“Esse governo não vai durar muito tempo”, diz Marcelo, estudante da Universidade de Monteávila, enquanto conversa com outros colegas na Praça França, em Altamira. Ele, que afirma ter participado todos os dias de concentrações no famoso bastião opositor em Caracas desde a eclosão dos protestos na Venezuela, fala que prefere que o presidente Nicolás Maduro renuncie a esperar o momento para a convocação de um referendo revogatório. “E se ele ganha?”, pergunta a Opera Mundi.
Marina Terra/Opera Mundi
“Quer que acabe [os protestos]? Renuncie”, diz pixação em muro de Altamira, Caracas, palco dos principais protestos opositores
No local, diversas pixações indicam o mesmo desejo de Marcelo: que Maduro caia. “Quer que acabe [os protestos]? Renuncie”, se lê no muro de um restaurante na praça. Na tarde deste domingo (02/03), centenas de estudantes participavam do “ritual” que se instalou ali desde a segunda semana de fevereiro. Após reforçarem as barricadas com pedaços de concreto, galhos de árvores e papelão, os jovens ficam à espera da GNB (Guarda Nacional Bolivariana). Por volta das 18h, a confusão começa assim que as primeiras bombas de gás lacrimogêneo são lançadas.
No final de semana, os líderes dos estudantes pediram “clareza” ao governo sobre a proposta de diálogo oferecida e prometeram seguir nas ruas. Maduro, no âmbito da conferência de paz criada recentemente, propôs a instalação de uma mesa com os jovens sem qualquer tipo de condição.
Efe (02/03/2014)
Estudantes improvisam estilingue para lançar pedras contra a GNB (Guarda Nacional Bolivariana), em Altamira
O líder estudantil Juan Requesens, filiado à AD (Ação Democrática), afirmou que o presidente venezuelano deve antes especificar como será o encontro e quais serão os detalhes. Segundo ele, os estudantes não podem ir a Miraflores para fazer parte de um “show” em torno da proposta de paz.
O vice-presidente Jorge Arreaza, que foi um dos responsáveis por trazer membros do empresariado e da oposição à conferência, insistiu no convite aos estudantes para debater às claras as reivindicações do movimento. Uma delas é a libertação de todos os detidos nos protestos, inclusive o dirigente opositor Leopoldo López, e o “fim” da insegurança e escassez de alimentos.
“Arreaza disse que não havia condições [para o diálogo]. Como assim? Com quem vamos falar em Miraflores? Com o governo? Quem vai estar nessa reunião? Isso precisa ser dito. Quais são os temas que serão tratados?” perguntou Requesens durante manifestação da oposição ontem em Caracas. “Vai ser uma mesa de diálogo ou uma mesa onde nós colocaremos as exigências? Se pensa que nós vamos a Miraflores, que podemos ir, mas que pensam que vamos para poderem desmobilizar o povo, então não iremos a Miraflores”, disse.
Efe
Requesens, líder estudantil: “Com quem vamos falar em Miraflores? Com o governo? Quem vai estar nessa reunião?”
A conferência de paz convocada por Maduro se caracterizou nas duas rodadas por dar voz – e transmissão na televisão sem cortes dos discursos ao vivo – de diversos representantes do chavismo e da oposição, como o líder do MAS (Movimento ao Socialismo), Leopoldo Puchi, que chegou a elogiar a iniciativa do governo e propôs a participação de outros partidos da MUD (Mesa de Unidade Democrática). O dono da Empresas Polar, Lorenzo Mendoza, também participou das conversas e teve a ideia da criação de uma comissão da verdade para a economia aceita por Maduro.
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Perfil dos estudantes venezuelanos
As principais demandas dos estudantes que se manifestam pelas ruas do país não têm relação direta com a quantidade e qualidade do ensino na Venezuela. A libertação de detidos durante os protestos, o fim da insegurança, escassez de alimentos e inflação dominam os discursos dos líderes, pertencentes a partidos como Vontade Popular, Primeiro Justiça e AD – todos opositores.
Além disso, membros do JAVU (Juventude Ativa Venezuela Unida) frequentemente são vistos nos protestos, como Gaby Arellano, uma das principais porta-vozes do movimento. O JAVU tem como símbolo um punho fechado, o que, segundo cineasta que acompanhou protestos estudantis em 2007, mostra a relação com o movimento sérvio Otpor.
Nascido em 2000, o Otpor (Resistência, em sérvio) desempenhou um dos mais importantes papeis na derrubada do presidente sérvio Slobodan Milosevic. Logo, o grupo se transformou em uma espécie de “transnacional da subversão”, dando assessoria a diversos outros movimentos de jovens ao redor do mundo.
Em pesquisa realizada no ano passado pela consultoria GSIXXI e apresentado em novembro de 2013, foi feito um perfil político do estudante venezuelano, a partir de entrevistas com 10 mil jovens. Ficou constatado que 60% diz preferir o socialismo, enquanto 21% o capitalismo. Ao mesmo tempo, 73% opta pelo modelo de democracia participativa.
Sobre os estudos diretamente, 79% diz estar estudando, sendo que 67% em universidades públicas. Noventa porcento afirma que os estudos proporcionam “muitas” ou “bastante” oportunidades, enquanto 70% expressa que pretende permanecer na Venezuela assim que formado.
Perguntandos sobre quais instituições mais contribuem para o desenvolvimento da sociedade, 18% disse “as universidades”, 17% “os conselhos comunais/organizações comunitárias” e 13% as missões criadas durantes o governo chavista. Somente 6% indica “partidos políticos”.
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