Os estupradores marroquinos deixarão de ser mais favorecidos por uma lei que lhes dispensava da prisão e de qualquer outra pena caso se casassem com a vítima. O governo do país anunciou planos de mudar o código penal e retirar essa prática tradicional de sua legislação.
A lei permaneceu no centro do debate da sociedade marroquina por muitas semanas no ano passado, quando uma jovem de 16 anos se suicidou depois de ter sido forçada pelos juízes e por sua família a se casar com seu estuprador. Amina al Filali se envenenou para escapar de um casamento abusivo que já durava sete meses e seu caso disparou uma série de pedidos por mudanças.
As mesmas autoridades, que afirmaram que Filali não tinha sido estuprada na ocasião, decidiram dar uma resposta aos apelos apenas dez meses depois com uma vaga proposta de alteração.
O ministro da Justiça do Marrocos, Mustapha Ramid, lançou um comunicado nesta segunda-feira (21/01), apoiando a proposta do Parlamento de alterar o artigo 475 do código penal, que determina o casamento como alternativa à punição por estupro.
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De acordo com o texto, o governo está preparado para introduzir novas alterações à lei, podendo incluir punições mais duras aos estupradores de menores. Atualmente, a pena máxima para os agressores é de 10 anos de prisão, segundo a Reuters.
As propostas ainda devem ser formalizadas, no entanto, nas duas câmaras legislativas do país e, por isso, não há previsão para a mudança. Os parlamentares podem adiar por anos a votação, como estão fazendo desde 2004 com uma medida de combate à violência contra a mulher.
A primeira iniciativa oficial partiu da única mulher que compõe o governo. Em setembro do ano passado, a ministra do Desenvolvimento Social, Bassima Hakkoui, disse que tentaria colocar a lei em discussão no Parlamento.
Em meio aos protestos contra a lei e em memória a Amani, alguns oficiais chegaram a reconhecer a necessidade de mudança. “Esse foi um doloroso incidente. Esta é uma questão que não podemos ignorar”, afirmou Mustafa el-Khalfi, ministro da Comunicação, em março do ano passado.
Limitações: violência deve continuar
As vítimas de estupro carregam estigma de desonra e vergonha entre grande parte da sociedade marroquina. Por essa razão, muitas famílias incentivam o casamento de suas filhas que sofreram abusos com os seus agressores, endossando a lei. A mesma atitude vem, muitas vezes, dos juízes, que julgam os casos e colocam o casamento como uma determinação judicial.
Foi esse o caso de uma jovem de 14 anos que foi obrigada a se casar com seu estuprador por decisão de um juíz de Tânger para “salvar sua honra”. Seus pais se opuseram à determinação e acusaram o magistrado de pressionar a garota a consentir com a união. Em janeiro de 2011, enquanto saía da escola, ela foi sequestrada, estuprada e abandonada perto de sua casa. A jovem, que engravidou, ainda não teve a oportunidade de decidir ou não pelo aborto.
Muitas vezes os magistrados e policiais consideram o estupro como um ato consensual da vítima, que nem mesmo tem acesso à assistência social. E muito além do artigo 475, as mulheres enfrentam outros problemas de gênero.
“A lei não reconhece certas formas de violência contra a mulher, como o estupro conjugal, enquanto ainda penaliza outros comportamentos normais, como o sexo fora do casamento”, afirmou Fouzia Assouli, presidente da Liga Democrática pelos Direitos das Mulheres, à agência AFP.
Assouli acredita que a reforma penal deve ser apenas um primeiro passo frente a outras mudanças para combater a violência de gênero.
Luta feminista
Em outubro do ano passado, ativistas holandesas pró-aborto tentaram realizar uma campanha no país à convite de organizações feministas. O barco do grupo, denominado de Mulhar nas Ondas (Woman on Waves, em inglês), foi impedido de atracar no porto de Smir, no norte do Marrocos. As ativistas oferecem aborto médico e conselhos de saúde a partir de navios ancorados em águas internacionais próximas de países onde a prática é ilegal.
Desde 1967, o aborto se tornou permitido no Marrocos apenas nos casos em que a gravidez coloca em risco a vida da mulher. A prática é proibida até em casos de estupro, nos quais, segundo a organização, muitas mulheres interrompem a gravidez em centros ilegais.
De 600 a 800 abortos são praticados ilegalmente diariamente no Marrocos, sendo que, desses, apenas 250 são conduzidos por médicos licenciados. Pesquisas sugerem que grande numero de mulheres provenientes de setores populares são internadas em hospitais públicos por conta de complicações no aborto.
*Com informações de agências internacionais