Quando, na manhã desta terça-feira (11/03), o quinto trem da linha C7 deixou a estação de Alcalá de Henares rumo a Madri, os passageiros dentro de seus seis vagões percorreram o mesmo trajeto de sempre, de casa ao trabalho. Mas hoje, para eles, o trajeto não foi igual. Há 10 anos, no dia 11 de março de 2004, um trem que percorria a mesma linha, no mesmo horário, foi alvo do maior atentado terrorista realizado na Espanha. No total, dez bombas foram detonadas no trem da linha C7 e em outros três que saíram minutos antes da estação de Alcalá de Henares. As explosões causaram um total de 191 mortes, além de ferirem outras 1.857 pessoas.
As bombas foram detonadas entre 7h37 e 7h40, quando os trens se encontravam próximos às estações de Santa Eugenia, El Pozo e Atocha. Os artefatos estavam escondidos em malas e foram acionados por meio de celulares. Por causa do atentado, 18 pessoas com diferentes graus de envolvimento nas explosões foram presas. Outras sete, integrantes do grupo terrorista, morreram ao acionarem uma bomba quando estavam cercados pela polícia em um apartamento em Leganés, na região metropolitana de Madri.
Agência Efe
Parente de vítima do atentado participa de homenagem nesta terça-feira
Para lembrar a data, a associação de vítimas do atentado organizou uma missa às 10h da manhã (6h no horário de Brasília) desta terça-feira na Catedral de Nossa Senhora de Almudena, na capital espanhola. O rei Juan Carlos e a rainha Sofia compareceram à celebração, mas os ex-presidentes José María Aznar e José Luis Rodríguez Zapatero não estavam presentes. Também estão previstos para hoje atos em memória às vítimas nas distintas estações de trem onde as bombas detonaram.
As investigações após o atentado indicaram que o grupo responsável pelas detonações era uma célula terrorista local que se inspirou nas ações da Al-Qaeda. Grande parte dos integrantes já havia sido investigada por participação em algum outro grupo extremista ou por delitos menores, como posse ou venda de drogas. O explosivo utilizado nos atentados foi roubado de uma mina na região de Astúrias com a ajuda de um dos mineiros que trabalhavam no local. Aproximadamente 200 quilos do material explosivo foram levados de carro da mina a Madri, em janeiro de 2004.
O grupo alugou uma casa no pequeno município de Chinchón, a 44 km da capital espanhola, onde montaram 13 bombas caseiras, com aproximadamente dez quilos de material explosivo cada uma. No dia do atentado, três artefatos não explodiram e o material utilizado para fabricar as bombas foi utilizado para comprovar a autoria do ataque e encontrar os envolvidos. A polícia espanhola rastreou a loja onde foram comprados os celulares e os chips utilizados nas bombas e, a partir deles, descobriu os autores do atentado.
Uso político da tragédia
O ataque terrorista aconteceu três dias antes das eleições gerais, quando José Luis Rodríguez Zapatero, candidato do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), e Mariano Rajoy, candidato do PP (Partido Popular), estavam quase empatados nas pesquisas eleitorais. A reação do então presidente do governo, José María Aznar (PP), e de outros políticos do partido, foi de acusar o grupo terrorista espanhol ETA, apesar de as investigações policias apontarem para um ataque de um grupo radical islâmico. No dia 13 de março, um dia antes das eleições, Rajoy afirmou em entrevista ao jornal El Mundo que tinha a “convicção moral” de que o atentado havia sido executado pelo ETA.
Zapatero ganhou o pleito por uma vantagem de 4,9% em relação a Rajoy. A avaliação do PP na época foi que o atentado teve papel crucial crucial para a derrota e que a autoria do ataque era de fato do ETA. Durante toda a investigação do caso, tanto o partido quanto os meios de comunicação próximos ao PP levantaram diversas teses para ligar o atentado ao grupo terrorista basco. Como líder da oposição, Rajoy pediu a criação de uma comissão de investigação para analisar algumas das denúncias.
O jornal espanhol El Mundo sempre questionou as provas utilizadas no julgamento. Diversas vezes, nos anos seguintes ao atentado, o jornal tentou colocar em dúvida a autoria do ataque. Em mais de uma entrevista exclusiva ao jornal, o mineiro que ajudou o grupo terrorista, José Emilio Suárez Trashorras, ligou as explosões ao ETA ou a um golpe de Estado velado. Entretanto, no dia 13 de setembro de 2006, o jornal El País divulgou uma conversa telefônica em que Trashorras diz a parentes que “enquanto o jornal El Mundo pague, se eu estou fora, lhes conto [até] a Guerra Civil espanhola”.
Duplo sofrimento
Os ataques sofridos pelas vítimas e por seus parentes por parte dos meios de comunicação espanhóis, que os acusavam de utilizar a tragédia em benefício do PSOE, dificultou o trabalho de recuperação de alguns dos envolvidos. Segundo o psicólogo Antonio Cano Vindel, “as vítimas sofrem uma dupla ‘vitimização’, que é primeiro o atentado e, depois, a repercussão social, especialmente através dos meios de comunicação”.
NULL
NULL
Vindel atendeu diversas vítimas e conta que elas sofrem muito nos aniversários da tragédia. “[As vítimas] sofrem quando mostram imagens violentas do atentado e não entendem que se siga mostrando durante anos e anos porque pensam que estão explorando sua dor em prol de conseguir mais audiência”. Para ele, a dor dos sobreviventes está relacionada às imagens e revê-las ”os destrói”.
Rafael Duque/Opera Mundi
Estação Atocha do metrô madrilenho tem monumento com nomes das vítimas do atentato
Apesar de admitir que alguns dos envolvidos na tragédia seguem lutando contra os efeitos pós-traumáticos dos ataques, Vindel acredita que a sociedade espanhola já conseguiu superar o ocorrido. Para ele, os espanhóis, principalmente os habitantes de Madri, passaram por um sentimento de união e de identificação com as vítimas, semelhante ao que ocorreu em Nova York após os atentados de 11 de setembro de 2001.
“[A população] se identifica porque tem notícias através dos meios de comunicação. Além disso, foi um atentado terrível, com quase 200 mortos que não eram milícias ou políticos, eram trabalhadores como eles, como a maioria da população, que apenas ia ao trabalho. Além do mais eram pessoas humildes e fizeram um massacre com eles. A população respondeu com muita empatia e pensando que eles também poderiam estar naqueles trens”, explica o psicólogo.