O Conselho de Paz e Segurança da UA (União Africana) suspendeu nesta segunda-feira (25/03), após reunião de emergência em sua sede, em Adis-Abeba (Etiópia), a participação da República Centro-Africana no organismo. O órgão multilateral também impôs sanções contra os líderes da coalizão rebelde Séléka que, no domingo (24), após conquistar a capital Bangui, tomou o poder do país através de um golpe de Estado.
Após tomar o controle da capital Bangui, o líder do Séléka, Michel Djotodia, se proclamou ontem novo presidente, após a fuga do até agora chefe do Estado, François Bozizé, para Camarões. Bozizé governava o país desde 2001, também através de um golpe de Estado.
Ao mesmo tempo em que é um dos países mais pobres do mundo, a República Centro-Africana tem um histórico de décadas de instabilidade política após ter se tornado independente da França, e possui ricas reservas de ouro, diamantes, urânio e ferro.
Saques
Em Bangui, os saques continuaram hoje na República Centro-Africana, de acordo com a organização MSF (Médicos Sem Fronteiras), que registrou ocorrência em seus centros médicos.
A MSF fez uma chamada “aos atores envolvidos nos combates para que garantam à população em geral o acesso à assistência médica, não só na capital, mas no resto do país”.
Em comunicado das Misiones Salesianas, o missionário espanhol Agustín Cuevas, que trabalha em Bangui, também denunciou saques e disse que “há desabastecimento de alimentos e o pouco que se encontra nos mercados custa muito caro”.
As razões dos golpistas
Djotodia, defendeu o golpe de Estado dado no país por causa “da miséria” e assegurou que não haverá perseguição aos dirigentes do regime do governante derrubado, François Bozizé. “É a miséria que nos obriga. Queremos sair desta miséria”, afirmou o até agora líder rebelde, que ressaltou que a vitória não é apenas sua, mas “de todo povo centro-africano”.
“Não estamos aqui para fazer caça às bruxas”, declarou Djotodia à emissora “Radio France Internationale” ao ser perguntado sobre se aceitará ministros de Bozizé em seu governo. “Perante a impossibilidade de obrigá-lo a fazer o que foi pactuado, não tínhamos outra saída a não ser o uso de armas para forçá-lo a deixar o poder”, argumentou Djotodia.
Segundo Djotodia, o governo vai verificar se esses ministros continuam na República Centro-Africana para tentar chamá-los “porque as portas estão abertas para todos” e porque “representamos todos os centro-africanos”.
Em relação ao tempo em que pensa permanecer no poder, o novo presidente afirmou que não pode firmar um tempo exato, já que, segundo ele, “é preciso tempo para estabelecer a paz”.
Em todo caso, Djotodia se comprometeu – em linha com o compromisso assinado no último janeiro em Libreville com o regime de Bozizé – a organizar “eleições livres e transparentes” em um prazo de três anos.
“Não disse que em três anos entregaria o poder. Disse que daqui a três anos vamos organizar eleições livres e transparentes como ocorre em todo mundo”, declarou.
Djotodia também confirmou que seu primeiro-ministro continuará sendo Nicolas Tiangaye, antigo opositor ao regime de Bozizé que foi nomeado em janeiro em virtude desses mesmos acordos de Libreville.
Tiangaye deverá formar um novo Executivo de transição, ao mesmo tempo em que criará um Conselho Nacional de Transição.
Djotodia negou um suposto apoio que o Seleka teria recebido por parte dos presidentes do Chade, Congo-Brazzaville e Gabão.
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Em relação às suas prioridades para transição política, Djotodia considerou que “o povo centro-africano deve estar unido e deve ver o futuro com objetividade, tendo em vista que não há paz e, sem paz, não se pode fazer nada. Vamos ter que restabelecer a paz e a autoridade do Estado em todo o território”.
Para alcançar o objetivo citado, Djotodia exaltou que espera a ajuda “de amigos, como a França, Estados Unidos e China”, assim como da Comunidade Econômica de Estados da África Central e da Comissão Econômica e Monetária da África Central.
Desaprovação internacional
Em comunicado, a organização pan-africana informou que decidiu “suspender de forma imediata a participação da RCA (sigla pela qual o país também é conhecido) em todas as atividades da entidade, além de impor sanções contra os líderes do grupo Séléka, incluindo a proibição de viagens e o bloqueio de ativos”.
A União Africana pediu também a seus países-membros para “tomarem todas as medidas necessárias para isolar completamente os autores da mudança inconstitucional na RCA, assim como para rejeitar-lhes refúgio e cooperação”.
A entidade também manifestou “grave preocupação pela evolução negativa da situação na RCA após a “decisão unilateral e injustificada” da Séléka de “tomar o controle da capital, Bangui, e assumir o poder pela força”.
A nota também “condena fortemente os abusos e outros atos de violência contra a população civil, assim como roubos cometidos em consequência da entrada em Bangui dos membros armados do grupo Séléka”.
A chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, qualificou hoje de “inaceitável” o golpe de Estado, enquanto a França, a antiga metrópole, reprovou o “uso da força” que levou à ascensão dos rebeldes ao poder.
O ministro das Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, afirmou nesta segunda-feira (25) que, “por enquanto, não há poder legítimo” na República Centro-Africana. Segundo Fabius, mesmo com a autoproclamação de Djotodia como novo presidente, Paris não vai interferir nos assuntos desse país, mas protegerá seus cidadãos.
Indiretamente, Fabuis também criticou Bozizé, que, segundo o ministro francês, “tinha se comprometido a fazer coisas que não fez”.
A França, que reforçou seu dispositivo militar na República Centro- Africana nas últimas horas para proteger seus cidadãos, não tem intenção de tirá-los do país por enquanto, já que considera que a situação está sob controle.
O presidente da África do Sul, Jacob Zuma, também condenou o golpe e confirmou que pelo menos 13 soldados sul-africanos morreram no fim de semana passado e 20 ficaram feridos em combates com os rebeldes.
A África do Sul autorizou em janeiro o desdobramento de 400 soldados ao país – embora até o momento só tinham mobilizado algo mais de 200 – em virtude de um acordo de cooperação militar bilateral assinado em 2007 e renovado por cinco anos em dezembro de 2012.
O presidente deposto
O governo camaronês confirmou que Bozizé, se refugiou no país, após uma breve escala pela República Democrática do Congo (RDC). “Reconhecemos a presença do presidente da República Centro-Africana em Camarões”, declarou à Agência Efe por telefone o ministro de Comunicações de Camarões, Issa Chiroma.
“Bozizé chegou ontem [domingo, 24], por volta das 6 da tarde local (14h, horário de Brasília), em um helicóptero presidencial acompanhado por dois filhos e seu guarda-costas. Ele aterrisou no aeroporto da cidade de Baturi, na região leste de Camarões”, explicou o porta-voz governamental. “Neste momento, Bozizé se encontra na cidade de Bertua”, disse Chiroma.
Negociações
Em janeiro, foi iniciado no Gabão um processo de negociação entre o governo centro-africano e a Séléka, que culminou com a assinatura de alguns acordos de paz no dia 11 de março. Eles contemplavam um cessar-fogo e uma transição de um ano com um governo de união nacional.
No entanto, os rebeldes retomaram sua atividade na quarta-feira passada (20) após o fim de um prazo estipulado por eles para que Bozizé cumprisse uma série de reivindicações – retirada das tropas estrangeiras do país e a libertação de presos políticos, entre outras – que expirou no dia 20, e avançaram rapidamente até Bangui.
A coalizão Séléka, composta por quatro grupos rebeldes, pegou em armas no norte do país em dezembro passado ao considerar que Bozizé não havia respeitado alguns acordos de paz assinados em 2007.
Os tratados contemplavam, entre outros assuntos, a integração de combatentes rebeldes no exército centro-africano, a libertação de uma série de presos políticos, e o pagamento aos milicianos sublevados que optassem no desarmamento.