Após os primeiros relatos de zonas eleitorais vazias, o que reforça a possibilidade de alta abstenção no segundo turno do pleito presidencial chileno, realizado neste domingo (15/12), algumas figuras políticas do país reforçaram as críticas ao sistema de voto facultativo.
As duas declarações mais contundentes foram da ex-dirigente estudantil Camilla Vallejo, eleita no mês passado a deputada mais votada do país, e do ex-presidente Ricardo Lagos Escobar (2000-2006).
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Camila Vallejo, que apoia a candidatura da favorita Michelle Bachelet, pediu para que o Chile criasse um novo sistema, em que o voto fosse obrigatório, mas que o eleitor pudesse desfazer voluntariamente sua inscrição. “As pessoas que não querem votar devem ter o direito de desfazer a inscrição, mas como princípio o voto tem que ser obrigatório, para fortalecer o compromisso com o que queremos para o país”, explicou.
Agência Efe
Zonas eleitorais não têm muitas filas neste domingo, em especial nas regiões mais pobres do país
Antes de o voto ser facultativo, o sistema obrigatório era inverso ao que propõe Vallejo agora. A inscrição era voluntária e as pessoas que não se inscreviam não podiam votar. Para os inscritos, o voto era obrigatório. Atualmente, todos os maiores de 18 anos estão automaticamente inscritos, mas vota quem quer.
Já o ex-presidente Ricardo Lagos Escobar afirmou que o retorno do voto obrigatório seria “fundamental para que se possa recuperar a noção da importância do voto, do dever cívico com a democracia, que nos custou recuperar”.
Constituição apolítica
O jornalista e presidente da Associação Sulamericana de Correspondentes, Mauricio Weibel, afirmou via Twitter que “a alta abstenção consolida o modelo de país de Jaime Guzmán, de uma sociedade afastada da política”. O advogado Jaime Guzmán foi a principal figura civil da ditadura de Pinochet (1973-1990), a quem se atribui a redação quase integral da atual constituição chilena (imposta em 1980), incluindo o sistema eleitoral.
Em uma das mais conhecidas citações de Guzmán, retirada de sua antiga coluna no diário chileno El Mercurio, ele dizia que “diferentemente do que pensam aqueles que chamam este regime (a ditadura de Pinochet) de opressivo, a cidadania conheceu no atual período uma vida menos submetida à política e, portanto, capaz de avaliar o país de forma mais livre dos discursos e das consignas”.
Matthei abandonada
Enquanto os correligionários de Bachelet se preocupavam com a pouca participação dos eleitores, do lado de Matthei, a abstenção parecia ter deixado de ser um problema para ser um aliado.
Essa foi a avaliação do seu chefe programático no segundo turno, o deputado eleito Felipe Kast, que disse que “se, como no primeiro turno, a maior parte da abstenção for em bairros favoráveis a Bachelet, podemos diminuir a diferença mostrada nas pesquisas, quem sabe até dar uma surpresa”.
Mas, enquanto não sai a o resultado da apuração, a grande surpresa para a candidatura de Matthei foi a entrevista dada por seu pai, o ex-brigadeiro Fernando Matthei, depois de emitir seu voto, reclamando que os partidos da direita abandonaram a campanha de sua filha. “Evelyn fez a campanha sozinha, não teve nenhum apoio dos partidos do governo de Piñera, mas teve muita coragem, porque é preciso muita força para encarar um desafio tão difícil e sem nenhum apoio”, desabafou o militar retirado.
Ex-membro da Junta Militar de Governo, Fernando Matthei também tem ligação com a candidata Michelle Bachelet, já que foi amigo pessoal do brigadeiro Alberto Bachelet, pai da candidata socialista, que foi torturado e assassinado durante a ditadura. Matthei inclusive foi processado por sua possível participação na morte de Bachelet, mas terminou absolvido pela Corte de Apelações de Santiago, em agosto de 2013.
“Tenho sentimentos encontrados nesta eleição, porque quero que minha filha ganhe, mas também gosto muito da Michelle e da lembrança que ela me traz do seu pai, que foi um grande homem e um grande amigo”, expressou.