“¡Por aquí pasó Bolívar compadre, hacia aquellos montes lejos! El sol de la tarde estira hoy su perfil, que vuelve”. A estrofe de “Por aquí pasó”, poema de Alberto Arvelo Torrealba em homenagem ao prócer venezuelano, é declamada em forma de música no interior do Quartel da Montanha, enquanto um grupo de pessoas se entreolha em silêncio. Alguns arriscam uma foto. Outros só observam com as mãos entrelaçadas. Uma senhora chora, enquanto caminha a passos curtos, com dificuldade.
Minci.gob.ve
Quartel da Montanha, no alto do bairro de 23 de Janeiro, em Caracas, guarda túmulo do presidente Hugo Chávez desde 15 de março
A única voz que ali ressoa é a de Hugo Chávez – forte, alta, acompanhada da melodia formada pela arpa, o cuatro e as maracas, instrumentos típicos da terra natal do filho de Sabaneta, Estado de Barinas. O mesmo Chávez que agora descansa em um suntuoso túmulo de mármore, guardado 24 horas por quatro militares e visitado por milhares de apoiadores ininterruptamente desde 15 de março, quando deixou a Academia Militar em direção ao bairro de 23 de Janeiro.
Desde aquela sexta-feira, em média duas mil pessoas por dia vão até quartel para visitar o falecido presidente. Assim que termina a espera na fila, cerca de 30 minutos, pequenos grupos são acompanhados por militares, que fazem o trabalho de guias. Já na entrada, os visitantes recebem folhetos do Ministério do Turismo venezuelano, com um mapa turístico de Caracas e adesivos.
Todos marcham do lado de fora do quartel com cuidado, em silêncio. Nos olhos de alguns, ansiedade. De outros, apreensão. “Não pude ir até a Academia Militar porque fiquei doente e reservei o feriado da Semana Santa para visitar meu comandante. Não tenho como descrever a sensação que é estar aqui, tão perto dele”, afirma Armando Enríquez, de 70 anos. À frente, um dos militares relembra que ali foi onde Chávez comandou o levante cívico-militar de 4 de fevereiro de 1992, “onde tudo começou”, diz.
Foi naquele momento que a Venezuela conheceu Hugo Rafael Chávez Frías, quando o então tenente-general na ativa do Exército liderou com outros oficiais a rebelião contra o governo neoliberal de Carlos Andrés Pérez. Preso, ele avisou em rede nacional que o objetivo não havia sido conquistado, “por ahora” (por enquanto). A frase ficou marcada na memória dos venezuelanos, até que Chávez foi eleito presidente seis anos depois.
A essência das demandas daquele 4 de fevereiro permaneceu viva na memória de seus apoiadores, inclusive depois de sua morte. “Vim aqui para agradecer ao presidente por tudo o que ele fez por nós, mas também para lhe prometer que daremos continuidade ao espírito de combate, de luta. Em 14 de abril teremos outra batalha, que será vencida por Nicolás Maduro. Será meu presente a Chávez”, diz Maribel Betancourt, de 42 anos.
Enquanto um grupo avança, outro retorna do interior do quartel. Posicionados de frente para um militar, todos repetem as consignas lançadas por ele: “Viva Chávez! Viva Bolívar! Viva Venezuela!”. E seguem o caminhar. Deixam para trás o som de dezenas de bandeiras que balançam forte.
“Sabem quais são esses países? Todos com os quais nosso presidente manteve relacionamento ao longo desses anos”, conta o guia. A do Brasil é acompanhada pelas de outros, a maioria de membros da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), mecanismos de integração regional impulsionados por Chávez durante seus 14 anos de administração. Perto dali, um canhão descansa apontado para o vale de casas e edifícios do 23 de Janeiro.
Túmulo
Mais alguns passos e todos se posicionam em frente à porta que leva ao mausoléu onde está o túmulo do presidente. Pé ante pé, conforme a luz do sol escasseia, cada um entra com olhos curiosos, enquanto as cabeças se movem de um lado para o outro até encontrá-lo no meio do amplo salão, decorado com flores e mensagens. Na lápide, “Comandante de La Revolución Bolivariana. Hugo Chávez Frías. 28-07-1954. 05-03-2013”.
Em vez de três segundos, tempo estimado da visita daqueles que esperaram até 30 horas para ver Chávez pela última vez em Los Próceres, agora são vários os minutos ao lado do túmulo do líder venezuelano. A maioria caminha ao redor deslizando as mãos pela pedra negra, delicadamente, enquanto sussurra algumas palavras. Duas crianças posam apoiadas no caixão, enquanto a mãe pede para que sorriam. O flash da câmera reflete nos olhos de um dos sentinelas, que pisca com força. “Vamos”, avisa o guia.
NULL
NULL
A visita fúnebre dá lugar a um passeio pela memória de Chávez. Enorme murais e cartazes ilustram a vida do presidente, indo de sua infância em Barinas até as últimas semanas após a eleição de 7 de outubro de 2012. Na parede, a cronologia dos 14 anos de governo, culminando com o 5 de março. “(…) fallece em La ciudade de Caracas, a las 4:25 p.m., en el Hospital Militar ‘Dr. Carlos Arvelo’. Hasta La Victoria Siempre Comandante, Padre y Amigo!”, é a frase que dá a despedida aos visitantes.
Já do lado de fora, o grupo se dispersa. Uma família se dedica a tirar mais fotos, ao lado de um grande mural com o rosto de Chávez e a consigna “4F”. Soldados distribuem um santinho com a foto do presidente, enquanto do outro lado, em letra vermelha, estão registradas as palavras ditas poucos antes de embarcar para Cuba, em 8 de dezembro.
“Minha opinião firme, plena, como a lua cheia, irrevogável, absoluta, total, é que num cenário que obrigaria a convocar de novo eleições presidenciais, vocês elejam Nicolás Maduro como presidente da República Bolivariana da Venezuela. Eu lhes peço isso do meu coração” diz o papel, lembrando que são tempos de eleição.
Seja na propaganda antecipada ao final do “tour”, seja na melodia de “Por aqui pasó” no interior do Quartel da Montanha, Chávez permanece vivo na memória dos venezuelanos a quase um mês de sua morte. “Quero que ele fique aqui, no quartel, pois já é grande demais para estar junto aos outros próceres [na Academia Militar]. Nunca existirá alguém como ele, nunca”, se despede Maribel Betancourt.