Frente às manifestações que tomam conta das ruas brasileiras, a tentativa de compreensão acerca do que acontece não é tarefa difícil somente para a imprensa nacional. O que se vê em meios alternativos ou alinhados a governos progressistas da América Latina é a divisão entre o tom crítico aos gastos destinados à realização da Copa do Mundo de 2014 e a percepção de que o objetivo dos protestos, iniciados contra o aumento das passagens de transporte público, mudou na última semana, orientando-se à oposição ao governo de Dilma Rousseff.
Agência Efe
Imagem de protesto no Rio de Janeiro nesta sexta-feira (21/06)
Em transmissão realizada na última quinta-feira, a correspondente da emissora multiestatal Telesur relatou os protestos no Rio de Janeiro e a ação da polícia contra manifestantes para depois ressaltar que os “movimentos sociais sinalizaram que existem grupos de direita infiltrados nas jornadas de mobilização com o fim principalmente de desvirtuar as mesmas e também que os meios de informação estão fazendo uma entrega informativa dirigida a criminalizar os partidos de esquerda e desestabilizar o governo de Dilma Rousseff”.
A transmissão expôs ainda que as jornadas no país incluem diferentes demandas, como a inicial para redução preço das passagens, passando pelo livre direito a manifestações e fim da repressão policial, da criminalização dos movimentos sociais e do uso armas letais e menos letais. “Também que o dinheiro da Copa se destinasse às áreas de saúde e educação, também dizem não às remoções e despejos e esperam uma gestão democrática das cidades com decisão popular”, relatou.
Segundo o âncora, uma reunião de emergência foi convocada por Dilma “em busca de consensos e de decisões”. “De acordo com meios brasileiros, na reunião será discutida a posição do Executivo frente aos protestos, quais medidas o Ministério de Justiça pode adotar para fazer frente aos distúrbios e demandas efetuadas pela população”, completa uma nota no site da emissora.
O jornal argentino Página 12 destaca a ampla dimensão das manifestações no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília, também mencionando a repressão policial com gases lacrimogêneos e balas de borracha. “Os violentos incidentes ocorreram um dia depois que os prefeitos de São Paulo e do Rio de Janeiro anunciaram que davam marcha ré no aumento das passagens do transporte público”, expressou.
“Na quinta, dia 13, a polícia militar de São Paulo atuou com uma truculência que não se via desde os tempos da ditadura. Foi o estopim para que a onda de protesto avançasse por todo o mapa brasileiro”, expressa, que qualifica a ação de ontem no Rio como “atuação selvagem da polícia militar”. O texto também menciona incidentes relacionados à expulsão de militantes que carregavam bandeiras o PT (Partido dos Trabalhadores) ou da CUT (Central Única de Trabalhadores).
O autor ressalta ainda “a inércia dos partidos políticos” e a demora dos prefeitos, “principalmente o de São Paulo, Fernando Haddad”, para anunciar o cancelamento do aumento da passagem de ônibus. “É verdade que a presidenta Dilma Rousseff fez um contundente pronunciamento”, afirma, dizendo no entanto que “nenhum dirigente político, nenhum parlamentar de relevância, ninguém conseguiu sair do estupor provocado pela velocidade com que estas manifestações se estenderam. Nem mesmo o PT, partido nascido de manifestações populares, não soube ainda o que fazer”.
“Não se deve descartar a presença de infiltrados, cuja missão é precisamente provocar a reação descontrolada de uma polícia formada em tempos da ‘doutrina de segurança nacional’ da ditadura militar”, expressa. “Quer dizer: quando não há controle nenhum tanto de quem organiza como de quem tem a responsabilidade de garantir o direito constitucional de manifestar opinião, o que se vê é o que se viu ontem”, escreve, afirmando que a classe política permanece atônita: “É como se ninguém soubesse da extensão da distância que separa os políticos profissionais da realidade do país”.
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A agência de noticias Prensa Latina, por sua vez, indica que o MPL (Movimento Passe Livre), que organizou os protestos contra o aumento da passagem, “denunciou a atuação de grupos de extrema direita em seus atos de violência para deslegitimar os protestos populares”. Segundo o portal, estes grupos “querem tergiversar o sentimento destas mobilizações, dar-lhe um ar fascista e se arrogaram o direito de não permitir membros de partidos políticos na manifestação”.
Já a publicação mexicana La Jornada menciona que, “pela primeira vez, alguns sindicatos, organizações da sociedade civil e partidos políticos – inclusive o governista Partido dos Trabalhadores e a União Nacional de Estudantes – tentaram sem sucesso participar das marchas, levando suas bandeiras”. “Em São Paulo, integrantes do PT foram recebidos com hostilidade por vários dos 30 mil manifestantes que marchavam e que lhes cantaram ‘Oportunistas!’”.
O jornal destaca a participação de um grupo de indígenas Xicrin, do Pará, nos protestos, com pinturas no rosto, penas, arcos e flechas”, pela proteção de suas terras e florestas, mas ressalta que a maioria dos manifestantes são, em sua maioria “jovens, educados e de classe média” que reclamam do aumento do custo de vida e dá má qualidade dos serviços públicos em um país “mundialmente famoso por seus programas sociais que tiraram milhões da pobreza”. Segundo a publicação, o Brasil registra um “decepcionante” crescimento econômico e uma inflação em alçada.
Agência Efe
Durante os protestos, diversas pessoas têm ido às ruas com máscaras para esconder os rostos
Já o jornal paraguaio E’a, publicou em seu portal uma reportagem elaborada pela Pública, agência brasileira de jornalismo investigativo, sob título de “O por quê dos indignados brasileiros”, que aborda os despejos de comunidades em bairros afetados por obras da Copa e pela especulação imobiliária em torno dos estádios. O texto também aborda o acordo do governo brasileiro com a FIFA para a elaboração de leis, “para garantir os interesses destas e dos seus sócios”, que permite o endividamento dos Estados, a redução do processo para autorizações ambientais e a não necessidade de licitações, entre outros pontos polêmicos relacionados ao evento esportivo.
Já o portal El Mostrador, do Chile, publicou matérias da BBC Mundo. Uma delas, que questiona o por que do crescimento dos protestos do Brasil, cita o sociólogo Paulo Henrique Martins, que fala sobre um “divórcio entre os partidos políticos e os movimentos sociais” no país. A publicação destaca que a diversidade de demandas se amplia com o passar dos dias e aponta que o denominador comum é o “descontentamento com os governantes e com a classe política brasileira em geral”.
Em uma reportagem da agência espanhola Efe publicada pelo portal chileno, indica-se que o governo brasileiro, pela voz do secretário geral da presidência, Gilberto Carvalho, admitiu nesta sexta que as manifestações “podem comprometer” a visita do Papa Francisco ao país para participar da Jornada Mundial da Juventude.