Em 2010 e 2011, cerca de 500 tratores de grandes produtores de soja eram continuamente vistos nos acostamentos da estrada que interliga todo o município de Alto Paraná, no Paraguai. O enfileiramento das máquinas agrícolas no asfalto era acompanhado de protestos realizados na região de Santa Rita, cidade de 35 mil habitantes, dos quais cerca de 75% são brasiguaios. Esse termo é dado aos brasileiros e filhos de brasileiros que emigraram ao Paraguai, principalmente entre os anos de 1970 e 1980, quando o país vivia sob a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989).
Os cerca de 350 mil brasiguaios em todo o país já mostravam há algum tempo oposição às medidas do presidente deposto Fernando Lugo contra latifúndios, controle para a utilização de agrotóxicos e transgênicos, e apoio a camponeses sem-terra, ações levadas a cabo pelo governo.
A insatisfação do setor latifundiário acabou acabou fazendo com que o PLRA (Partido Liberal Radical Autêntico) cedesse às pressões e rompesse com o governo – o que ocasionou na deposição de Lugo na última sexta-feira (22/06). A saída do ex-bispo e líder da coligação esquerdista APC (sigla em espanhol para Aliança Patriótica para a Mudança), decidida em menos de 48 horas pelos deputados e senadores do país foram motivo de comemoração entre os brasiguaios.
“Denunciamos as ações de Lugo contra os produtores constantemente. Não imaginamos que a troca de governo seria tão radical, mas para nós foi ótimo”, explicou a Opera Mundi o paranaense Romualdo Zocche, que mora no Paraguai há 34 anos. “Vivemos muita insegurança nos últimos tempos com Lugo”.
“Ele era uma ameaça muito grande, estava muito ao lado dos setores do socialismo, não deixava que o setor produtivo se desenvolvesse. Agora sentimos tranquilidade e segurança”, afirmou.
Gerente comercial da cooperativa agrícola Pindo, Zocche conta que os temores dos grandes produtores tiveram início logo nos primeiros meses do mandato de Lugo, em 2008, quando durante um discurso na ONU (Organização das Nações Unidas), disse que o “terrorismo que mata as crianças” de seu país “devido ao uso de agrotóxicos”. “A intenção do Lugo era atacar o agronegócio”, acusa o paranaense.
Zocche se queixa principalmente de uma resolução do Senave (Serviço Nacional de Qualidade e Saúde Vegetal) que estipulava a regra de que os produtores devem comunicar, com 24 horas de antecedência, via rádio local, os detalhes como horário e grau de toxidade de cada fumigação que será aplicada nos plantios.
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De acordo com a norma, os produtores vizinhos podem manifestar-se contra o uso da substância, caso a freqüência ou componentes químicos tenham potencial contaminante de terrenos na redondeza. Segundo o Senave, a medida priorizava “o interesse da maioria sobre os interesses particulares”, salientando o respaldo de organizações de pequenos camponeses e indígenas à medida.
Segundo Zocche, no entanto, o impedimento pode gerar destruição de lavouras inteiras, devido a pragas e doenças. Em Santa Rita, afirma, não há manifestações contrárias de vizinhos contra a aplicação de agrotóxicos já que lá “todo mundo se conhece”. “Mas os pequenos produtores paraguaios que moram perto de outras plantações têm outra mentalidade e o fazem”, diz ele, argumentando que casos de contaminação não foram comprovados. “Não teve um caso de doença relacionada ao uso de agroquímicos aqui”, garante.
Outra queixa dos brasiguaios é a questão da disputa de terra, fomentada pelo governo, com o objetivo de implementar uma reforma agrária. Uma das alegações correntes para as críticas aos brasiguaios é que estes se instalaram na região do no Alto Paraná durante a o regime de Stroessner, que anos antes havia transferido terras fiscais do Estado às mãos de paraguaios aliados ao regime.
Como muitos dos brasiguaios, o gaúcho Carlos Pieta chegou ao Paraguai atraído pelo baixo custo dos hectares produtivos, mas rebate a crítica de que a ex-titularidade pública da terra seja relevante. “Os preços eram baratos, mas nós não ganhamos as terras. Nós compramos e temos a escritura dos terrenos. Isso das terras ‘mal conseguidas’ por paraguaios foi há muitos anos”, alega.
Zocche, por sua vez, admite que muitos brasileiros obtiveram terrenos comprados de paraguaios beneficiados neste processo de privatização dos terrenos públicos. “Temos que defender a propriedade privada. Os ‘revolucionários’ chegam e acham que podem tomar sua terra. Isso acontece principalmente com imigrantes”, diz.
Segundo ele, há muitas terras paraguaias abandonadas que não são utilizadas para uma assistência aos pequenos produtores ou sem-terra que precisam de áreas de plantio. “Temos toda a documentação das nossas propriedades”, diz, celebrando a destituição da diretoria da Senave, após a destituição de Lugo. “Quando cheguei aqui, não tinha nada, era só mato. Tudo isso só foi asfaltado em 1985”, lembrou, enquanto percorria o centro de Santa Rita com a reportagem de Opera Mundi.
No último domingo, os brasiguaios se reuniram com o cônsul brasileiros em Ciudad del Este para pedir que Dilma reconheça o governo de Franco. Na manhã desta terça (26/06), se reuniram com o próprio Franco no palácio presidencial. “Ele nunca falhou com a gente”, diz Zocche.