O governo britânico estuda um acordo de compensação financeira às vítimas da violenta repressão à revolta Mau Mau, pró-independência, que resultou em milhares de mortes no Quênia, sua então colônia, entre 1952 e 1960. A informação é do jornal The Guardian. O caso foi a tribunal em julho do ano passado após a recente descoberta de um arquivo secreto em Buckinghamshire, condado a noroeste de Londres.
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Quenianos que se rebelaram para libertar o país da colonização britânica na revolta Mau Mau. Cerca de 50 mil foram vítimas de abusos
Os documentos oficiais, mantidos em sigilo por Londres até figurarem em uma série de reportagens do jornal The Times, narram uma rotina de linchamentos, castrações, estupros e confisco de bens e propriedades de quenianos que buscavam a independência do país da coroa britânica. Cerca de 50 mil pessoas foram vítimas de abuso, segundo a Comissão de Direitos Humanos do Quênia.
Entre os papéis havia um memorando do procurador-geral da colônia, Eric Griffith-Jones, que considerava o tratamento dos presos como “semelhante às condições da Alemanha nazista e do comunismo soviético”. Griffith-Jones sancionou leis coloniais que permitiram os abusos e afirmou: “Se vamos pecar, que pequemos em silêncio.”
Os maus-tratos aos militantes pró-independência do Quênia também foi relatado em livro da pesquisadora norte-americana Caroline Elkins, professora da Universidade Harvard. A obra, que venceu o prêmio Pulitzer de não-ficção em 2006, relata em detalhes a ação da coroa britânica e trata os campos de prisioneiros como gulags. Um dos torturados foi Hussein Onyango Obama, avô do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
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O arcebispo Desmond Tutu, ganhador do Nobel da Paz por sua luta anti-apartheid na África do Sul, saiu em defesa dos quenianos após tomar conhecimento do arquivo. Tutu escreveu uma carta direcionada ao primeiro-ministro David Cameron, do Partido Conservador, para que os danos sejam reparados.
“Que mensagem o governo britânico manda para os países africanos que agem com impunidade ao tentar obstruir essas alegações de tortura? Como considerar isso outra coisa senão um ‘faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço’, com sua inevitável hipocrisia?”, afirmou o arcebispo.
Os três militantes quenianos que buscam reparação – Jane Muthoni Mara, que sofreu abuso sexual; Paulo Muoka Nzili, castrado; e Wambugu wa Nyingi, açoitado durante cinco anos – já são idosos e foram à corte amparados por Martyn Day, um dos principais advogados especialistas em direitos humanos do Reino Unido. Em audiências que levaram duas semanas, em outubro do ano passado, o governo britânico admitiu que eles foram brutalmente torturados, mas recorreu da decisão. O Reino Unido alega que já transcorreu muito tempo desde as torturas e busca transferir a culpa ao governo queniano.
Caso o Reino Unido aceite reparar financeiramente os três militantes quenianos, ele abre caminho para uma enxurrada de processos semelhantes, que podem ser elaborados com base na ação da coroa não só no Quênia, bem como em diversas de suas outras ex-colônias. Insurgentes torturados no Yemen, na Suazilândia, na Guiana e no Chipre podem ser os próximos a buscar compensação financeira em um futuro próximo.