Augusto Gazir/Opera Mundi
Protesto deste domingo reuniu a chamada “maioria silenciosa” da Irlanda do Norte, que promoveu manifestação barulhenta pela paz
Menos de 24 horas depois de 29 policiais ficarem feridos em mais um dia de violência em Belfast, na Irlanda do Norte, cerca de mil pessoas se reuniram na tarde deste domingo (13/01) no centro da cidade para fazer um barulhaço pela paz.
Durante alguns minutos, as pessoas gritaram, bateram palmas, apitaram, tocaram tambores, cornetas e pandeiros, acionaram sirenes, batucaram em panelas, enfim, fizeram barulho como forma de se manifestar contra os protestos e os confrontos dos últimos 40 dias.
“Aqui em Belfast sempre se fala que a maioria é silenciosa. Esse ato é para essa maioria fazer barulho pelo menos uma vez. É uma catarse, que reúne católicos e protestantes. Não achamos que vamos impedir que um garoto pegue um tijolo e jogue num carro da polícia, mas queremos nos expressar”, disse Will Chamberlain. Ele ajudou a organizar a manifestação em frente ao City Hall, o Legislativo de Belfast.
O City Hall está no centro da polêmica que domina a Irlanda do Norte desde dezembro, quando os vereadores decidiram que a bandeira britânica só será içada ali em datas festivas, e não mais durante o ano todo. Desde então, unionistas organizam protestos contra a medida. As manifestações consistem em bloquear ruas da cidade durante um determinado período de tempo. Alguns atos acabam em quebradeira e confronto com a polícia.
“Moro aqui há sete anos e essa violência que estamos vendo não tem sido o padrão. Não vi nada pior desde que cheguei”, disse a historiadora polonesa Jaudyta Szaeillo, que foi pedir a paz no City Hall.
Parlamentares e políticos unionistas têm condenado a violência e pedido o fim dos protestos, que prejudicam o comércio e a imagem do país. No entanto, os manifestantes, em sua maioria unionistas das classes econômicas mais baixas (chamados em geral de lealistas), mantêm as ações. Na semana passada, líderes do unionismo, entre eles o primeiro-ministro Peter Robinson, constituíram um fórum para discutir a crise, mas alguns dos organizadores dos protestos se recusaram a comparecer.
Policiais feridos
Mais ainda: este sábado (12/01) foi um dos dias mais violentos da crise. Ao voltarem de um protesto no centro de Belfast para o leste da cidade, unionistas, a maioria jovens, entraram em conflito com nacionalistas católicos que moram na mesma região. A polícia tentou separar os dois grupos. Ao todo, 29 policiais ficaram feridos.
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Um dia depois de 29 policias ficarem feridos, novo protesto foi realizado em Belfast
Os unionistas protestantes, que desejam se manter integrados ao Reino Unido, e os republicanos católicos, que defendem que o território da Irlanda do Norte faça parte da Irlanda, firmaram um acordo de paz em 1998, depois de décadas de conflito aberto na região. Desde o tratado, as crises acontecem, mas a violência no geral diminuiu bastante e, desde 2007, os dois lados compartilham o governo.
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Para o cientista político Michael Anderson, as diferenças dentro do unionismo são tão importantes para explicar a crise atual quanto a divisão entre protestantes e católicos. “Agora temos ouvido que não há vereadores suficientes do unionismo em City Hall, mas isso se deu justamente por causa das divisões unionistas”, disse Anderson, da University College Dublin.
De acordo com ele, as classes mais baixas do unionismo, que já sofrem com a crise econômica, estão decepcionadas com o DUP (sigla em inglês para Partido Unionista Democrático), do premiê Peter Robinson. O partido tornou-se mais moderado ao chegar ao poder e compôs o governo com o Sinn Féin, partido católico, antigo braço político do IRA, o Exército Republicano Irlandês.
Gota d'água
“Os lealistas não se sentem representados mais pelo DUP. Eles estão se sentindo de lado. Os empregos estão indo embora, as indústrias se fechando, as comunidades ficam mais pobres. Restringir a bandeira nesse único prédio de Belfast vira a gota d'água”, afirmou Anderson.
“As pessoas que você vê nos protestos são jovens, das áreas pobres lealistas. Não são as classes médias protestantes. Essas pessoas não têm nada a perder. O protesto chega a ser entretenimento, violência recreativa. As consequências disso podem ser muito perigosas”, completou.
Gareth Mulvenna, cientista político da Queen's University Belfast, disse que a identidade cultural e política é crucial para os lealistas, mas “o tema que deve estar realmente os irritando é o alto desemprego”.
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Manifestação foi realizada em frente ao City Hall, no qual o hasteamento da bandeira britânica iniciou a onda de violência
Como Michael Anderson, Mulvenna destacou a distância que existe hoje entre os líderes dos partidos unionistas e a classe trabalhadora protestante. “[O premiê] Peter Robinson não tem mais a credibilidade de antes. Ele agora é visto como parte da elite unionista. Isso abre a possibilidade de os oportunistas se promoverem.”
Sem liderança política
“Há vários lealistas progressistas, mas eles se sentem prejudicados pelo Sinn Féin. Eles veem a permanente implicância do Sinn Féin com os símbolos britânicos como um ataque a sua identidade”, disse Mulvenna.
Para o historiador Stephen Howe, da Universidade de Bristol, o melhor do pensamento progressista hoje dentro do unionismo vem das classes populares lealistas, de ex-paramilitares, por exemplo. “Quem protesta é uma minoria. Mesmo nas comunidades protestantes de classes mais baixas, a maioria das pessoas não está participando de protestos ou desordem”, afirmou.
Mesmo assim, Howe declarou que a presente crise pode ter e está tendo um impacto político considerável na Irlanda do Norte. “Mas eles só conseguiriam descarrilhar o processo de paz se obtivessem um apoio maior e se surgisse uma liderança política de fato entre os manifestantes, o que ainda não há.”
Na opinião de Michael Anderson, a solução para a crise deveria partir do Sinn Féin. “O processo de paz é algo inclusivo, que requer a capacidade para negociar, criar acordos entre as duas comunidades, é um mecanismo para discutir as coisas. Às vezes um grupo puxa demais e prejudica o processo. Essa é uma oportunidade para o Sinn Féin mostrar um pouco de magnanimidade e dizer que não importa a bandeira que vai estar lá naquele prédio.”
Mulvenna afirmou que a solução para a crise passa pela “reconstrução da confiança da classe trabalhadora protestante”. Ele acrescentou: “Isso não vai ser fácil e nem está claro como fazer.”