Atualizada às 12h45
Nem o craque Cristiano Ronaldo posando de garoto-propaganda nem o invejável posto de primeiro banco a voltar aos mercados durante a crise econômica em Portugal sem a ajuda do Estado foram suficientes para evitar a queda, agora, do Banco Espírito Santo (BES), imerso em suspeitas de crimes econômicos e gestão duvidosa. O BES era o terceiro maior banco privado português e carro-chefe de uma das dinastias mais poderosas do país.
Em sequência das investigações por suspeitas de fraude, abuso de confiança e lavagem de dinheiro envolvendo Ricardo Salgado Espírito Santo, afastado no final de junho do cargo de presidente-executivo da instituição, as ações caíram tanto que o banco, agora dividido em dois, acabou sendo temporariamente removido da Bolsa de Lisboa. Salgado está probido de sair do país enquanto decorrem as investigações.
Agência Efe
Banco Espírito Santo, dominado por tradicional família de Portugal, tem rombo superior a € 6 bi nas contas
Com um rombo nas contas superior a € 6 bilhões (cerca de R$ 18 bilhões), o Grupo Espírito Santo (GES) beira colapsar o império familiar construído desde o século XIX e que abrange bancos comerciais e de investimento em diversos países, seguros e participações em empresas estratégicas como Portugal Telecom (fundida com a brasileira Oi) e a gigante energética EDP. Algumas holdings do grupo já haviam solicitado proteção contra credores, mecanismo de insolvência controlada sob proteção da Justiça.
O “banco de todos os regimes”
Em 2010, Ricardo Salgado declarou sobre o enriquecimento da família durante o Estado Novo Português (1933-1974): “O BES é um banco de todos os regimes”. É verdade: o grupo remonta a 1850, tendo passado pela monarquia, a ditadura e a democracia. Ficou notória a amizade entre Ricardo Espírito Santo (avô de Ricardo Salgado) e o ditador Salazar. Aos domingos, o banqueiro o visitava para tratar de negócios, nomeações, ações diplomáticas e compra de obras de arte, segundo relata o pesquisador e jornalista Pedro Jorge Castro em “Salazar e os milionários” e “O ataque aos milionários”. Ao morrer, o banqueiro deixou ao ditador uma casa no Estoril e um quadro do flamengo Quentin Metsys. A casa não foi aceita.
NULL
NULL
Wikimedia Commons
Parte do segredo do longevo poder familiar vem da inserção de quadros das empresas em postos-chave dos governos. “Houve sempre pessoas do BES a ocupar cargos em diferentes governos, algumas das quais voltavam em seguida para o BES”, disseram a Opera Mundi Maria João Babo e Maria João Gago, autoras de “O último banqueiro”, sobre a vida de Ricardo Salgado, que ficou 22 anos à frente do BES.
[Salgado: “O BES é um banco de todos os regimes”]
Há exemplos do lado conservador e socialista: o conservador José Manuel Durão Barroso, que este ano deixou a presidência da Comissão Europeia, havia sido consultor do BES antes de se tornar primeiro ministro de Portugal (2002-2004). Manuel Pinho foi ministro do socialista José Sócrates após passar pelos quadros administrativos do BES.
Outros nomes a circular entre empresas do GES e cargos políticos foram António Mexia, hoje presidente da EDP e antigo ministro de Obras Públicas, e Miguel Frasquilho, deputado do governante PSD (centro-direita).
Outros casos
Desde 2007 diversos bancos tem sido alvo de investigações por crimes econômicos envolvendo offshores e paraísos fiscais: o Millenium BCP, o maior banco privado em Portugal; os pequenos Banco Português de Negócios (BPN) e Banco Privado Português (BPP) – ambos acabariam por serem dissolvidos. Agora, é a vez do BES.
Apesar do pacote de austeridade e regulação financeira adotado pela Troika, medidas eficazes para frear crimes econômicos nunca saíram da gaveta: o fim dos offshores, de paraísos fiscais e de produtos altamente especulativos, além da separação entre bancos de investimento e bancos comerciais. Vale lembrar que em 2013 o Banco Central Europeu ajudou a reforçar a liquidez do setor bancário português em 50 bilhões de euros.