Divulgação/Polícia alemã
Um julgamento histórico, que colocará na berlinda a resiliente extrema-direita alemã, terá início nesta segunda-feira (06/05) em Munique. Beate Zschäpe, 38 anos, membro do grupo neonazista Nacional Socialista Underground (NSU), irá à corte para responder como cúmplice de um atentado à bomba na cidade de Colônia, em 2004, e pela execução de 10 pessoas em todo o país, entre elas oito imigrantes turcos, um grego e uma policial entre 2000 e 2007.
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O caso acordou a Alemanha para a ação continuada de grupos extremistas em seu próprio território apenas em novembro de 2011, quando a arma dos crimes foi descoberta pela polícia por acaso, gerando uma enxurrada de críticas ao governo e à corporação pelo modo que a investigação foi conduzida. Até então, o elo entre neonazistas e as mortes não estava em pauta. Os principais suspeitos eram também imigrantes, e não cidadãos alemães.
Os crimes só foram esclarecidos porque dois membros do NSU, Uwe Böhnhardt, 35, e Uwe Mundlos, 38, cometeram suicídio após assaltarem o 15º banco para custear suas ações. Assim que soube da notícia, Beate, que vivia com os dois neonazistas, ateou fogo ao apartamento do grupo em Zwickau, cidade ao sul de Leipzig e próxima da fronteira com a Polônia, que explodiu.
A pistola foi recuperada entre as cinzas e levada para perícia, que constatou seu uso para a execução dos imigrantes. Poucos dias depois do incêndio – que ainda vitimou uma vizinha idosa -, Beate enviou um DVD para jornais e grupos muçulmanos conferindo ao grupo neonazista NSU a responsabilidade pelos assassinatos e pelo atentado de 2004, que deixou 22 turcos feridos. As imagens chocaram a Alemanha.
No vídeo, segundo a revista alemã Der Spiegel, há fotos das vítimas em poças de sangue, intercaladas com desenhos da Pantera Cor-de-Rosa. A brutalidade dos crimes e a impunidade do grupo – o NSU operou livremente por pelo menos 13 anos – desvelaram uma série de falhas em procedimentos da polícia alemã, que caiu em descrédito. A expectativa da imprensa local é que Beate, ao falar pela primeira vez sobre o caso no banco dos réus, lance luz na relação entre o neonazismo e a corporação.
Repercussão e vergonha
No dia 23 de fevereiro de 2012, em uma tentativa de aplacar os ânimos da enorme comunidade turca na Alemanha, com cerca de 3 milhões de imigrantes, a chanceler Angela Merkel compareceu a uma missa em homenagem às vítimas do grupo neonazista em Berlim e pediu desculpas aos familiares que foram investigados pela polícia. O Parlamento alemão lançou uma comissão de inquérito para verificar os erros na condução do caso, que está em andamento.
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Mesmo assim, a mancha na reputação das instituições alemãs é evidente pela atuação falha da corporação, que atribuía os crimes à máfia turca e deixou a NSU operar livremente. Segundo a rede estatal alemã Deutsche Welle, a Secretaria para Proteção da Constituição, órgão federal alemão, sabia da atuação do grupo neonazista desde a década de 1990. No ano passado, seu presidente, Heinz Fomm, pediu demissão do cargo após saber que diversos arquivos – possivelmente ligados ao grupo neonazista – haviam sido destruídos.
Wikicommons
Casa onde o grupo neonazista alemão se escondia em Zwickau, cidade ao sul de Leipzig e próxima da fronteira com a Polônia
Na esteira do caso, lançou-se um debate sobre o “racismo institucional” na Alemanha, que segundo ativistas de direitos humanos é motivo de “vergonha” para o país. A crítica foi endossada pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, que fez recomendações ao país para resolver o problema internamente.
Longo processo
O julgamento de Beate Zschäpe terá duração de pelo menos dois meses e meio. Há cerca de 600 testemunhas a serem ouvidas, entre policiais, parentes das vítimas e pessoas relacionadas ao grupo neonazista. Os assassinatos foram cometidos em Nuremberg (três execuções), Munique (duas), Kassel, Dortmund, Hamburgo e Rostock.
O caso, que gerou comoção na Alemanha, deve lançar também os holofotes para a existência institucionalizada do partido neonazista alemão NPD (Nationaldemokratische Partei Deutschlands, ou Partido Nacional Democrata da Alemanha), que tem cerca de 6.600 membros e opera livremente no país após ter sido considerado constitucional em 2003.