“Meu seguro desemprego havia acabado e a ajuda social do governo não era suficiente para as contas da família. Não tinha atrasado o aluguel da casa, mas a próxima escolha era entre os pagamentos e o padrão de alimentação.”
A situação era improvável para Luis Carreira, 50 anos, morador de Montijo, a 30 quilômetros de Lisboa, região metropolitana. Casado, com três filhos e uma vida estável, o ex-diretor de uma empresa de informática sequer notava a existência de programas de assistência social em Portugal, até que ficou sem emprego por cinco anos e suas economias acabaram, assim como a ajuda governamental.
Carreira é um dos 114 mil trabalhadores portugueses que estão há mais de dois anos e um mês em busca de emprego, segundo o INE (Instituto Nacional de Estatísticas), o IBGE luso. O país, que tem 5,5 milhões de habitantes em idade para trabalhar, enfrenta taxa recorde de desemprego desde que as medições oficiais começaram, na década de 1980. São 9,8%, ou quase 550 mil pessoas sem emprego, divulgou o governo em 17 de novembro. O terceiro trimestre de 2009 foi considerado o pior desde 1998.
“Boa parte dos trabalhadores já parou de receber o seguro desemprego”, conta o advogado trabalhista Filipe Fraústo da Silva. Os pagamentos vão de nove meses a pouco mais de três anos, dependendo da idade e tempo de trabalho registrado de cada um. Os que estão há mais de 25 meses em busca de ocupação são a maioria.
Para Fraústo, o desemprego de longa duração já é estrutural, o que impede que todos se mantenham contemplados pelo sistema de seguridade social. “Nossa assistência tem um nível razoável – apesar de não termos chegado ao patamar do norte da Europa –, mas não há sistema preparado para uma crise como essa”, explica.
Constrangimento
“É com esses novos desempregados que Portugal se depara nos últimos meses”, afirma Isabel Monteiro, diretora técnica do centro social organização católica Caritas, em Setúbal, região metropolitana de Lisboa. “São pessoas que não conhecem os mecanismos de ajuda filantrópica. Têm preconceito, pois jamais imaginaram que precisariam deles e chegam aqui até um ano após terem sido demitidos, por não terem mais a quem recorrer”, explica. É o fenômeno social chamado de ‘pobreza envergonhada’.
A Caritas desenvolveu um programa com esse nome para os que pedem, além da ajuda financeira, discrição, e distribui cupons para compras de 5 a 25 euros (aproximadamente de 13 a 34 reais) em supermercados, impedindo a identificação de famílias que precisam de ajuda. A campanha País Solidário dá ajuda financeira aos que estão à espera do seguro desemprego ou têm um nível de despesas muito acima do valor do benefício.
É o caso de Luis Vieira (foto abaixo), 55 anos, que há três anos fechou a empresa e abandonou o ofício de artesão de metais, ambos herdados do pai. Demitiu os dez funcionários que tinha, pagou as contas e trabalhou quase um ano na limpeza de hospitais. Perdeu a vaga pouco mais de um ano depois de chegar a supervisor e está vivendo do seguro desemprego. “Há três meses não tinha dinheiro para comprar jornal, tomar café, nada. Organizei as contas com a ajuda da Caritas e agora estou me esforçando para me manter”, relata.
Vieira voltou a estudar para finalizar os estudos da quarta série, onde parou, até a nona, e está começando um curso para ensinar metalurgia artesanal. “É nisso que sou mestre, não em limpeza de hospitais. Poderia tentar reabrir minha empresa, mas vou vender para quem?”, questiona.
A Caritas também ajudou Viera a montar um restaurante em que trabalham ele, a mulher e mais uma ajudante, servindo e entregando almoços e jantares. “Faço compras, organizo a contabilidade, sirvo; minha esposa cozinha. Dá muito trabalho, ainda bem”, diz.
Nos anos anteriores, Portugal ganhava 19,3 mil desempregados a cada doze meses completos em setembro. Em 2009, essa média foi multiplicada por seis: ao todo, 114.300 pessoas ficaram sem vagas.
Diante desse quadro, o advogado trabalhista Filipe Fraústo acha difícil apostar na filantropia como uma solução. “As instituições filantrópicas já eram fortes antes da crise e não sei se serão suficientes para atender a todos. Com meio milhão de desempregados, a quem vamos pedir ajuda?”, pergunta.
*Texto e foto
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