O Mercosul e a Unasul (União Sul-americana de Nações) são blocos naturais para a inserção internacional do Brasil, e o fortalecimento institucional de ambos, com o aprofundamento da integração e a redução das desigualdades internas, é fundamental para garantir o êxito do projeto. Nesse contexto, a entrada da Venezuela como membro pleno do Mercosul ganha importância, por ampliar econômica e geograficamente o bloco, e os projetos de integração física da América do Sul deveriam ser prioridade para os governos. Essas foram as principais conclusões do seminário “Os desafios da política externa brasileira em um mundo em transição”, organizado pelo Instituto de Políticas Econômicas Aplicadas (IPEA) e pela Câmara dos Deputados em Brasília.
Jose Cruz/ABr
O conselheiro presidencial para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia (esquerda) e o chanceler brasileiro, Antônio Patriota
O Ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, afirmou que a integração da Venezuela ao Mercosul já é um fato, mas o país ainda está em processo de incorporação e adequação das normas. Além de lembrar o que a Venezuela agrega em termos econômicos e como potência energética, ele lembrou que “o Mercosul agora se estende do Caribe à Terra do Fogo, o que coloca mais claramente outras regiões do Brasil, principalmente o Norte e o Nordeste, dentro do Mercosul”, pois antes apenas os Estados do Sul tinham a proximidade geográfica dos demais membros do bloco.
Para o chefe da missão do IPEA em Caracas, Pedro Barros, a entrada da Venezuela no Mercosul é importante para que se caminhe para uma maior integração produtiva da indústria brasileira, principalmente da Zona Franca de Manaus, com a própria Venezuela e os demais vizinhos, inclusive Suriname e Guiana. “O tremendo aumento do comércio do Brasil com a Venezuela nos últimos anos não se refletiu em uma real integração produtiva. Precisamos trabalhar para isso e o IPEA vem estudando o problema”, disse. Barros criticou a baixa execução dos projetos de integração da infraestrutura física entre os vizinhos sul-americanos, sugerindo que uma maior participação da iniciativa privada, talvez por meio de parcerias público-privadas, poderia fazer importantes projetos avançarem.
Inserção do Brasil
Para o Brasil, o entorno imediato deve ser a plataforma para a sua inserção internacional. “A nossa opção sul-americana não é uma realmente uma opção. É, na verdade, dada pelas nossas condições geográficas e pela decisão do Brasil de não fazer sua inserção internacional sozinho”, afirmou o pesquisador do Departamento de Geografia da USP (Universidade de São Paulo), Ronaldo Carmona.
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O assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, fez avaliação semelhante. Para ele, a criação da Unasul foi influenciada pela visão dos países na época, depois do esvaziamento da bipolaridade da Guerra Fria e também da unipolaridade dos Estados Unidos na década de 1990. “O Brasil decide optar pelo polo sul-americano, decide não fazer sua inserção no mundo sozinho, mas sim em conjunto com a sua vizinhança”, pontuou.
Carmona lembrou que o surgimento do Mercosul tem raízes estratégicas: superar a rivalidade entre Brasil e Argentina, que vinha desde o Império e chegou ao auge ao longo do século XX. “De [Getúlio] Vargas [em 1935] até [João Baptista] Figueiredo [em 1980], nenhum presidente brasileiro pisou em Buenos Aires, a rivalidade chegou a esse ponto”, recordou. Mesmo com o objetivo inicial político-estratégico, nos primeiros anos o foco foi o incremento do comércio, estratégia mantida até 2003.
Redução de assimetrias e desigualdade
De acordo com o geógrafo, a partir do governo de Luiz Inácio Lula da Silva o Mercosul começou, lentamente, a dar maior importância a outros eixos de integração, passando a ser um bloco estratégico para inserção internacional dos países e saindo apenas do âmbito comercial. “Desde 2003, também, vemos uma maior importância dada à redução das assimetrias, o que é fundamental para o futuro da integração”.
Reprodução/TeleSur
Para Carmona, o bloco está conseguindo transitar do foco meramente comercial para um objetivo mais amplo de desenvolvimento econômico e social dos países.
[Pedro Barros, chefe do IPEA na Venezuela, aposta em um aumento da integração produtiva entre os países dos blocos]
“Desde 2003 tivemos grandes avanços que permitiram esse salto de qualidade do Mercosul e dos seus objetivos, ainda que de forma relativamente lenta. Os projetos do Focem (Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul) e do Conselho de Infraestrutura são muito importantes, a integração física entre os países deve ser mais incentivada”, avalia.
Garcia também lembrou a importância da redução das assimetrias entre os membros do Mercosul. Ele mencionou o exemplo dos fundos estruturais criados pela União Europeia para ajudar os países mais pobres que foram integrados ao bloco – Portugal, Espanha e Grégia na década de 1980, e os países do Leste Europeu mais recentemente. “Tentamos um caminho semelhante a esse aqui, mas temos, certamente, menos recursos que Alemanha e França para fazer isso, por isso os impactos foram menores que os obtidos lá”.
O chefe da missão do IPEA em Caracas destacou a redução das desigualdades sociais na região como algo que já está sendo feito, mas que precisa continuar no foco. “O Brasil, ao contrário dos demais países dos BRICS, vem diminuindo as desigualdades sociais. A América do Sul foi uma das poucas regiões do mundo que diminuiu as desigualdades sociais nos últimos anos, e o país menos desigual do continente é a Venezuela”, afirmou.
Garcia complementou: “alguns países crescem explorando fronteiras físicas, nós podemos crescer explorando fronteiras sociais”, destacando que o foco na inclusão social foi o que permitiu à maioria dos países da região sair da crise com maior rapidez.