelancer era publicar seu trabalho fotográfico. “Em 2003, a atenção da mídia voltou-se para o Iraque e, por anos, a imprensa deixou de cobrir o Afeganistão. Inicialmente havia uma euforia pelo possível fim do Talibã. Mas muitas coisas deram errado no Afeganistão e a imprensa não estava lá para cobrir”. O seu interesse era dar visibilidade ao que pouco se prestava atenção, conta: “Às vezes achei até mais difícil dar meu trabalho de graça. Muitos editores não tinham interesse, como se o Afeganistão fosse coisa do passado”.
Dessa forma, o coletivo Basetrack, que começou em agosto de 2010, foi uma solução encontrada pelo grupo para driblar a dificuldade de expor seu trabalho. O iPhone foi o instrumento multimídia escolhido para documentar a guerra no front e a vida dos combatentes dento da base. Gardi explica que a escolha pelo telefone, além de ser barato, era prático, porque permitia aos repórteres fotografar e gravar sons, vídeos e entrevistas.
“Uso câmeras com filme preto e branco, câmeras de plástico chinesas e o iPhone é apenas uma versão digital destas câmeras de brinquedo. Tira fotos muito boas e com qualidade. Os softwares de pós produção são aplicativos baratos, como o que usamos Hipstamatic e custou 2 dólares. O iPhone é a minha câmera profissional mais barata, só custou 800 dólares e é uma ferramenta que tem basicamente tudo que um jornalista precisa hoje”, argumentou.
Embedded
Gardi esteve no Afeganistão neste projeto por dois meses. Os correspondentes se alternavam em turnos. Ele conta que não mostravam apenas a guerra, mas a vida dos soldados em seus quarteis, muitas vezes entediante e ociosa. “É perigoso sair da base. Eles saiam só para lutar. É uma situação complexa porque viam a população como inimiga”.
Fazer uma cobertura embedded (inserido) sob a proteção de militares não é seu “jeito preferido” de cobrir conflitos, mas era o mais seguro, admite Gardi. “Se eu saísse da base militar sem estar acompanhado pelos soldados, poderia ser sequestrado em questão de minutos. Às vezes esta é a única forma de fazer cobertura”.
Foram centenas de fotos tiradas no front e na base, quase tudo era publicado no website criado para o projeto. Uma das barreiras era a péssima conexão de internet, outro obstáculo era a censura. “Às vezes tínhamos que publicar muito depois por razões de segurança ou não publicar. Tínhamos que ter muito cuidado quais fotos mostrar e quando. Havia certas regras que tínhamos que seguir enquanto estávamos embedded”, salientou.
Balazs Gardi / basetrack.org
Expulsos do front
Após quase seis meses de experimento multimídia, os repórteres foram desconvidados pelos militares. O projeto do coletivo de fotógrafos se mostrou inovador demais para o governo norte-americano. Mesmo assim, a experiência parece ter rendido frutos e ter sido bem aceita pelos próprios soldados.
A maior parte dos cerca de 3.500 visitantes que frequentavam o site e também formada por internautas que comentavam nas redes sociais como Facebook a Twitter, eram familiares, parentes e amigos dos fuzileiros. O Basetrack se tornou uma das poucas formas de contato e de obter notícias de seus parentes na guerra. “Éramos quase a única ponte entre os parentes e os militares do front”, lembra.
Apesar de cobrir o conflito no Afeganistão há 10 anos, Gardi não se considera um fotógrafo de guerra. Quando perguntado se o coletivo Basetrack fundou um novo estilo de linguagem fotográfica ao optar por ferramentas simples num trabalho profissional, ele recusa ter inovado.
Balazs Gardi / basetrack.org
“Não acho que criamos um novo estilo, muitas outras pessoas já faziam o mesmo antes de nós. É uma ferramenta diferente que cria um outro imaginário. Eu fui um dos primeiros fotógrafos profissionais a fazer o que muitos amadores já faziam. A linguagem continua sendo fotográfica, não importa qual instrumento você usa para criar fotos, e sim a fotografia em si mesma”, reflete.
Conflito sem resolução
Questionado sobre as suas impressões sobre o conflito que completou uma década sem resolução e deixou um saldo de mais de 13 mil mortos, Gardi afirma que o deserto no Afeganistão é uma das piores guerras que se pode existir e os maiores riscos não eram apenas as trocas de tiros, mas as minas terrestres. Ele presenciou explosão de carros e comboios por terem passado por cima de uma mina.
“Não sei o que seria uma guerra bem sucedida, não sei nem se esta palavra poderia definir uma guerra. Nenhuma guerra e necessária, não vale a pena. Uma guerra bem sucedida é aquela que você não usa armas e assina um acordo de paz antes matar as pessoas”, defende.
Gardi já tem um projeto em andamento, desta vez sobre a crise de água no mundo. Nos últimos sete anos, realiza um projeto pessoal chamado Facing Water Crisis (enfrentando a crise de água). “Tenho viajado o mundo e coletado histórias sobre água. Estive em vários continentes e dezenas de países na Europa, América do Norte, alguns países na América do Sul, na África e no mundo árabe”. Em 2007 e 2009, Gardi esteve no Brasil para fotografar a vida de brasileiros em assentamentos precários ou favelas.
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