Rafael Duque/Opera Mundi
Movimentação em frente ao Parlamento da Catalunha foi pequena nesta terça-feira (25/09)
“Em momentos excepcionais, decisões excepcionais”. Com essas palavras, Artur Mas, presidente da região espanhola da Catalunha, anunciou nesta terça-feira (25/09) que irá antecipar as eleições da comunidade autônoma para o dia 25 de novembro. O anúncio já era esperado no país após a negativa do presidente do governo espanhol Mariano Rajoy ao pacto fiscal proposto por Mas no dia 20 deste mês.
Referindo-se à grande manifestação do último dia 11 de setembro, na qual milhões de catalães saíram às ruas para pedir a independência da região, Mas afirmou que “a voz da rua deve transferir-se às urnas. Se o país deve iniciar um processo de grande complexidade, é necessário o aval das urnas.” Assim, o político do CiU (Convergência e União) deixa claro que, caso seja reeleito, deverá levar a cabo um plebiscito pela independência catalã.
Como justificativa da antecipação, o atual presidente da Catalunha disse ao Parlamento regional que o seu programa de governo “especificava o pacto fiscal, mas nada mais que isso. Uma nova etapa requer uma nova legitimidade”.
O discurso do presidente catalão abriu uma semana decisiva para as pretensões independentistas da comunidade autônoma. O Parlamento da Catalunha discutirá até quinta-feira (27/09) as diretrizes de política geral que deverão guiar o rumo das próximas eleições. Com o anúncio de antecipação do pleito regional, cada partido demonstrará qual caminho tomará para conseguir os votos dos eleitores.
Mas exaltou as ações de sua gestão e culpou o governo central de Madri pela crise espanhola. Ele ainda se defendeu dos cortes orçamentários que realizou e criticou tanto a direita, referindo-se ao PP (Partido Popular), quanto a esquerda, em alusão ao PSC (Partido Socialista Catalão) e ao PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol).
“Só existe uma maneira de ser catalão”
Apesar da importância do discurso de Mas, poucas pessoas compareceram em frente ao Parlamento da Catalunha. Até minutos antes do começo do pronunciamento do presidente catalão, a reportagem do Opera Mundi contou menos de 20 manifestantes com bandeiras independentistas.
Os primeiros a chegar ao local foram Roser Quintana e Josep Romero. Eles traziam a bandeira catalã com o triângulo azul e a estrela branca, demonstrando que eram a favor da independência em relação à Espanha. Romero esperava explicações de Artur Mas: “Ele precisa explicar o seu projeto agora, eles já estão discutindo o que farão há mais de uma semana, agora é a hora de dizer publicamente as suas propostas”.
Atualmente aposentado, Romero explica que não esperava que muitas pessoas comparecessem em frente ao Parlamento, “pois o discurso ocorre em horário de trabalho”. Ele também afirma que antes era a favor de uma Espanha federativa, com todas as regiões juntas, mas com maior autonomia. Entretanto diz que mudou de ideia: “quando percebi que o outro lado não queria isso, comecei a apoiar a separação”.
A artesã desempregada Roser foi mais enfática ao defender a separação da Catalunha da Espanha: “O povo está na rua pedindo o direito de ser catalão, e só existe uma maneira de ser catalão”.
Direito de decidir
Até a próxima quinta-feira (27/09), o Parlamento da Catalunha irá discutir e aprovar um texto que deverá conter teor independentista com menções indiretas a um plebiscito. Diversos jornais espanhóis anteciparam um rascunho do texto final, elaborado pelo CiU e que está sendo negociado com os demais partidos.
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No documento, o Parlamento defenderia o “direito de decidir” do povo catalão, expressão utilizada que se refere indiretamente ao direito dos próprios catalães decidirem se querem se separar da Espanha sem a intromissão do governo central.
O rascunho traz cinco resoluções, sendo que a última faz referência a um plebiscito: “O Parlamento da Catalunha constata a necessidade que o povo catalão possa determinar livremente e democraticamente o seu futuro coletivo e insta ao governo a consultar a sua vontade”.
O plebiscito é uma das questões mais debatidas pelos partidos da Catalunha, pois não existe consenso nem entre os que são abertamente a favor de uma ruptura com Madri. Enquanto alguns acham prudente apenas referir-se indiretamente a ele, outros querem que se fixe um calendário com datas para a realização da consulta popular.
Base partidária
Artur Mas e o CiU não possuem maioria absoluta no Parlamento e precisam da ajuda da base para aprovar o texto. Entretanto, isso não será um problema, pois os governistas contarão com o apoio de partidos independentistas.
Segundo os cálculos do jornal El País, 86 dos 135 deputados devem aprovar a resolução. A favor do texto devem votar os governistas do CiU (62 deputados), os ecos-socialistas do ICV – EUiA (10), os esquerdistas do Esquerra (10), os independentistas do Solidaritat (3) e o deputado sem partido Joan Laporta.
O PP (Partido Popular), do presidente do governo Mariano Rajoy, que conta com 18 deputados, e o Ciutadans (3) votarão contra. Já os socialistas catalães do PSC, que representam 28 votos, ainda não definiram como se posicionarão.
Pacto Fiscal
No último dia 20 de setembro, Mas se reuniu com Rajoy para discutir a reforma fiscal da Catalunha. O presidente da região apresentou um projeto aprovado pelo Parlamento local, no qual a comunidade autônoma repassaria ao Estado cerca de metade da verba que envia atualmente.
O líder do PP rejeitou a proposta por considerá-la inconstitucional e prometeu manter um canal aberto para diálogo com o governo catalão. A reprovação de Rajoy já era dada como certa na Espanha e a insistência de Mas foi vista como uma tentativa de ganhar o apoio de parte do eleitorado que saiu às ruas na manifestação do dia 11 de setembro.
Agência Efe (11/09/2012)
Movimento do dia 11 setembro foi fundamental para estimular Artur Mas a defender independência catalã
Após a recusa do governo central, Mas voltou a Barcelona e foi recebido por centenas de partidários convocados por organizações independentistas em frente à sede do governo.
Na ocasião, Francesc Homs, porta-voz do CiU, declarou que o Parlamento catalão poderia declarar a independência da região unilateralmente e que o governo iria discutir os próximos passos a serem tomados.
Ao responder Homs, Alicia Sánchez-Camacho, líder do PP da Catalunha, subiu o tom e afirmou que não existe negociação com quem quer sair do Estado espanhol. “Com uma CiU que quer romper com a Espanha não há nada a negociar”, declarou.
Crise, empréstimo e eleição
Mesmo sendo uma das regiões mais ricas da Espanha, a Catalunha não esteve imune à situação econômica da Europa. A comunidade autônoma pediu um empréstimo ao governo espanhol de cerca de 5 bilhões de euros para poder sanar suas dívidas e, hoje, é uma das regiões que possui o pior déficit orçamentário.
Parte dos políticos e da opinião pública da Catalunha culpa o Estado espanhol pela crise da região. Segundo eles, os catalães contribuem demais com outras regiões que produzem pouco e acabam ficando sem recursos para manter a própria população.
Mas foi eleito em 2010 defendendo que a Catalunha poderia sair da crise sob a sua governança e que proporia uma nova política fiscal ao governo de Madri. A princípio, sua plataforma política não citava a independência da região, mas, com o passar dos meses, a crise se aprofundou e seus esforços em minimizar os efeitos sobre a sociedade catalã não surtiram efeito. Com isso, Mas foi migrando para o grupo independentista do CiU.
Com a mobilização massiva da população em defesa da independência na manifestação do dia 11 de setembro, o político se rendeu aos nacionalistas e pretende utilizar o apelo independentista para ganhar a maioria do Parlamento na eleição que acaba de antecipar.