WikiCommons
O “foie gras”, um dos ícones da gastronomia francesa, pode se transformar em patê ou em filés
O tradicional “foie gras”, uma das iguarias mais famosas e típicas da gastronomia francesa, está no centro das discussões do antigo braço-de-ferro entre defensores dos direitos dos animais e produtores agropecuários desde o início do mês de julho. Nesta data, a Califórnia colocou em vigor uma lei aprovada em 2004 que proíbe a produção e venda do produto, cuja matéria-prima é o fígado superalimentado de patos e principalmente gansos.
Após uma série de intervenções diplomáticas e comerciais do governo francês, o presidente, François Hollande decidiu intervir, se manifestando publicamente neste fim de semana em favor dos produtores do prato. As informações são do jornal francês Le Monde e da revista Le Nouvel Observateur.
NULL
NULL
“Os criadores franceses fizeram grandes esforços nos últimos anos para se adaptarem às normas e respeitarem todas as condições que lhe foram impostas pela União Europeia em nome do bem-estar animal”, disse Hollande durante uma visita a uma fábrica do produto em Monlezun, sudoeste da França, região dedicada à produção da pasta.
“O foie gras é um grande produto francês que honra os agricultores que a ela se dedicam. Consumimos praticamente todo o produto aqui mesmo na França, mas também o exportamos. E não deixarei que isto seja questionado por outros países ou alguns Estados nos EUA”, complementou Hollande, que ironizou a decisão ao dizer que não quer privar os norte-americanos de degustar o patê.
Desde a aplicação da lei, o Ministério da Agricultura francês realizou diversas reuniões de gestão de crise com associações produtoras, declarações do Ministério de Relações Exteriores e até mesmo um convite ao embaixador dos EUA para que ele se reunisse com os comerciantes e ouvisse o lado deles. Sem sucesso. Agora, Hollande falou que tentará intervir pessoalmente.
“Os EUA não podem defender o livre comércio e proibirem um bom produto como o foie gras. Conversarei com as autoridades norte-americanas o tanto que for necessário”, disse Hollande, que reconheceu não poder fazer mais do que usar seu “poder de convicção” para tentar convencer os californianos a abolirem a lei.
Em resposta à ação californiana, os produtores franceses de foie gras pedem que o governo estimule boicotes a comercialização de vinho proveniente daquele Estado. O presidente do departamento (subdivisão regional francesa) de Gers, sudoeste do país, Philippe Martin, já pediu aos donos de restaurantes e comerciantes de vinho a aderirem ao boicote. Martin é filiado ao Partido Socialista, o mesmo de Hollande.
Como é feito
A polêmica em torno do “foie gras”, que significa “fígado gordo” em tradução direta para o português, gira em torno dos métodos adotados em sua produção. As associações defensoras dos direitos dos animais argumentam que as aves são submetidas a uma série de maus-tratos e torturas.
WikiCommons
Um prato tradicional francês com foie gras
As aves são submetidas a um processo forçado de superalimentação, em que grandes quantidades de comida são introduzidas em seus corpos via oral através de um funil, que alcança diretamente no esôfago. Em seguida, colocam-se anéis nos pescoços dos animais para evitar que eles regurgitem. Assim, o fígado do animal aumenta em seis vezes seu tamanho original e ganha uma coloração cinza. Nesse estágio, o órgão fica em condições ideais para ser extraído para a produção do patê.
Segundo relatório do Comitê Científico europeu para a Saúde e Bem-Estar animal, pelo qual a Califórnia se baseou para formular a lei, esse processo causa insuficiência hepática, estresse térmico, diarreia, insuficiência respiratória, lesões no esôfago e risco aumentado de estouro do papo. Também aumenta em dez vezes a taxa de mortalidade durante a criação.
Ao ser aprovada há sete anos, ela estabeleceu um prazo até sua implementação, no dia 1º de julho, para que os produtores encontrassem um método alternativo ao processo de superalimentação, o que não aconteceu.
Moda
As exportações francesas de foie gras à Califórnia já ocorriam em níveis considerados insignificantes, em razão da série de restrições aduaneiras e veterinárias que as autoridades locais impunham. O principal temor é que o lobby animal se espalhe por outros Estados e países. “Sob o ponto de vista econômico, essa restrição não é tão importante. No entanto, isso causa um prejuízo de imagem. A Califórnia é apontada como um Estado ‘criador de moda’”, afirma Marie-Pierre Pé, delegada-geral do Cifog (Comitê Interprofissional do Foie Gras). “É um choque cultural. Imagine se nós proibirmos o ketchup ou os hambúrgueres?”, questionou.
Não é a primeira vez que o foie gras sofreu restrições nos EUA. Em 2006, a cidade de Chicago proibiu o produto na cidade, mas voltou atrás. No entanto, associações defensoras dos direitos dos animais reivindicam novas leis para restringir a comercialização e o consumo do produto.