Apesar da boa recepção por parte da crítica internacional, especialmente na última edição do Festival de Cannes, e do bom público na primeira semana, o filme “NÃO”, do diretor Pablo Larraín, provocou controvérsias nos meios intelectual e político chilenos.
A obra, que retrata a campanha do plebiscito de 1988, que marcou o fim da ditadura de Augusto Pinochet, estreou nas salas do país no último dia 9 de agosto. Após duas semanas em cartaz, o filme tem provocado algumas reações indignadas, e não precisamente dos defensores do pinochetismo. Algumas das críticas mais ferozes vieram de figuras ligadas à defesa da volta para a democracia que estiveram naquela campanha.
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O foco da controvérsia gira em torno do tamanho da importância que a televisão teve na campanha para a queda do ditador.
A polêmica começou nas redes sociais, quando o escritor Pedro Lemebel travou um ríspido debate via twitter com Pedro Peirano, um dos roteiristas do filme, e criticou a versão que o filme apresenta sobre aquele momento histórico do país. Para Lemebel, “a impressão que se tem é a de que a derrota de Pinochet só foi possível por causa da campanha na televisão. Os movimentos sociais, que foram muito mais decisivos, são mostrados como imbecis ideologizados incapazes de entender como se derruba um ditador”.
Peirano, por sua vez, argumentou que o filme não ignorou a mobilização social, embora tenha dado prioridade à campanha, já que o personagem principal é um publicitário [interpretado pelo ator mexicano Gael García Bernal, na foto à esquerda] responsável por bolar os comerciais de televisão para a oposição no plebiscito.
A partir dessa primeira discussão, surgiu todo um debate sobre as razões que levaram as forças opositoras a vencer a votação no dia 5 de outubro de 1988, quando a opção pelo “NÃO” à manutenção de Pinochet no poder se impôs com 56% dos votos válidos.
Um dos principais responsáveis por organizar a militância em favor da opção “NÃO” na época do plebiscito foi o ideólogo do MIR (sigla em espanhol para Movimento de Esquerda Revolucionária), Gabriel Salazar, hoje um dos mais reconhecidos historiadores do país. Salazar contesta a versão do filme, e diz que o sucesso da campanha na televisão “só foi possível graças a um sentimento popular latente, de que as pessoas já tinham perdido o medo do terrorismo militar”, e isso foi fomentado pelas 22 jornadas de protestos sociais que ocorreram entre 1983 e 1987.
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“Os comerciais na tevê foram o primeiro espaço midiático que a oposição teve em quinze anos, tiveram sua importância, mas também porque souberam reproduzir uma sinergia social que já existia, mas esse não foi o fator preponderante”, analisou Salazar.
A opinião do historiador é semelhante à de Lorena Pizarro, porta-voz da AFDD (Agrupação dos Familiares de Detidos e Desaparecidos Políticos), que acrescenta que “os militares já não podiam mais esconder as atrocidades cometidas pelos órgãos de repressão e os economistas neoliberais já não podiam esconder a mentira de que este era um país próspero economicamente, enquanto a maioria dos chilenos passava fome longe da capital e na periferia de Santiago”.
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Lorena reconhece que os comerciais do “NÃO” na televisão ajudaram a promover o movimento pelo fim da ditadura, mas afirma que só está de acordo com a versão apresentada pelo filme no que diz respeito à péssima qualidade da campanha do “SIM”, cujo slogan era “Chile, um país vencedor”.
Segundo ela, os pinochetistas tentaram vender uma falsa imagem do país, baseado no suposto sucesso econômico das políticas neoliberais, as que Pizarro lembra que “só beneficiaram uma minoria, que exaltava a liberdade de escolha, quando a escolha do pobre era entre o trabalho precário ou a tortura e a morte, já que era proibido reclamar por direitos trabalhistas. Nesse sistema, havia pouquíssimos vencedores, era impossível se identificar com algo assim”.
Do lado dos que defendem a importância da campanha televisiva para a vitória em 1988 se destaca o jornalista Patricio Bañados, que foi âncora do programa naquele então. Bañados foi um dos primeiros profissionais de televisão do Chile e passou 15 censurado pelo governo militar.
Em entrevista para Opera Mundi, o jornalista destacou três aspectos onde os comerciais obtiveram, segundo ele, resultados essenciais para a vitória no plebiscito. O primeiro deles foi o de fazer as pessoas acreditarem que aquele voto tinha o poder real de derrubar a ditadura. “Havia uma mobilização popular, mas a maioria desses mobilizados desdenhavam o plebiscito porque achavam que era um pleito forjado e viciado, era preciso instalar uma onda de otimismo com aquela oportunidade”, relatou.
Bañados também destaca que a campanha combateu o medo a represálias aos que votassem pelo “NÃO” e insistiu para as manifestações em favor da oposição fossem as mais pacíficas e não aceitassem provocações. “Na reta final da campanha, o único argumento do “SIM” era o de que éramos todos “terroristas”, e a postura que adotamos nas últimas jornadas de mobilização ajudou a mostrar que eram eles os terroristas, os que praticavam a repressão e o terrorismo de estado”, comentou o jornalista.
Para o produtor Juan Larraín, a polêmica sobre a película é positiva, “pois demonstra que o filme trouxe de volta um momento importante da história chilena e reascendeu o debate sobre ela”. Porém, fez questão de ressaltar que a proposta, segundo ele, não foi a de diminuir a importância das mobilizações para o resultado final do plebiscito. “Os roteiristas escolheram o enfoque na campanha da televisão, porque ela também foi muito importante para aquela vitória. É somente um ponto de vista sobre o que aconteceu”, justificou Larraín.