“Que não esteja grudada com chiclete”. Essa foi uma das expressões utilizadas pelo ex-candidato presidencial e governador de Miranda, Henrique Capriles, ao abordar a necessidade de uma revisão profunda na coalizão que reúne partidos opositores da Venezuela. “Curto-circuito de visões”, “competição de vaidades e egos” e “em respiração artificial” foram alguns dos qualificativos usados nas últimas semanas por outros políticos ao comentarem a crise interna da coalizão.
A fragilidade da MUD (Mesa de Unidade Democrática), estruturada formalmente há cinco anos para enfrentar o chavismo, ficou clara com a exposição de uma série de divergências em 2014. Duas reuniões fechadas com dirigentes dos principais partidos opositores foram realizadas nos últimos dias para tentar encontrar estratégias comuns para o resto deste ano não eleitoral, com vistas às legislativas de 2015. A dificuldade de chegar a consensos no primeiro encontro, no fim de julho, culminou as renúncias do secretário-executivo, Ramón Guillermo Aveledo, e o secretário-adjunto, Ramón José Medina.
Agência Efe
Antes de renunciar, Aveledo (centro) já era criticado por ter participado dos diálogos de paz com governo Maduro
Roberto Enríquez, presidente nacional do Copei – um dos partidos que se alternavam no poder antes da chegada de Hugo Chávez à presidência -, disse publicamente à imprensa local que sua sigla poderia se afastar temporalmente da coalizão caso a roupa suja continuasse sendo lavada publicamente entre seus integrantes. Após o primeiro encontro, o dirigente considerou que a aliança passou da “terapia intensiva” para “respiração artificial”.
“Acho que a renúncia de Aveledo de alguma forma reflete a inquietude que tínhamos e nos põe o desafio de corrigir”, explicou a Opera Mundi. “Sinto que todos estamos dispostos a dar ar, respiração boca a boca, e se todos dermos, vamos salvar a unidade”, argumentou Enríquez ressaltando avanços na última semana.
A segunda reunião foi realizada nesta segunda-feira (11/08), na qual líderes dos principais partidos discutiram as linhas estratégicas da coalizão. Segundo Simón Calzadilla, dirigente do Movimento Progressista da Venezuela, houve consenso sobre propostas e estratégias que serão submetidas à aprovação em uma reunião ampliada com todos os partidos da aliança, nesta quarta (13/08).
Apesar de declarações sobre apostas na unidade, as divergências entre os partidos que conformam a MUD se arrastam desde o ano passado. Foram vários desacordos, como a proposta da ala radical opositora de uma Assembleia Constituinte para renovar os poderes do Estado, a estratégia de comparar as eleições municipais de dezembro a um “plebiscito” do governo Maduro e a campanha “La Salida”, que pregava presença nas ruas até uma mudança de governo.
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Neste ano, Aveledo foi duramente criticado por participar do diálogo de paz com o governo, em uma tentativa de conter a violência derivada de protestos no primeiro semestre. O processo, que contou com acompanhamento de chanceleres da Unasul (União de Nações Sul-americanas) e do núncio apostólico do Vaticano, não foi aceito pela ala radical da oposição, que exigia condições prévias, como a liberação de presos, para se sentar à mesa.
Medina, por sua vez, protagonizou uma polêmica quando, em um programa de humor político, disse não haver planos para libertar Leopoldo López. “Para tirá-lo da prisão não temos nenhum plano, porque aqui o único que inventou o plano foi ele próprio, ou seja, foi ele que se entrou. Então é complicado tirá-lo da prisão”, respondeu o então secretário-adjunto sobre o dirigente preso desde fevereiro sob acusação de incitar a violência em protestos.
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Líder do partido Voluntad Popular, López foi um dos líderes, ao lado da então deputada María Corina Machado, da campanha “La Salida”. Lançada em janeiro, a iniciativa foi um dos exemplos mais evidentes do choque de visões dentro da MUD.
Capriles se opôs à iniciativa, dizendo que não acompanharia “aventuras”. Apesar da cautela, a coalizão não conseguiu se desvincular completamente dos protestos, que derivaram em mais de 40 mortos. O custo foi grande para a oposição e alguns reconhecem o erro: além de López, dois prefeitos opositores foram presos e Machado teve o mandato cassado por ter aceitado falar na OEA (Organização dos Estados Americanos) a convite do Panamá sem autorização do Legislativo, como prevê a Constituição do país.
Apesar de ter negado pressões para abandonar o cargo, na carta em que explica sua decisão Medina evidencia divergências com iniciativas recentes da aliança ao afirmar que não se pode dar espaço “a idéias extremas” que “levem ao irracionalismo político” e que é preciso se rebelar contra o “imediatismo”.
O partido de López, que foi favorável à saída de Medida, no entanto, ainda propõe uma constituinte para renovar os poderes do Estado. Já Machado convocou um Congresso Cidadão para “construir uma visão compartilhada da nova Venezuela e um programa de luta democrática para derrotar este regime”. Segundo ela, 17 partidos e movimentos políticos – entre eles o de López – apóiam a iniciativa. O primeiro encontro rumo ao Congresso foi hoje. Capriles, porém, realizou atividade em outro município.