Em uma das mais concorridas palestras realizadas neste sábado (26/01), durante a Cúpula dos Povos, em Santiago do Chile, o ministro de Defesa da Bolívia, Juan Ramón Quintana, apresentou, a um auditório repleto de chilenos e bolivianos, parte da argumentação que o país pretende levar à Corte Internacional de Haia, para reivindicar um território que lhe permita construir um porto no Oceano Pacífico.
Victor Farinelli/Opera Mundi
Quintana (centro): governantes bolivianos que assinaram documentos sobre território com o Chile não tinham legitimidade política
Quintana afirmou que a iniciativa boliviana não pretende ser uma afronta ao Chile, apesar de o governo do presidente Sebastián Piñera já ter expressado que não tem intenção de dialogar sobre o tema. “O contexto atual não é mais o da guerra, por isso temos que aproveitar o momento para saldar nossas dívidas históricas, e o Chile sabe que tem uma dívida com a Bolívia pelo tema marítimo, cedo ou tarde terá que reconhecê-la, e esperamos que seja cedo”, disse o ministro.
A petição é controversa, pois está baseada, sobretudo, na contestação de um tratado assinado pelos dois países em 1904, que oficializou a dominação, por parte dos chilenos, do antigo território marítimo boliviano na região de Antofagasta, uma das consequências da chamada Guerra do Pacífico (1879-1883). Segundo Quintana, o argumento boliviano não desconhece a existência do documento, porém pretende apresentar outro fato: “esse acordo foi feito com um grupo oligárquico boliviano, que se aproveitou de um vazio de poder do pós-guerra e assinou compromissos em nome do povo boliviano ilegitimamente, pensando apenas em seus interesses oligárquicos”.
A Guerra do Pacífico começou em 1879, quando Chile e Bolívia mantinham uma disputa fronteiriça na região do Atacama. O Peru também se envolveu na disputa, lutando ao lado dos bolivianos. O enfrentamento terminou em 1883, com a vitória dos chilenos, o que levou o país a avançar suas fronteiras ao norte por quase dois mil quilômetros, anexando territórios que antes eram bolivianos e peruanos. Para o atual governo boliviano, os mandatários que assinaram os documentos nos quais o Chile baseia hoje a posse desses territórios não eram governantes com legitimidade suficiente.
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Um das principais cartadas bolivianas para o processo que pretende levar ao Tribunal de Haia é o apoio de Leonardo Jeffs, um dos mais reconhecidos historiadores chilenos, que esteve ao lado de Quintana na palestra sobre o tema, na Cúpula dos Povos. Durante sua exposição, Jeffs afirmou que o tratado de 1904 é injusto e “o governo chileno sabe que as circunstâncias nas quais ele se originou são questionáveis, por isso a Bolívia pode conseguir bastante apoio internacional à causa, sobretudo se insiste em sua intenção de buscar uma solução pacífica para o caso”.
A palestra também contou com a intervenção de alguns espectadores, que puderam fazer perguntas aos expositores e entregar seus relatos sobre o tema. Entre esses relatos, o mais aplaudido, tanto pelos público boliviano quanto pelo chileno foi o da líder comunitária boliviana Matilde Apumayta, integrante de uma delegação veio em excursão da região de Beni, no norte da Bolívia, para assistir a Cúpula. “Quando o ônibus passou por Antofagasta, a gente queria ir ao mar, molhar o nosso pé em terras que já foram nossas. Então fomos a uma lugar onde pensávamos que havia uma praia deserta, mas era um território particular. A praia tinha um dono e ele cobrava muito caro para entrar. Por isso, eu acho que a maioria dos chilenos devem se sentir como nós. Pode ser que os chilenos com dinheiro não vejam problema em pagar para usar a praia, mas os chilenos sem dinheiro, que são a maioria, tampouco podem ter acesso ao mar que deveria ser de todos”, relatou Matilde.
Evo Morales
O presidente Evo Morales esteve ontem na Cúpula CELAC-UE, que reúne chefes de estado e chanceleres da América Latina, do Caribe e da União Europeia, também com a intenção de buscar apoio diplomático para a o país, em sua iniciativa de obter uma saída marítima soberana. Em sua fala, na abertura do encontro dos presidentes, Morales enfatizou que “esta grande integração que tentamos gerar aqui não poderá ser completa se nos omitimos de temas pendentes importantes e um desses temas é a questão histórica do mar para a Bolívia”.
À noite, em entrevista à rede multiestatal TeleSur, Morales confirmou sua presença na Cúpula dos Povos, durante a tarde deste domingo (27/01), no qual pretende falar mais sobre o conflito marítimo, além de conversar com líderes mapuches chilenos sobre os problemas que as comunidades indígenas no país. A visita de Evo ao evento será finalizada com um discurso sobre o “Manifesto Isla del Sol”, ou “Manifesto Pela Vida e Contra o Capitalismo Selvagem”, um documento que o país pretende difundir pelo mundo com dez sugestões a respeito de como transformar a sociedade através do respeito aos direitos humanos e da natureza, e a comunhão dos dois conceitos em favor de maior harmonia social.